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TRISTE-LE-ROY,
PARIS, OUTONO DE 1947

O Sr. Franch est� aqui.

Pontualmente, como gosto.

Mande-o entrar, Lin Yu.

Monsieur Franch, suponho?

Sim, senhor.

Agrade�o a Deus,
Monsieur Franch,

por me permitir conhec�-lo.

Lin Yu, traga-me o ch�,
por favor.

Pedi um ch�.

Prefere algo mais forte?

N�o, prefiro ch�. Muito obrigado.

Teve problemas
para encontrar este lugar?

Um pouco.

Disseram-me que n�o chegou
com um ve�culo.

N�o, vim de trem.

Estou curioso, Monsieur Levy.

Este nome, Triste-le-Roi,
de onde vem?

Esse nome foi escolhido por mim.

Mas n�o o inventei.

Descobri-o em um conto que li.

Era muito interessante.

Claro que me refiro ao conto.

O xadrez � o espelho do mundo.

Sempre fui um �vido
jogador de xadrez.

E, em um tabuleiro...

o rei...

n�o sei muito bem por qu�,

sempre me pareceu
uma pe�a...

triste.

Em compara��o �s outras.

� por isso que o Rei me
atraiu tanto quando o descobri.

Triste-le-Roi.

O Rei triste.

� bonito, n�o �?

Assim coloquei esse nome
neste castelo.

Comprei-o h� anos,
por capricho.

Jamais pensei que
acabaria morando nele.

Inclusive fiquei pr�ximo
de vend�-lo,

mas fico feliz por
n�o ter tomado essa decis�o.

N�o se preocupe.

De todas as pessoas
que passaram pela minha vida,

E foram muitas,
s� continuo com Lin Yu.

Ele v� tudo, ouve tudo,

mas jamais vai dizer nada.

� um s�bio.

Sendo assim, podemos come�ar.

Sim.

Monsieur Franch,

Eu o chamei at� aqui...

porque quero encarreg�-lo
de algo.

Quero que voc�
procure por algu�m.

Mas por que precisamente eu?

Sabe que h� profissionais

que se dedicam resolver
este tipo de caso.

Os profissionais s�o ideais
para resolver

determinados problemas,
os mais �bvios,

mas quando se trata
de algo mais...

mais sutil,

eles n�o s�o muito �teis.

Por exemplo,

eles n�o n�o t�m a menor ideia
do que �...

lutar por um ideal.

Mas voc� sabe o que �, n�o �?

Por isso acho que
posso confiar em voc�.

E n�o � s� por isso.

O dinheiro tamb�m importa.

N�o ajo de forma leviana.

Eu me informei muito bem
antes de encontr�-lo.

Soube, de antem�o,

que voc� salvou a muitos
de meus semelhantes

de cair nas m�os da Gestapo,
ajudando-os a...

atravessar os Piren�us.

Sei que est� cansado de lutar.

E que gostaria de levar uma
vida normal, n�o �?

Depende do que entende
ser uma vida normal.

� poss�vel que n�o tenhamos
a mesma ideia.

Falo daquilo que a maioria
das pessoas deseja.

Um trabalho, uma fam�lia,
uma boa sa�de,

bons amigos...

� o que deseja?

Sim, claro, mas...

N�o vai dizer que...

nunca possuiu algo assim
em sua vida?

Eu tive.

Mas durou muito pouco tempo.

Pois logo se percebe.

� uma semelhan�a entre n�s.

Sim, est� cansado.

N�o importa se
reconhece ou n�o,

logo se percebe.

N�o h� por que se envergonhar.

Perdeu a sua guerra.

E o General Franco n�o
est� com o p� na cova.

Sim, sim, fume.

� at� uma ideia boa.

Vou acompanh�-lo.

Creio que respirar
um pouco de fuma�a

n�o vai me fazer mal.

N�o, muito obrigado.

S� eu fumo charutos nesta casa.

� uma pena que tanto prazer...

possa se perder.

� meu dever opor-me a isso.

Vamos direto ao ponto.

Monsieur Franch...

se cumprir a miss�o
que lhe dei...

estou disposto a ajud�-lo
a reconstruir sua vida.

Receber� de volta
o que tinha e perdeu.

Fa�a uma boa a��o...

e certamente ganhe
um lugar no c�u.

Se me permitir,
quanto �s �ltimas palavras,

vamos deixar para depois.

Obrigado, Lin Yu.

N�o seja duro
comigo, Monsieur Franch.

Todos os anarquistas,
no fundo, s�o crist�os.

N�o podem me enganar.
Sabe por qu�?

Porque sou um judeu sefardita.

Nasci em T�nger,

mas meus ancestrais...

guardaram sempre a chave
da casa da fam�lia.

Estava em Toledo.

Mudei de nome quatro vezes.

Levy foi o mais longevo.

� tamb�m o mais
pesado de carregar.

Acho que serei
enterrado com ele.

Os m�dicos foram muito
mesquinhos comigo.

S� me d�o mais alguns meses,

ent�o n�o tenho tempo a perder.

Monsieur Franch...

quero que v� a Xangai,

para encontrar uma pessoa.

Se a encontrar,

ter� que traz�-la
de volta at� aqui.

Quero mostrar algo a voc�.

Pode n�o lhe ser muito �til,

mas � a �nica coisa
dela que guardei.

� minha filha.

Quando tiramos esta foto
se chamava Judith.

Ela deve ter por volta de
14 anos de idade hoje em dia.

O nome de sua m�e � Cheng Jing.

Ela trabalhava no
Teatro das Gatas.

Foi onde a conheci.

Ela tinha um ato preferido,

que lhe valeu certa fama.

Ela sempre o terminava
com um gesto.

"The Shanghai Gesture".

O gesto de Xangai.

� Judith, sempre cantei can��es
oriundas da minha inf�ncia.

Mas a m�e lhe ensinou esse gesto.

Esse gesto...

Cheng Jing mudou o
nome da minha filha.

Ela a batizou de Qiao Shu.

E a levou embora.

Nunca mais as vi.

N�o.

N�o.

Guarde-a.

Mas, acima de tudo,

n�o a perca.

Judith � a �nica pessoa no mundo
que carrega meu sangue.

Voc� me entende, n�o �?

Sei que tamb�m tem uma filha.

Quero ver a minha filha,
Monsieur Franch.

Por favor, encontre-a.

Posso perguntar por que
tem essa necessidade?

Depois de tanto tempo?

Seu racioc�nio est� correto,
Monsieur Franch.

Passei a vida cercado
por pessoas o tempo todo.

E sempre a fingir.

N�o sabe o quanto
isso � cansativo.

Mas isso acabou.

Portanto vou lhe contar
a verdade.

Quero que encontre minha filha...

porque ela � a �nica
pessoa no mundo...

que pode me olhar
de uma forma diferente,

de uma forma �nica.

Eis o que eu quero dela:

O seu olhar, antes que eu morra.

Seu olhar,

nada mais.

Tudo bem, Monsieur Levy.

Vou a Xangai.

Seu nome era Julio Arenas.

Esta foi uma das �ltimas cenas que
filmou em sua carreira como ator.

Desapareceu em 1990,

quando atuava em
O Olhar da Despedida,

um filme que nunca existiu.

Ele foi dado como morto,

mas seu corpo jamais
foi encontrado.

MADRI, OUTONO, 2012

Bom dia, vim pela s�rie
Casos N�o Resolvidos.

- � por ali.
- Grato.

CASOS N�O RESOLVIDOS

O casting fica no primeiro andar.

Sou Miguel Garay.
Venho ao encontro de Marta Soriano.

Um momento, por favor.

Marta, Miguel Garay est� aqui.

Miguel, entre.

Essas s�o as condi��es
discutidas ao telefone.

Uma quantia pelo seu tempo
e entrevista de amanh�

e outra pelos
direitos do material do filme.

� �timo que tenha
conservado algo.

N�o � muito,
s� duas sequ�ncias completas.

Foi o que conseguimos filmar.

Est� em bom estado?

Acho que sim,
mas quero verificar.

Est� em filme, celuloide.

Vamos converter para o digital.

Assino em cada p�gina?

Sim, por favor.

