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Um tipo entra num bar.

"Chamo-me Cristóvão Colombo.",
grita ele. "Agora, este bar é meu.

De agora em diante, vou chamar-lhe
Hispaniola Lounge."

Os clientes negros não dizem nada.

Apenas o barman negro abana a cabeça:
"Brancos."

TERRA COM PESSOAS

O MITO DA SELVA INTOCADA

Não existe terra sem pessoas.

A ideia de que a América
era terra virgem,

uma selva habitada por "não-pessoas"
chamadas selvagens, é um mito.

Só passa a ser desabitada
devido a massacres e desalojamento.

Antes dos britânicos, a América do
Norte era um continente de aldeias,

de nações, de federações de nações.

Entre 1814 e 1824,

um pedaço grande de terra,
entre os atuais Florida e Kentucky,

passou a ser propriedade privada
de colonos brancos.

Estabelecia-se a primeira instituição
colonial permanente dos EUA,

denominada Office of Indian Affairs
e inserida no Departamento de Guerra.

Nós temos menos de dois séculos,

mas nunca houve nação tão movida
pelo conhecimento da sua história.

Somos o produto de muitos esforços
e de muitas visões.

Porém, vemos essa história
como uma aventura heroica.

SESSÃO FOTOGRÁFICA NA RESERVA ÍNDIA
PINE RIDGE - DACOTA DO SUL, 1891

A proposta de independência do que se
tornou nos Estados Unidos da América

foi nutrida por ideias de liberdade,
democracia e igualdade para todos.

Mas era difícil reconciliar
tais ideias

com a realidade de domínio
de uma raça sobre outra,

e muito menos com o genocídio,
colonização de povoamento e império.

Para reconciliar retórica e realidade
era preciso um novo modelo.

O nascimento de algo novo:
da raça americana dos EUA.

Um novo povo germinado da fusão
do melhor de ambos os mundos:

do nativo e do europeu.

Não uma fusão biológica,
Deus nos livre.

Algo mais efémero,
insinuador da dissolução do índio.

Um processo que excluiria
os nativos americanos

e os afro-americanos de participar,
exceto como realces por oposição.

"Tens aí o mito
da América branca elementar.",

escreveu D. H. Lawrence da personagem
de James F. Cooper, o Deerslayer.

"O amor, a democracia, o chafurdar
até à luxúria, é enredo secundário.",

escreve ele.

"A alma americana elementar é forte,
solitária, estoica e uma assassina.

Ainda não derreteu."

Os fuzileiros dos Navy SEALs

que levaram a cabo o assassinato de
Osama bin Laden, a 2 de maio de 2011,

estavam a relatá-lo em tempo real
ao Presidente Obama, Hillary Clinton

e outros oficiais
na sua Sala de Crise.

Após a operação,
o New York Daily News comentou:

"Para além das fotografias nunca
vistas do cadáver de Osama Bin Laden,

as razões dos oficiais para apelidar
o chefe da Al Qaeda de "Gerónimo"

permanecem um dos maiores mistérios
da operação negra.

Mas não era mistério nenhum
para os SEALs, Obama, Clinton,

e especialmente para qualquer
nativo americano que tenha ouvido.

Gerónimo, nome verdadeiro Goyathlay,

foi um dos maiores adversários
que o exército colonial confrontou

na sua marcha "Mata Tudo O Que Mexer"
por todo o continente.

É um lutador pela liberdade venerado
pelos Apaches e maioria dos nativos.

A escolha da palavra de código
"Gerónimo" para "inimigo dos EUA"

não foi mistério para o exército,

que também usou o termo "país índio"
para designar "território inimigo".

"País índio" e "interno" são termos
militares, como outros eufemismos

como "dano colateral" para "matar
civis" ou "munições" para "bombas",

que aparecem em manuais de treino
militar e são usados regularmente.

PAÍS ÍNDIO, INTERNO, DANO COLATERAL

GUERRA NÃO CONVENCIONAL

"País índio" e "interno"
significam detrás de linhas inimigas.

PROCEDIMENTOS ALTERNATIVOS
EXTREMISMO VIOLENTO, MALFEITOR

TERRORISMO, FASCISTAS ISLÂMICOS,
COMBATENTES ILEGAIS

UH-60 BLACK HAWK

Todas as guerras dos EUA reencenam,
fundamentalmente, as guerras índias.

H-34 CHOCTAW

BELL-UH1 IROQUOIS

OV-1 MOHAWK

AH-64 APACHE

LOCKHEED AH-56A CHEYENNE

CH-47 CHINOOK

A guerra contra insurgente
era a forma de fazer guerra.

O historiador militar John Grenier
afirma:

"Sucessivas gerações de americanos,
tanto soldados como civis,

fizeram da morte de homens,
mulheres e crianças índios

um elemento determinante
da sua primeira tradição militar

e, por conseguinte, parte de uma
identidade americana partilhada."

A principal característica
da guerra irregular

é a extrema violência contra civis.

Neste caso, a tendência de procurar

a aniquilação absoluta
da população indígena.