Logo lhe passo as perguntas
da entrevista.

Se quiser retirar alguma,
sem problemas.

E se ainda tiver o material
das filmagens...

N�o sei, � poss�vel.

Fotos do Julio
ou dos outros atores.

Tudo que possa ser �til.

Uma c�pia para voc�
e outra para mim.

O que achou do hotel?

� bom.

Estou feliz que tenha acordado
em participar.

E que esteja aqui.

Tivemos dificuldade
em encontr�-lo,

at� percebermos que j� n�o
morava em Madri.

Quase esqueci de dizer
que ainda pagaremos uma di�ria.

Ainda temos muito
trabalho a fazer.

Sua entrevista, por exemplo,
ser� a primeira.

A prop�sito, quem mais
da equipe de filmagem,

poder�amos entrar em contato?

N�o sei.

O produtor Jos� Mar�a Blasco
morreu, certo?

Sim, h� tr�s anos.

Assim como Luis Arroyo,
o diretor de fotografia.

E Ferr�n Soler, que fez
o papel de Monsieur Levy.

N�o sobraram muitos.

Mas poderia entrar
em contato com Mar�a Rivas,

que interpretou a menina do filme.

Vou anotar.

Mas encontramos Tico Mayoral,
jornalista da revista Interview.

Uma figura e tanto.

Mayoral espalhou o boato de que
algo estava sendo escondido, certo?

Sim, uma grande novela.

N�o se falava de outra coisa
naquele momento.

At� l� em casa.

Desaparecer assim,
da noite para o dia,

e que em mais de 20 anos
n�o haja nenhuma pista, nada.

Para mim � este o maior mist�rio

mais interessante da s�rie.

Eu me pergunto no que ele
poderia estar pensando.

Quem poderia imaginar
o que aconteceria?

O OLHAR DA DESPEDIDA

Penso em come�ar o programa
com essas imagens.

Transmitem uma
sensa��o de normalidade.

� importante que a coloquemos

junto �s suas filmagens.

A� est� voc�, em pleno trabalho.

O OLHAR DA DESPEDIDA

ARMAZ�M

"O OLHAR". ENSAIOS DE JULIO.

Vamos tentar, Julio,
estou gravando.

Pronuncie o seu di�logo
de forma neutra.

O mais neutro poss�vel.

Como se lesse uma
lista telef�nica, tudo bem?

Vou falar a r�plica.

Monsieur Franch,
quero encarreg�-lo de algo.

Quero que procure uma pessoa.

Mas por que precisamente eu?
Sabe que h� profissionais...

que se dedicam resolver
este tipo de coisa.

N�o � um 'tipo de coisa'.
� um 'tipo de caso'.

Este tipo de caso.

Que se dedicam a
resolver este tipo de caso.

Julio, preciso que pronuncie
isto em franc�s comigo.

Triste-le-Roi.

Triste-le-Roi.

CASOS N�O RESOLVIDOS

Do que se tratava o seu filme?

N�o sei como lhe explicar.

Foi meu segundo filme.

Um filme ao estilo cl�ssico,

de aventura.

Julio Arenas era seu amigo.
Como se conheceram?

Em meio ao servi�o militar,
na Marinha.

Depois voltamos a nos
encontrar em Madri.

Tenho uma foto de voc�s.
Muito jovens.

� curiosa, pois est�o
num p�tio de uma pris�o.

H� uma nota: �P�tio da
pris�o de Carabanchel,

jogo de futebol entre
trabalhadores e estudantes�.

� uma foto famosa,

foi republicada diversas vezes,

mas n�o por causa
do Julio ou de mim,

mas porque h� o Paco Maldonado,

que se tornou ministro,

al�m de Asensio, que fundou
a editora Nova Fronteira.

Eles eram um pouco
mais velhos que n�s dois

e j� tinham ambi��es pol�ticas.

Eis o Julio jogando na posi��o
em que mais gostava,

a de goleiro.

Julio e eu �ramos
presos de segunda classe.

Para ser sincero, n�o �ramos
trabalhadores nem estudantes.

Mas por que foram presos?

Crime contra a paz p�blica,

publicidade abusiva
e associa��o criminosa.

Os mais comuns, naquela �poca.

Julio n�o teve nada a ver
com isso,

mas como mor�vamos juntos,
tamb�m o levaram.

Em meio aos interrogat�rios,
ele havia se declarado apol�tico

e dizia que n�o sabia de nada,

mas os policiais achavam que ele
bancava o idiota.

E, como Julio tinha
um ar de arrogante,

deram uma surra nele.

Ele ficou calado
pois de nada sabia.

Enviaram-no a Carabanchel
por culpa minha.

Mas uma vez l�,

ele se tornou um mec�nico bom,

era uma esp�cie de faz-tudo.

Consertava todos os carros
dos funcion�rios de l�.

Logo reduziram sua pena
e saiu depois de um ano.

Eu, depois de um ano e meio.

Deu a ele o protagonista
de seu filme,

contra a opini�o de alguns.

Sim, mas filmei algumas
cenas que convenceram a todos.

As testemunhas,
da equipe de filmagem,

disseram que a �ltima semana de
filmagens foi complicada.

Arenas parecia nervoso,
n�o conseguia se concentrar.

N�o houve nada de anormal.

Coisas assim acontecem
em quase todas as filmagens.

As filmagens foram
interrompidas...

e O Olhar da Despedida
n�o teve um final.

Mas por qu�?
N�o houve solu��o?

Escrevi aquele papel
para o Julio.

N�o � algu�m f�cil
de se substituir.

E, se encontr�ssemos outro ator,

ter�amos que filmar todas as
cenas novamente.

N�o voltou a dirigir filmes?

N�o, n�o tive a oportunidade.

E tamb�m n�o foi algo
que procurei.

Pois sempre foste um escritor, n�o?

Ganhou o pr�mio Caf� Gij�n,
bastante jovem,

com seu primeiro
romance chamado As Ru�nas.

Depois publicou
outros dois romances

e uma colet�nea de contos,
escritos em Paris.

Mas se dedicou a trabalhar
com roteiros.

Sim, por um tempo.

Mas voltando ao nosso assunto,

dentre os artigos relativos
ao desaparecimento,

alguns oriundos
das revistas de fofoca,

que insistiam em dizer que Julio
tinha muitos problemas pessoais.

� verdade?

Julio poderia ser
uma pessoa dif�cil,

mas tamb�m era muito generoso.

Vivia de forma muito acelerada.

Sim, ele teve problemas,
mas quem n�o tem?

O corpo do seu amigo
nunca foi encontrado.

O que acha que aconteceu?

Um acidente ou suic�dio?

O que quer que eu lhe diga?

Conhece mais sobre
mist�rios do que eu.

Muito obrigada,
mas gostaria da sua opini�o.

Todas as suposi��es s�o v�lidas.

Ent�o...

Houve um per�odo em que
Julio n�o aguentava a vida.

Tentou se manter de p�
por conta do cinema.

Mas nem sempre conseguia.

Isso � tudo.

Obrigada.

Muito bom. Corta!

Voc� foi muito bem.

Queria te perguntar algo...

conhece Ana Arenas,
filha do Julio?

Sim, claro.

Tentamos entrar
em contato com ela.

Seria �timo se pud�ssemos
conversar com ela.

Mas ela sempre recusou.

� uma pena.

Talvez pudesse falar com ela?

J� conhece o nosso programa.

� uma homenagem ao grande ator
que foi o pai dela.

Talvez pudesse
conversar com ela.

Faz muito tempo que n�o a vejo.

Nem tenho o telefone dela.

Posso passar o n�mero dela.

Podemos tentar?

Tudo bem.

Voc� me permite? Obrigado.

- Quem �?
- Max?

J� vou abrir.

Estava te esperando!

Max, como est�?

Um pouco enferrujado
com essa umidade de merda.

Entre, entre.

� verdade que voc�
vai aparecer na TV?

- Parece que sim.
- Que bom.

E esse sobretudo?

� de um brech�.

Voc� me lembra de algu�m.

Hoje os filmes s�o armazenados
em discos r�gidos.

� o que j� lhe disse.

Mais de 90% da
historia do cinema

est� em pel�cula ou em
formato fotoqu�mico.

Mas o que h� a se fazer?

Em discos r�gidos
n�o se pode ver nada.

J� n�o se v� a imagem,
como antigamente.

N�o sei o que fazer
com todas essas c�pias.

Ainda resisto em fechar
a loja,

nunca rendeu muito dinheiro,
voc� sabe,

mas � como uma ru�na.

Aqueles que assistem a estas
pel�culas j� n�o filmam mais.

E j� n�o h� mais projetores.

� como se fosse arqueologia
em escala industrial.

Arqueologia, Miguel,
como voc� e eu.

Aqui est�o.

O Olhar da Despedida,
duas latas.

Triste-le-Roi.

Uma delas cont�m
as cenas brutas.

E a outra...

sim, a c�pia padr�o.

A c�pia padr�o...

das duas sequ�ncias as quais
insistiu em sonorizar...

e pelas quais tive de pagar.

Eis os destro�os do naufr�gio.

Vamos projetar.
A moviola fica � esquerda.

O OLHAR DA DESPEDIDA

Est�o muito bem conservados.

Claro que est�o. Vai me ofender?

Pare.

Continue.

V�o incluir o filme no programa?

� o que parece.

Vou entregar a eles
somente esse sequ�ncia do in�cio.

Voc� � t�o supersticioso.

Ao menos que respeitem
o enquadramento.

N�o se preocupe, vou avisar a eles.
V�o respeitar.

N�o tenho tanta certeza.

N�o h� nenhuma cl�usula...

em rela��o � edi��o
da entrevista.

N�o � algo que me preocupa,
eu s� disse a verdade.

Marta Soriano � perigosa,
muito esperta.

N�o h� raz�o para o seu receio.
Ela me pareceu simp�tica.

� melhor n�o baixar a guarda.

Se me ouvisse, teria se sa�do
melhor nos neg�cios da vida.

- N�o brigue comigo, Max.
- �N�o brigue comigo..."

� preciso que sempre tenha
o contrato em m�os.

H� quanto tempo n�o nos v�amos?

- Dois anos?
- Pelo menos.

Voc� est� bem?

J� sei o que
vai me responder.

Bem...

Sabe que aqui guardo um lugar
para voc�.

Obrigado, Max.

- Permite?
- Sim. E o seu romance?

Que romance?

N�o estava escrevendo?

N�o...

Escrevi alguns contos,

mas � s� para
passar o tempo.

N�o se brinca quando
se cria um romance.

Certo.

Voc� mudou os cartazes.

Substituiu Fausto por um Ray.

Os alem�es, como mudos,
me alegram muito.

Mas encontrar esse cartaz
foi uma grande conquista.

Tenho uma c�pia
do filme em 16mm,

e ver o p�ster na parede
� algo que me deixa feliz.

Por outro lado,
assistindo ao filme na moviola,

percebi que Arenas foi
um grande ator.

O problema � que aceitava
todo papel que lhe ofereciam.

Mas o pior n�o era isso.

Foi a maneira com que lidou
com a interroga��o maior.

Qual?

Envelhecer.

Ele havia interpretado
tantos gal�s.

N�o deve ter sido f�cil para ele.

Isso � algo que entendo.

Eu me refiro � vida cotidiana.

De seus amores,
sua vida bo�mia, tudo isso.

Arenas parecia confuso.

As mais jovens j� n�o olhavam mais
para tr�s quando ele passava na rua.

J� eu, sempre fui feio.
Nunca tive esse problema.

Saber envelhecer,

eis a quest�o.

Sabe como se faz isso?

Claro que sim.
Sem medo e sem esperan�a!

Ana?

Ol�, � o Miguel.

Miguel Garay.

Lembra de mim?

MUSEU DO PRADO

J� me ligaram, mas n�o quero
participar desse programa.

Voc� vai?

Pensei muito...

e acabei aceitando.

Gravamos a entrevista ontem.

Prometeram incluir uma parte
do que filmamos com Julio.

Aceitei por isso e o dinheiro,
n�o vou mentir para voc�.

Pelos direitos do filme.

Voc� acha as pessoas ainda
se lembram dele?

N�o todo mundo, por�m mais
pessoas do que voc� pensa.

N�s dois nunca falamos
sobre o que aconteceu.

Bem, ou sobre o que
pode ter acontecido.

Falei com sua m�e,
mas nunca com voc�.

Ele havia sido visto numa
viagem de carro.

Estava acompanhado,
de uma mulher.

Foi o que disse a
revista Interview, mas...

o jornalista n�o era
l� confi�vel.

Mas se fosse verdade,
quem seria essa mulher?

Pode ser que seja mais de uma.

Seu pai era assim,
sabe disso.

Sim.

Se ela existe,
por que n�o apareceu?

H� quem prefira n�o
se envolver num esc�ndalo.

Sonhei mais de uma vez
que ele estava vivo.

E quando acordo,
tento afastar essa ideia.

Mas pensar assim por qu�?

Se est� vivo e n�o aparece,
� porque n�o quer.

N�o quer saber nada a meu respeito
ou a qualquer outra pessoa.

A meu filho, quase n�o falo
a respeito de seu av�.

Ele sabe quem foi,
mas nada mais.

Se os filmes dele passam na TV,
n�o assisto.

Quanto a meu filho,
n�o sei se assiste.

Assisti quando era pequena,
mas n�o a todos os filmes.

O cinema tem algo
que � muito peculiar.

V�-se um personagem,
dizem a voc� que � seu pai.

Percebe-se um corpo na tela
e sua voz.

Foi sua voz o que
mais reconheci.

N�o a imagem dele,
mas sua voz.

A voz que ouvia quando
me chamava no telefone.

Sua imagem era
quase a de um estranho.

Sempre disfar�ado, sempre...

Sempre a interpretar um papel.

Aparecia e depois desaparecia.

Ele me levava para passear,
�amos almo�ar juntos,

e depois sa�a novamente.

Nunca veio me
buscar na escola.

Nunca viajei com ele.

Descobri que n�o
tenho nada que era dele.

Como � poss�vel que
n�o tenha me deixado nada?

Ali�s, ele me deixou algo.

Deixou uma boneca comigo.

Ele me deu quando
eu tinha 5 anos.

Mas n�o percebi
que ele havia me dado.

Eu era pequena
e acreditava em Papai Noel.

Eu ainda a tenho.

E voc�, o que faz?

Moro num povoado, no litoral.

Estava com saudades do mar.

N�o escreve mais?

De vez em quando,

mas sem tanta pretens�o.

� um exerc�cio,
como qualquer outro.

Fa�o principalmente tradu��es,

al�m de livros de cinema para
uma pequena editora.

Saio para pescar
quase todos os dias.

Tamb�m tenho uma horta.

Uma horta pequena.

Olha o que lhe trouxe.

Estava nas coisas da mam�e.

Guarda as mesmas fei��es
dessa foto.

N�o pudemos escolher.

Que rid�culos esse bon�s
nas nossas cabe�as.

H� uma data escrita atr�s.

Abril, 1967.

Eu tinha um ano de idade
naquela �poca.

Mam�e era bem jovem
quando nasci.

N�o ficaram juntos
por mais do que dois anos.

Guarde-a.

Tenho que ir.
Um outro grupo me espera.

Turistas ilustres.

N�o gosta do seu trabalho?

N�o � bem assim.

Mas est� ficando chato repetir

as mesmas palavras
diante de uma pintura.

No come�o, quando comecei,
n�o era assim.

Contemplava o fluir do tempo,
cercada por tamanha beleza.

Mas quando se torna rotina...

Bem...

Posso estar exagerando.

- Foi um prazer rev�-la, Ana.
- A mim tamb�m.

Se voltar a Madri,
diga-me,

Gostaria que conhecesse
Carlos, meu filho.

Prometo que sim.

- Tchau.
- Tchau.

SEBO DE LIVROS

- Bom dia.
- Bom dia.

Tem a Caligrafia dos Sonhos,
de Mars�?

Vou levar.

Quer uma sacola?

AS RU�NAS
DE MIGUEL GARAY

O estilo narrativo de Miguel Garay
� novo e moderno...

A Lola, pelos muitos s�is que
juntos desfrutamos. Miguel.

Madri, dezembro de 1977.

Com licen�a.

O n�mero para o qual
telefonou n�o existe.

O n�mero para o qual
telefonou n�o existe.

Eu tinha 20 anos.

N�o permitirei que ningu�m diga
que � a idade mais bela da vida.

Espere...

Aqui est�.

Se foi um acidente,

por que o corpo
n�o foi encontrado?

O mais l�gico seria...

que o corpo fosse devolvido
pelo mar, o que n�o ocorreu.

No carro foi encontrada uma
c�mera fotogr�fica.

As fotos foram reveladas,

mas n�o se prestou aten��o
a seu conte�do.

Disseram que eram
fotos dos bastidores do filme.

Digamos que eu n�o devesse
ter acesso a essas fotos.

Mas sou um jornalista
que gosta de desafios.

Julio Arenas estava
acompanhado de uma mulher,

mais jovem do que ele,
elegante, muito bonita.

Por que ela desapareceu?

Por que ela nunca falou nada?

Julio Arenas fez o que n�o devia,
como de costume,

e seduziu uma mulher casada.

N�o foi a primeira vez,
mas nesta ocasi�o,

o corno n�o o deixou em paz.

Algu�m que vem do alto.

De um alto escal�o.

De um local onde essas coisas
n�o se toleram.

Se � que me entende.

E a Julio Arenas isso custou caro.

Fizeram com que desaparecesse.

� a minha vers�o.

Pelo amor de Deus...

a hist�ria dos sapatos
foi uma arma��o.

Foram retirados e colocados
onde pudessem ser vistos,

onde a pol�cia os encontraria e
chegassem a uma conclus�o �bvia.

Os nomes...

O que acha?

� a cara do Tico Mayoral.

Ele est� muito
convencido do que diz.

� algo a se pensar.

� verdade que se houvesse um corno
do alto escal�o, Julio adoraria.

Uma grande hist�ria.

Estou convencida de que o programa
vai estar muito bom.

� uma pena que Ana Arenas
n�o queira participar.

Eu entendo a Ana.

Acredito que o programa
vai ao ar em duas semanas.

Sonia, nossa montadora, me mostrou
as cenas que gravaste.

Mas s� h� a cena inicial.
Sabe por qu�?

- Por causa do Max.
- Quem � Max?

O montador do filme,
um amigo meu.

� uma pena que
n�o terminou o filme.

Eis os artigos de imprensa
daquela �poca.

Foram muito �teis
na prepara��o para sua entrevista.

DAN�A DE SAL�O,
"LA CUMPARSITA"

"APRENDA A DAN�AR TANGO
EM AT� 15 DIAS!"

Quem lhe deu isto?

Foi um colecionador, amigo meu.

� uma maravilha.

Mario Guardione,
professor de tango.

O que n�o se fazia
para sobreviver...

- Quer minha opini�o?
- Fale.

Essas duas sequ�ncias
merecem outra coisa,

ser vistas em outro lugar.

Na tela de um cinema,
e na �ntegra.

Voc� leu o contrato, Max.
Eles me pagam.

Al�m do mais,
cada um vale o que vale.

Lembre-se que o �nico filme que
terminei n�o foi visto por ningu�m.

� verdade que seu filme
foi pouco visto,

mas praticamente
n�o houve divulga��o,

apenas para cumprir a cota
de filmes nacionais.

Isso tamb�m aconteceu
com outros,

sejam filmes bons ou ruins.

Esque�a.

Quando vai embora?

Depois de amanh�.

Vejamos como fica o programa.
Vou assistir.

Max, voc� se lembra
de Lola San Rom�n?

Claro que me lembro.
A garota de Buenos Aires.

A garota mais linda que
passou pelo Conservat�rio.

E ainda cantava muito bem.

Voc�s saiam juntos, n�o?

Comigo e com Julio.

Sim, � verdade.

Julio tamb�m.

Voc�s eram t�o modernos.

J� ouviu falar dela?

N�o tanto, al�m da lenda.

Que ela foi � Calif�rnia acompanhada
de um cantor americano.

Ela deixou uma penca de
cora��es partidos para tr�s.

N�o s� voc�s dois,
os reis do peda�o.

Vamos, sirva-me um pouco mais
deste rem�dio.

Ouvi dizer que Lola
estava por aqui.

Neste momento?

Sim.

Neste caso,
sabe mais do que eu.

Nunca tinha visto
esta caricatura.

� muito parecido.

Sim, seu filho tinha
um talento e tanto.

Como desenhava!

A �ltima vez que
passou por aqui,

ele havia esquecido
as luvas da moto.

Ele me ligou
no dia seguinte

para dizer que
viria buscar as luvas,

mas nunca chegou.

Amaldi�oado seja o motorista
que bateu nele!

Mas sigo guardando as luvas dele,

e todos os gibis que ele fazia.

Eu sempre dizia a ele:

"Mikel! Tem que tentar entrar na
Escola de Belas Artes�.

Mas nunca me ouvia.

N�o o ouvia, nem a mim.

Sim?

Ol�, sim.

Jaime?

Sim, fui eu quem te ligou.
Sou Miguel Garay.

Garay.

Sim, eu quem te ensinei
a jogar p�quer.

Sim.

N�o, faz muito tempo
que n�o jogo.

Sim, com licen�a, Jaime.
Ainda vou despertar.

Sim, estou em Madri...

e queria encontrar com sua irm�.

Lola.

Disseram-me que ela estava
de f�rias por aqui e gostaria...

de rev�-la antes que
voltasse a Buenos Aires.

Onde?

� em Segovia.

Passei muitos ver�es nesta casa.

Desde 1976,

quando fugimos de Buenos Aires.

Pelo menos meu irm�o
n�o vendeu.

Sempre que venho para c�
gosto de passar uns dias aqui.

Pelas recorda��es.

Mesmo que nem todas sejam boas.

A separa��o dos meus pais
fez com que tudo mudasse.

O div�rcio foi um desastre.

Nunca os vi em uma discuss�o.

Foi pior para a minha m�e.

Ela n�o aguentou,
deixou-se morrer.

Esse piano era dela,
com o qual aprendi a tocar.

E voc�?
Mora com algu�m?

N�o sei por qu�,
mas imaginava que n�o.

D� muito trabalho.

E o que houve com Odette?

N�o a vejo h� muitos anos,
desde o enterro do Mikel.

Acho que mora na Gr�-Bretanha,
casou-se novamente.

Moro com meu
segundo marido, Diego.

L� se v�o 18 anos juntos.
Como passa o tempo.

O primeiro foi o americano,
lembra-se dele?

Tornou-se coach e se apresenta na TV,

a dar conselhos
de como ser feliz.

- N�o somos nada.
- N�o mesmo.

E o que faz?

Pesco, leio,
escrevo algo de vez em quando...

e deixo o tempo passar.

Um bom plano.

Eu sigo na m�sica.

Agora estou na Warner,
como ca�adora de talentos.

O meu lance � a m�sica
latino-americana, claro.

Tenho que voltar
em alguns dias.

Como disse que era chamado
o programa de TV?

Casos N�o Resolvidos.

Olha s�.

O que queriam com voc�?

Que eu falasse do Julio.

Assisti de novo a algumas cenas
que hav�amos gravado,

cerca de dez minutos.

Julio atuou muito bem.

Sabia que ele me
ligou durante as filmagens?

N�o.

Eu estava na Calif�rnia.
A uma semana do desaparecimento.

Era o dia do meu anivers�rio.

Ele sempre lembrava.

Ao contr�rio de voc�.

N�o fale besteiras.

Julio sempre foi um galanteador
profissional.

Sim.

"Mario Guardione.
Aprenda tango em at� 15 dias."

E pensar que foi voc�
quem ensinou a ele.

Ele aprendeu rapidamente,
ao contr�rio dos outros.

Comparado ao Julio,
sempre fui um desajeitado, sei bem.

�s vezes penso que foi por isso.

Ele dan�ava melhor
e por isso o escolheu.

Que est�pido.

Voc� � um est�pido.

Ele gostava bastante daquele papel
no seu filme.

Ele me disse que havia passado
por uns maus bocados,

mas que j� estava recuperado,

que estava pronto
para continuar a lutar.

Pois n�o durou muito.

Ele voltou a beber.

Como bebia, quando chegou
ao fundo do po�o.

O tempo todo.

E no meio das filmagens.

N�o sabia.

E, por tr�s de tudo,
havia uma hist�ria secreta.

Aconteceu durante a noite,
na �ltima semana em que filmamos.

Fiz o que pude para evitar
que a equipe soubesse,

mas algo notaram, visto que...

Julio come�ou a n�o lembrar
dos di�logos.

Dois dias antes
do desaparecimento,

tive de mand�-lo de volta ao hotel,
pois ele n�o conseguia ficar de p�.

N�o se tratava de uma
crise de nervos de um ator.

Foi o de sempre.

Ele se apaixonou mais uma vez.

Sim.

Por uma mulher que o fazia
perder a cabe�a.

Essa mulher existiu,

mas nunca soube
seu nome verdadeiro.

Acabou que tudo foi
por �gua abaixo.

Tr�s meses de academia,

nenhuma gota de �lcool,
repet�amos todos os dias.

Era o nosso pacto.

Acabei sem meu melhor amigo
e tamb�m sem um filme.

Perdi tudo.

No final das contas,
aceitei que foi um acidente.

Falaram sobre tantas coisas.

Acho que o que mais me chateou
foram as fofocas.

Incluindo as de colegas dele.

Alguns pensavam que ele teve
um impulso repentino.

E foi embora.
Sem mais nem menos.

Sabe que n�o era uma
ideia t�o absurda.

Tamb�m pensei assim.

Quando ele estava deprimido,
mais de uma vez,

ouvi o Julio dizer
que queria desaparecer.

A ideia de mudar de identidade...

e come�ar uma vida nova
em outro lugar.

Voc� se lembra?

Era algo com que sonh�vamos
quando �ramos jovens.

Um lugar do qual n�o se deseja
abandonar.

Sim, que n�o se quer
abandonar.

N�o encontrei um lugar assim.

E voc�?

Tamb�m n�o.

Depois da Calif�rnia,
voltei a Buenos Aires,

ao menos reencontrei o
bairro da minha inf�ncia.

Teve mais sorte do que eu, ent�o.

Por que n�o?

Pense um pouco, Lola.
Por que n�o?

Por que a ideia do Julio
n�o pode ter sido essa?

Desaparecer.

Sem deixar rastros neste mundo.

N�o me refiro ao ator,

que ainda ecoa em filme,

mas � pessoa que foi em vida.

Imaginei diversas vezes
como pode ter acontecido.

O qu�?

A cena. O momento em que
tudo passou pela cabe�a dele.

A �ltima noite da vida dele.

� como se eu estivesse
a v�-lo.

O mar estava agitado.

Seus sapatos o incomodavam,
ent�o ele os tirou.

Come�ou a chover.

E foi aqui...

neste momento,
que lhe veio a ideia:

Dar o dedo do meio
para o mundo inteiro.

Desaparecer, sim,

mas sem precisar morrer.

Se pensassem que ele
tivesse morrido,

n�o era importante.

Era melhor.

Muito melhor.

Ele remoeu a ideia at�
o amanhecer.

A cem metros de dist�ncia
estava seu carro.

Mas ele j� n�o mais o via.

S� observava a bola e o jogador.

� sua frente.

Prestes a chutar.

Seu destino estava nas m�os
do acaso.

Mas ser� que realmente
foi assim?

Sabe o qu�?
Continua a ser um homem do cinema.

Trouxe algo para voc�.

Seu romance "As Ru�nas".

Encontrei-o em um sebo.
H� uma dedicat�ria.

� Lola, pelos muitos s�is que
juntos desfrutamos.

Que beleza.

As palavras mais belas que algu�m
j� dedicou a mim.

A viagem que este livro teve
at� chegar l�.

Juro que n�o vendi,
nem dei a ningu�m.

Fui a S�o Francisco
com a roupa do corpo.

Tudo o que tinha deixei
na casa da minha m�e.

Com sua morte, o apartamento foi
vendido intacto, com tudo inclu�do.

At� com esses s�is.

Pertencem a voc�, mais uma vez.

Mas n�o volte a l�-lo. Tentei.
N�o consegui.

Lembra-se daquela can��o?

Qual?

Aquela que eu tanto gostava.

Posso tentar.

N�o me referia a essa.

Esta.

Hoje que o tempo j� passou

Hoje que a vida j� foi tra�ada

Hoje que o riso surge ao pensar

Hoje que j� esqueci
Daquele tempo

N�o sei por que desperto

No �pice destas noites vazias

Ouvindo uma voz que canta

E que, talvez,

Seja a minha...

Quisera eu morrer, bem ali,
De amor

S� para que soubesse...

Meu querido filho, l� vou eu,
� deriva como o Holand�s Voador.

Em busca de um lugar onde a mem�ria
tua permane�a comigo. Teu Pai.

Kali, Kali.

Como est�?

Ol�, Mike.

- Ol�, Tony.
- Como foi em Madri?

Melhor do que eu esperava.

Como ele se comportou?

� uma fera. Foi tranquilo.

Pouco saiu,
ficava sempre vigiando.

Obrigado por cuidar dele.

- Que horas s�o?
- Quase 8h.

Quase 8h?

Vou at� o mercado comprar
algumas coisas.

E Teresa, como est�?

J� se sente melhor,
mas tem desejos a todo momento.

Isto � para que comemore,
quando a hora chegar.

Ser� em breve.
Obrigado, Mike.

Obrigado. At� mais.

At�.

Mike!

Regamos sua horta.
J� h� v�rios tomates maduros.

Obrigado!

O HOMEM QUE QUERIA SER PR�NCIPE

O CASO DO ATOR DESAPARECIDO

Voc� quem tem.

Prefere os cl�ssicos
para esta noite, n�o?

Para mim, � bem �bvio.

Esmeralda ou Estrella.

N�o comece,
o nome dela vai ser Juana.

� nome de velha, querida.
Tia Juana, o que acha?

O que acha, Mike?
Qual prefere?

Acho que devem decidir
em conjunto.

N�o gosto que pessoas
tenham nomes de coisas.

Nomes s�o nomes, ponto.

Est� certo o Pat�n.

Atinge a alguns a infelicidade...

de receber um nome
que � dado sem reflex�o.

Ser chamado de algo que tem
nada a ver com seu nome de verdade.

Fui batizado com o nome
de Rufino.

� algo que poucos sabem.

Que nome bom, �Rufino�.

Mas me chamam de Pat�n.

E voc�, Mike?
Qual a origem de seu nome?

Na verdade...

Mike � igual a Miguel,
s� que em ingl�s.

Quando cheguei aqui, Charly,
o americano maluco que mora ao lado,

come�ou a me chamar
de Mike o tempo todo.

E o nome pegou.

Teresa, escute.

N�o se preocupe com o nome
da crian�a.

A menina se chamar�
como Deus quiser.

Joana!

Pegue. Vou deixar com voc�, Mike.

Vamos.

Toque aquela
que gostamos tanto.

Aquela daquele filme.

Eu te acompanho.

Como era?

O sol est� se pondo no Oeste

O gado desce para beber
�gua no riacho

O sabi� se acomoda em seu ninho

Eis a hora de o
caub�i sonhar.

A luz roxa a iluminar os c�nions

� l� onde eu gostaria de estar

Com meus tr�s bons companheiros

S� meu rifle, Toni e eu

Vou pendurar meu chap�u

No galho...

De uma �rvore...

Chegando em casa

Meu amor

S� meu rifle, meu cavalo e eu

E a coruja...

No salgueiro

Canta uma suave

Melodia...

Cavalgando rumo a Amarillo

S� com meus rifles

Meu cavalo e eu

Sem mais gado...

Para se amarrar

Sem mais parasitas

No meu caminho

Ao dobrar a esquina
Ela vai estar esperando

Pelo meu rifle, meu cavalo e eu

Pelo meu rifle, meu cavalo...

E eu

Vou dormir.

Querido, voc� arruma?

Boa noite, fam�lia.

N�o vamos demorar.

Sem pressa, ainda vou ler um pouco.
At� amanh�.

At� amanh�.

- Bom descanso.
- J� vou.

Amanh� �s cinco.

A arte n�o espera,
voc� bem sabe.

N�o se preocupe, Pat�n,
vou estar l�.

- At� amanh�.
- Boa noite.

Ali�s, Tony,

e aquela novela por aqui?

Houve novidade?

Bem...

Digamos que as coisas ainda
est�o na mesma.

Outro dia, passou por aqui
o fofoqueiro do Mat�as.

Fez-se de amigo e disse que os
donos das terras

enfim se reconciliaram e
que concordaram com uma tr�gua.

N�o sabemos quanto
tempo vai durar, por�m.

Todos querem a mesma coisa,
que � vender o terreno.

Alertou-me a n�o depositar confian�a
em morar por aqui com o trailer.

Que iria acabar.

Era algo que j� esper�vamos.

Sim, talvez Mat�as estivesse
tentando me enganar,

mas parece que agora � s�rio.

Teresa e eu vamos embora
assim que a beb� nascer.

E o que voc� vai fazer?

N�o sei.

Devo consertar o carro,
s� para garantir.

� uma boa ideia.

Vou para a cama,
Toni, j� est� tarde.

- Boa noite, at� amanh�.
- At� amanh�.

E sa�de!

Por que o artista Michal Waszynski
optou por fazer de sua vida

e n�o de um filme,
sua obra-prima?

Toni, largue esse viol�o
e venha j� para a cama.

O programa vai ao ar hoje,
�s 22h. Marta.

Aqui, Mike, para voc�.

Fulge, vai chover.
Traga as cadeiras...

Entendi.

H� uma penumbra de fuma�a

saindo de um
armaz�m de pl�stico.

O inc�ndio, j� controlado,
n�o causou feridos.

Chano Rodr�guez.

O CASO DO ATOR DESAPARECIDO

Seu nome era Julio Arenas,
era ator.

Um dos mais admirados e
queridos do cinema espanhol.

Desapareceu da noite para o dia.

Foi em um dia como este,
h� 22 anos,

em meio �s filmagens
de um filme.

Do que se tratava seu filme?

N�o sei como lhe explicar.

Foi meu segundo filme.

Um filme ao estilo cl�ssico,

de aventura.

Julio Arenas era seu amigo.
Como se conheceram?

Em meio ao servi�o militar,
na Marinha.

Depois voltamos a nos encontrar
em Madri.

Tenho uma foto de voc�s.
Muito jovens.

� curiosa, pois est�o
num p�tio de uma pris�o.

H� uma nota...

Al�, Max.

S� um pouco.
N�o assisti inteiramente.

N�o, imaginava que seria assim.

Sim, poderia ser pior.

Voc� gravou?

Por mim, pode jogar fora.

Jogue fora.

Boa noite, Max. Tchau.

Quer um peda�o?

- � bom, tenho mais um.
- T� bom.

Quer um gole?

Menos ainda.

Ol�, Marta. O que houve?

N�o. Est� tudo bem. Fale.

O qu�?

Ela tem certeza?

N�o consigo ouvi-la bem, Marta.
A chamada est� ruim.

Sim, envie-me a fotografia.

Ligo para voc� depois.

Ligo para voc� depois.

Sim, vamos conversar.

N�o esque�a da fotografia, Marta.

At� logo.

Algu�m morreu?

O qu�?

Perguntei se algu�m morreu.

N�o.

Marta, sou eu, Garay.
Consegue me ouvir?

Eu estava no mar
e l� o sinal � ruim.

Consigo ouvi-la agora.

Sim, eu vi a fotografia.

Sim, � parecido com ele.

Muito.

Quando foi? H� quatro dias?

N�o conhe�o esse povoado.

N�o � longe,
posso ir at� l�.

Como?

Bel�n. Bel�n Granados.

Uma assistente social.

Sim, est� num asilo.

Ela tem certeza de que
� mesmo ele?

Tudo bem. Obrigado, Marta.

Fomos pegos de surpresa, Kali.

E que surpresa.

Teresa!

- N�o o mime muito.
- N�o.

Quando volta, Mike?

Em breve, espero,
mas n�o sei sei quando.

- At� logo, Teresa.
- At�, Mike.

ASILO PARA IDOSOS

- Bel�n?
- Sim, Garay, o cineasta?

Sim, meu nome � Miguel.

Miguel, prazer em v�-lo.
Estou muito feliz em conhec�-lo.

Vamos entrar.
Como vai?

- Bem.
- Foi dif�cil chegar at� aqui?

Um pouco, mas n�o tanto.

Bom dia.

- Bom dia, Diego.
- Bom dia.

- Como est� sua manh�?
- Boa. E a sua?

- Vai bem.
- Obrigado.

Por aqui.

- Bom dia.
- Bel�n.

- Fale, Vicente.
- Preciso falar com voc�.

- Espere por mim, j� volto.
- � mesmo?

- Est� tudo bem?
- Sim.

Bom dia.

Bom dia.

Por aqui.

- Bel�n.
- Sim?

Quando vai falar
com a fam�lia do Diego?

- Diga-lhes que j� vou.
- Tudo bem.

Tchau.

- Ol�.
- Ol�, Bel�n.

- Bom dia, Carmem.
- Bom dia.

Deixe suas coisas aqui,
caso queira.

Sim.

Bem...

Bem, Miguel,
finalmente estamos aqui.

Posso lhe explicar.

N�o costumo assistir � TV,
mas gosto daquele programa.

Quando assisti ao �ltimo programa,
fiquei congelada.

N�o pude acreditar.

Voltei a assistir
mais algumas vezes,

porque podia ser algo
da minha cabe�a.

Mas n�o h� inven��o.

Este ator era um homem
que via aqui todos os dias.

Ele n�o estava morto,
estava aqui.

Tentei falar com a Marta Soriano.
Liguei para ela.

� princ�pio,
n�o consegui falar com ela.

Mas, como sou teimosa,
escrevi uma carta.

Enviei uma fotografia.
A� ela me telefonou.

Mas tudo correu bem.

Ela lhe enviou a fotografia?

Sim, por isso estou aqui.

Ele est� conosco h� muitos anos,
mas perdeu a mem�ria completamente.

Ele n�o se reconhece.

Mas acho que � o ator.
Julio Arenas.

Al�m do mais, h� outra prova.

Outra?

A fotografia de uma garotinha
que passou no programa de TV.

� a mesma fotografia,
eu verifiquei.

Ele tem a fotografia.

Ele chegou at� aqui
com poucos pertences.

Tem certeza de que
se trata da mesma fotografia?

A garotinha com o leque.

Ele guarda a fotografia dentro
de um caderno de caligrafia.

J� o vi muitas vezes...

com esse caderno em m�os,
a observar a fotografia.

N�o acho que ele saiba quem � ela
ou por que ele a possui.

Posso v�-la?

Tem que ser sem que ele perceba.

N�o estamos fazendo
nada de errado, n�o �?

Espero que n�o.

Claro que � importante
que veja a fotografia.

Sim.

Mas � melhor que antes
eu possa visit�-lo, n�o?

Miguel.

L� est� ele.

Ele fica respons�vel
pela manuten��o.

Sempre toma as r�deas
para fazer as coisas, dizem.

Tem moradia, comida
e um sal�rio pequeno.

� o suficiente para
comprar cigarros.

Mas j� est� conformado,
nunca reclamou.

N�s o chamamos de Gardel.

Por que Gardel?

Porque ele costuma
cantarolar uma can��o de tango.

Gostaria de v�-lo
mais de perto.

Olha, tenho uma ideia.

Ele come na mesma mesa
que os funcion�rios.

E se almo�asse conosco?

Se for poss�vel, tudo bem.

Claro que sim.

Ele vai pegar mais cal.

Venha. Posso lhe mostrar
onde ele mora.

Ele gostou deste lugar
assim que chegou.

As freiras lhe ofereceram um lar,
mas ele recusou.

Foi at� ali e colocou suas coisas.

Ele dorme l�.

Vamos.

Voc� tinha raz�o.

� ele.

� o Julio.

Sim.

O que me impressionou foi a
express�o de seu olhar.

No instante em que nossos
olhares se entrela�aram...

Ele me encarou
como se eu n�o fosse...

ningu�m.

Preciso chamar o Benavides.

O neurologista, Dr. Benavides.

As freiras nos esperam no jardim.

Vamos?

Sim, claro, vamos.

Maria Amaro.
V� � recep��o.

Tem uma visita.

Maria Amaro.
V� � recep��o.

Tem uma visita.

Qual era o nome dele?

Julio. Julio Arenas.

Era um ator.

Pode nos contar mais
a respeito dele?

Posso contar muitas coisas
a respeito do meu amigo,

mas n�o sei nada sobre Gardel.

O que sabem em rela��o a ele?

Era um imigrante ilegal,
segundo nos disseram.

Mas era um imigrante diferente,
pois pouco falava

e quando falava era
com o sotaque local.

H� tr�s anos, ele foi encontrado
em Motril com uma insola��o.

Levaram-no ao pronto-socorro
de um hospital.

Ele n�o carregava documentos,
s� roupas e algumas coisas a mais.

- Sabem onde ele morava?
- N�o.

Parece que por Motril
estava s� de passagem.

Tamb�m disseram que ele
foi visto no porto,

� espera de um barco
com destino a Ceuta.

Pode ter sido verdade.

Pois, afinal, era marinheiro.

Uma certa tarde,

eu o acompanhava numa praia,

e, de repentemente, ele parou.

Seus olhos se perderam
no horizonte.

Logo me apontou o dedo e disse:

"J� estive em todas na��es do mundo
banhadas pelo mar".

"Sem exce��es".

Ent�o ele carregava
um di�rio de bordo?

Nem di�rio, nem nada.

Quando lhe perguntavam seu nome,
dizia um nome.

No dia seguinte, dizia outro.

Tamb�m n�o parecia que mentia.

Pensava-se que era algo neurol�gico
dada a insola��o.

At� que o Dr. Benavides
o examinou

e constatou que ele possu�a
um transtorno cerebral.

Irm� Consuelo deu-lhe
um novo nome.

Ela fica feliz por estar
com seu Gardel.

Sim, estou feliz.

Se o batizei de Gardel foi porque
o ouvi a cantar tangos.

Hoje em dia, pouca gente conhece
o que � um tango.

Quando eu era mais jovem,
dancei bastante tango.

Por isso o batizei de Gardel.

E voc�...

que vem de fora,

diga-me...

Fiz certo?

Acertou. Fez muito bem.

Sabe se h� familiar vivo?

Uma filha, Ana.
Mora em Madri.

Deve-se avis�-la.

Pobrezinha!
Vai ficar t�o feliz!

Pode parecer um pouco estranho,

mas gostaria de ficar perto dele,

de modo a observar o que ele faz,
o que ele diz,

o que lembra,
se � que se lembra de algo...

Pois venha sempre que quiser.

Sim, mas me referia
a passar uns dias por aqui.

Se n�o for inc�modo.

At� que a filha dele chegue,
como se eu fosse mais um residente.

Pode ficar onde dormia Araceli.

Mal n�o vai fazer, Madre.

N�o vai fazer mal
caso fique por alguns dias.

Voc� � Gardel...

Eles me chamam de Gardel
por aqui.

Esse n�o � o seu nome?

N�o sei.

Mas sabe quem foi Gardel?

Um homem que cantava,
que se chamava Gardel.

Voc� canta tamb�m?

Sim, �s vezes.

E o que canta?

Caminhozinho que o tempo desfez

Onde juntos um dia
Caminhamos em ardor

Aqui estou, derradeiramente,

Aqui estou...

Aqui estou a narrar-te
Meus infort�nios

Caminhozinho que outrora deslumbrava

Com trevo e juncos
Em flores a adornar

Numa sombra logo te transformar�s

Numa sombra logo te transformar�s

Numa sombra
Assim como eu

Voc� era o homem que cantava...

O que cantava antes de mim?

N�o,

Sou Miguel.

Miguel?

Aqui est�.

Aqui est�.

Tome.

� sempre a mesma coisa.
Tenho que repetir quantas vezes?

Ande, fa�a-me o favor.

Voc� compreende?

Todos os dias anda descal�o.

Que mania.

Ana.

� ele, � seu pai.

UMA MENSAGEM NOVA

De Bel�n. Falei com o m�dico.
Esperar� por voc� ao meio-dia.

Eu o examinei pela primeira vez
h� cerca de tr�s anos.

Passou alguns dias na UTI.

Meu diagn�stico foi de um
transtorno neurol�gico

causado, em parte,
pelo �lcool.

Provavelmente sofreu
um traumatismo.

Ele tem o que chamamos
de amn�sia retr�grada.

Pode apagar toda uma vida
de uma s� vez.

Mas quando acha
que isso aconteceu?

Isso aconteceu no momento
em que ele desapareceu...

dou depois?

O l�gico � pensar que aconteceu
quando desapareceu,

quando n�o conseguiu
voltar �s filmagens.

Mas por que me pergunta isso?

O que acha que aconteceu?

� algo que me vem � cabe�a

quando me coloco
no lugar dele.

Mas se tiver ocorrido assim,

ele teria desaparecido
de prop�sito,

antes do traumatismo.

Como chegou a essa conclus�o?

N�o sei.

Al�m do mais,
h� uma outra quest�o.

N�o conhec�amos suas ra�zes.

Mas agora as conhecemos.

Sabemos seu nome verdadeiro.

Mas o que � um nome?

� uma bela pergunta.

Nota-se que � um escritor.

No dossi� n�o h� todas as
informa��es relativas � vida dele.

Pode fazer por ele o que
os m�dicos n�o conseguiram.

Ajud�-lo o a recuperar
aquilo que perdeu.

N�o se esque�a daquilo
que te disse.

A mem�ria � muito importante, sim,

mas a exist�ncia de uma pessoa
n�o se resume � mem�ria.

H� tamb�m sentimentos,

sensibilidade.

Eis onde voc� e a fam�lia dele
podem exercer um papel crucial.

S�o capazes de sensibiliz�-lo,

capazes de despertar sua alma.

A alma dele?

Sim...

ainda que pare�a ser

uma forma obsoleta
de se falar.

N�o.

Lembro-me de quando fui visit�-lo
assim que chegou ao asilo.

Indaguei-o de algo que n�o
havia ainda perguntado.

Se ele se sentia vivo.

N�o me respondeu.

Eu insisti.

E me disse que n�o sabia.

Que ele n�o sabia o que
isso significava.

Posso ajud�-lo?

Irm� Consuelo me disse
que isso era algo bom.

O que sabe fazer?

Tenho uma horta.

Horta? Tem de cuidar dela.

Agora n�o posso.
Tenho que ficar aqui um pouco.

Aqui h� trabalho para uma s� pessoa
e n�o penso em morrer.

� para os velhinhos,
s�o eles que morrem.

Deixe-me ver.

Mostre-me as suas m�os.

Suas m�os.

N�o est�o em mau estado.

� de tanto trabalhar.

Parecem com as minhas.

N�o me reconhece?

N�o me reconhece?

N�o sei.

Venha.

Vamos pintar uma parede.

Traga �gua.

Gardel!

Onde aprendeu a dar esse n�?

� autom�tico.

Sabe como se chama?

N� de marinheiro.

Ficamos sabendo como realiz�-lo
no mesmo local.

Olhe.

Marinheiros de primeira classe.

Era no Raio,
nosso barco.

Observe os nomes
na parte de cima dos caxang�s.

"Caxang�"?

Sim, o que est� sobre
nossas cabe�as.

O que est� escrito?
"Raio Destrutor".

Este � Miguel Garay, que sou eu.

E este � Julio Arenas, voc�.

N�o sou eu.

N�o.

E tamb�m n�o � voc�.

N�o sou eu.

O n� lais de guia.

- Ana!
- Ol�, Miguel.

- Achou dif�cil o caminho?
- N�o.

Voc� veio morar aqui?

Queria estar perto dele.

As freiras me ajudam
da melhor forma poss�vel.

Reservei tr�s noites num hotel,
n�o sei se ser� suficiente.

Olhe.

E esta fotografia?

� Qiao Shu.

Era do filme.
Ele tem o original.

Ele deve ter guardado
em meio �s filmagens.

E o que mais � incr�vel
� que ele guardou

por mais de 20 anos.

Mas ele te reconhece?

�s vezes penso que sim.

Mas � algo da minha cabe�a.

E que dura s� um instante.

Pois quase sempre ele me olha
como se eu fosse uma parede.

Ou nem me olha.

A verdade � que n�o sei bem
por que vim.

Por que veio?

Porque ele talvez seja meu pai.

Ele �.

Sim.

Se � assim, talvez me reconhe�a
quando me vir.

Mas temo que seja eu
quem n�o o reconhe�a.

E se tudo isso
n�o tenha serventia?

Pode ser.

Mas � preciso que tentemos.

Vamos at� o asilo?
N�o � longe.

Sim, vamos l�.

H� luz.
Certamente ele est� acordado.

Prefiro ir sozinha.

Sou eu, Ana.

Sou eu, Ana.

Ol�.

Gostou desse gato?

Sim.

Eu o alimento.

Sempre morou por aqui?

Quem, o gato?

N�o, voc�.

Nem sempre morei aqui.

Morei em muitos lugares,
at� mesmo na China.

Gosto daqui. Por conta do mar.

N�o teve filhos?

N�o, n�o tenho.

Ali�s, n�o sei.

Sabe quantos anos tem?

Disseram-me que quase 70 anos.

Por assim dizer, pois n�o sabem
quantos anos tenho.

E tamb�m n�o sei.

Este lugar est� repleto de velhos.

N�o � uma das freiras, n�o �?

N�o.

Estou s� de passagem.

Sim.

J� vou.

Boa noite.

Como foi com Gardel?

Muito bem.

Bel�n me contou que Ana
j� quer voltar a Madri.

Que pena.

Diga-lhe que n�o � necess�rio
que se preocupe.

Tranquilize-a.

O pai dela est� muito bem.
Cuido dele.

Diga a ela.

Claro que vou dizer.

Quero que entregue isto a ela.

S�o alguns dos pertences
do Gardel,

quando foi encontrado na rua.

Foi enviado at� aqui
pelo hospital.

E eu deixei guardado.

Quase os esqueci.

Acho que � melhor que fique
com Ana, n�o �?

Est� bem, vou entregar-lhe.

Se estiver com frio,
pe�a mais um cobertor.

N�o temos muito dinheiro,

mas n�o nos faltam cobertores.

� a secret�ria eletr�nica do Max.
N�o posso atender agora.

Por favor, deixe uma mensagem
ap�s o sinal.

Max, desculpe por te ligar t�o tarde,
mas � muito importante.

Preciso que me fa�a um favor.

Traga para c� os dois rolos
do meu filme.

Quero fazer uma sess�o.

� para Julio.

Sim, Julio,
ouviu corretamente.

Ele est� vivo. Posso explicar.

Vou lhe enviar o endere�o,
fica num asilo.

Conto com voc�, companheiro.

Sabe o que mais
me chamou a aten��o?

O escapul�rio.

Esse rei.

Meu pai jogava xadrez?

Xadrez? N�o.

Tenho que levar tudo isso?

Irm� Consuelo diz
que pertencem a voc�.

Meu pai foi embora um dia
e nunca mais voltou.

Acho nunca voltar�.

Espere, Ana.

A tempestade havia me acordado
e n�o preguei mais o olho.

Pensei muito numa ideia.

N�o consigo me livrar dela
desde que vi esse rei na caixa.

Acredito que,
na vis�o de seu pai,

h� alguma conex�o com aquela
fotografia que ele guardou

durante todos esses anos.

Com a fotografia e esse rei.

Triste-le-Roi.

Fazia parte do cen�rio
do filme que grav�vamos.

O rei triste.

Acredito que seja um enigma.

- Um enigma para o qu�?
- � o que quero descobrir.

Seu pai perdeu a mem�ria.

Mas n�o sei se ainda
h� consci�ncia.

O que aconteceria caso ele assistisse
ao �ltimo filme de sua carreira?

N�o h� muitas cenas, s� o crucial,
que � o final.

Ele nunca viu nada,
sequer o material bruto.

Assistir? Mas onde?

- Aqui.
- Aqui?

Sim.

Ontem � noite liguei a um amigo.

Dentro de algumas horas
ele vai estar aqui.

Com os rolos do filme.

Quero que seu pai assista.

- Acha que isso vai ajudar?
- N�o sei.

Mas nesta cena final
ele aparece com a garotinha

que aparece na fotografia.

Juntos, os dois.

Eles se movimentam.
Com suas vozes e gestualmente.

Ele se ver� como era.

Pense nisso, por favor.

Se ele regressar a Triste-le-Roi,
compreender� uma coisa:

a origem da fotografia que
ele carrega h� tantos anos.

N�o sei o que dizer.

Que bom seria projet�-lo
numa sala de cinema.

Existe um bem perto do seu hotel.

Mesmo estando fechado,
ainda parece em boas condi��es.

Um segundo, Marta, por favor.

N�o v� embora, Ana.

Escuto-a.

Tem muito em mente, companheiro.

Quase n�o chego.

Havia um engarrafamento
de mais de 20 quil�metros!

Por milagre,
n�o fui atacado por um Comanche.

PRA�A DO CINEMA

Vou acender as luzes.

Nota-se que n�o est�
nas melhores condi��es.

Desde que fechamos
n�o havia voltado at� aqui.

Entrem.

Este cinema foi obra do meu av�,
que descanse em paz.

Come�ou muito jovem.

Levava o projetor a todos os cantos,
em sua caminhonete.

O que acha?

Est� em condi��o muito melhor
do que o meu.

Ele ainda funciona.

Voc� me permite?

Esses projetores testemunharam

muitas filmagens nesta �rea.

Foi h� muitos anos.
Filmavam todos os dias.

�s pressas.

Assim diziam os provini,
italianos que faziam as audi��es.

Daqueles que discutem
com as m�os.

Gravavam faroestes.

Ele est� perfeito, Rafael.

N�o entendo o que deseja
com isso, companheiro.

Quer que um filme fa�a milagres?
Sinceramente.

Os milagres do cinema
cessaram desde a morte de Dreyer.

Eu, um praticante, mas n�o crente,
te digo isso.

N�o sei em que mundo vive.

Arenas j� se foi,
mas est� seguro de si.

Entendi isso ontem � noite,
quando jantamos com ele.

S� confia naquela freira,
como se fosse sua m�e.

N�o brigue comigo, Max.

"N�o brigue comigo..."

Tome! Varra um pouco!
Vai se sentir bem.

Vou pegar a bateria
que deixei a carregar.

Volto j�.

N�o sei como conseguiu,
companheiro.

Gardel, veio � estreia,
com sua freira.

At� o Soriano est� l�.

N�o p�de recusar.
Ela queria ver o Julio.

E tamb�m queria ver o final.

O final do qu�?

Do filme.

Claro! N�o se fuma por aqui!

Esque�a daquilo que te falei
pela manh�.

Obrigado, Max.

Tudo o que me contou,

suas hist�rias sem fim,

prezado crente,

j� n�o servem para nada.

Fa�a o que tem que fazer.

De uma vez por todas.

Vamos, esperam por voc�.

- Bom dia a todos.
- Bom dia.

Obrigado por terem vindo.

Irm� Consuelo, por favor.
Cheguem mais perto.

Sentem-se, por favor.

- Bel�n.
- Sim?

Marta.

Sente-se por aqui.

Obrigada.

Ana.

Sente-se no quarto assento,
por favor.

Gardel.

Gardel.

Rafael, a porta, por favor.

Max.

Comece.

Eles est�o aqui.

Monsieur Levy.

Judith?

Meu nome � Qiao Shu.

Minha filha!

Minha querida!

Que assim seja

N�o te atires

Ao mar

Pois o mar...

Est� agitado

Ele vai te levar embora

Que ele me leve

E me arraste

Que assim seja

Que a sete metros de profundidade

Que me devore

O p�ssaro negro

Para que o amor seja preservado

FECHAR OS OLHOS

Legendas: Vitor Fortes (vitorhfv)
MKO - 2023