Matar tudo o que se mexer.
Não dar tréguas.

Na Califórnia,
caçar índios era legal e lucrativo.

Cinco dólares a cabeça.
Cinquenta cêntimos o escalpo.

Só em 1854, o governo federal

pagou mais de um milhão de dólares
a caçadores de índios.

A RECOMPENSA POR ÍNDIOS MORTOS
AUMENTOU PARA 200 $

Muitos dos descendentes
daqueles colonos

estão na vanguarda
dos ativistas da Segunda Emenda.

Eles dizem que representam o povo

e que têm o direito de possuir armas,
de modo a derrubar qualquer governo

que, do seu ponto de vista,
não adira à Aliança de Deus.

Porém, é um facto que
o mandato original da Segunda Emenda

era conferir poder
e autorizar os colonos

a armarem-se para matar índios
e controlar africanos escravizados.

Três quartos dos donos de armas
são homens e 82 % são brancos.

Contas feitas, 61 % dos adultos
donos de armas são homens brancos.

Não podemos dar sentido
ao açambarcamento de armas

e o culto da arma se não lidarmos
com o nacionalismo branco.

E não o podemos fazer
sem lidar com a história dos EUA.

A minha amiga Roxanne disse-me:

No seu tempo, os fundadores criaram
o documento mais perfeito

para o país mais perfeito do mundo,

Mas, hoje, vemos as verrugas
e elas estragam a imagem.

"Tornar a América grande outra vez.",
disse ele.

Quando é que ela foi grande,
exatamente?

Mesmo grande.

E para quem?

Roxanne diz-me: "Graças à escravatura
o algodão impulsionou o séc. XIX.

Em 1831, quase metade da produção
mundial de algodão vinha dos EUA.

A elite no Sul
tornou-se extremamente rica.

A elite no Norte,
também se tornou extremamente rica.

Isto desencadeou
a Revolução Industrial.

No início, os escravos tinham
de limpar o algodão à mão.

A criação da descaroçadora de algodão
por Eli Whitney mudaria tudo,

mas o algodão também destruía o solo.

Portanto, sulistas e nortenhos
pilharam mais terras índias,

enquanto o uso de corpos escravos
se tornava o negócio mais rentável.

Mais lucrativo do que terras,
bancos, vias-férreas, fábricas

e produtos de ouro todos juntos.

Usava-se escravos como garantia
de hipotecas.

Uma nova ferramenta de comércio.

Thomas Jefferson hipotecou 150
escravos para construir Monticello,

com investimento
de uma empresa holandesa.

Hipotecar pessoas
para comprar mais pessoas.

Uma grande parte da Europa
havia abolido a escravatura até 1848,

mas os europeus continuavam
a financiar a indústria nos EUA.

Raphaël Lemkin escreveu:

"A escravatura pode chamar-se
genocídio cultural por excelência.

É o método mais eficaz e preciso
de destruir uma cultura

e de dessocializar seres humanos."

RESISTÊNCIA

Pelo ano de 1890, desarmados,
mantidos em campos de concentração

os seus filhos roubados,
quase mortos à fome,

os sobreviventes Lakotas e Dakotas
criaram a dança dos fantasmas.

Era uma dança simples,
praticada por todos ao ar livre,

que só requeria um tipo específico
de camisola de fitilhos feita à mão,

que pudesse proteger os dançarinos
contra tiros.

Espalhou-se como o fogo
em todas as direções.

Entre as presumíveis fontes
desta dança

está um homem santo paiute de Nevada
chamado Wovoka.

Peregrinos nativos percorreram
longas distâncias para o escutar

e para obter as instruções
da dança dos fantasmas,

que prometia restaurar
o mundo indígena ao que era,

fazer desaparecer os invasores
e regressar guerreiros e o búfalo.

Eles dançavam sem parar.

Ocasionalmente, colapsavam.

As pessoas em redor dos caídos
fechavam o círculo e continuavam.

Quando a dança começou
entre os Sioux em 1890,

os oficiais reportaram que o líder
Tatanka Yotanka, o Touro Sentado,

havia ordenado as pessoas da reserva
Pine Ridge a dançar dia e noite.

Apesar do Touro Sentado
ter aprendido a dança,

ele vivia na reserva Sioux
Standing Rock,

a quilómetros de distância
e não estava a dar qualquer ordem.

A dança aconteceu
de forma espontânea.

General Sherman!

Cidade de Nova Iorque
7 de janeiro, 1891

Uns dias após a batalha
de "Wounded Knee".

General Sherman!

General Sherman,
como imagina o final desta revolta?

Há baixas civis?
Quantos selvagens matou?

Muitas caras conhecidas.

General! Como mantém tal vigor
após uma batalha tão esgotante?

Bem, andar a cavalo e matar índios
mantém-nos frescos como alfaces.

Que lição tirará desta campanha?

Haverá um final
para estas revoltas permanentes?

Os índios ou trabalham
ou morrem à fome.

Nunca trabalharam, não o fazem agora
e nunca o farão.

Mas o Governo não devia suportá-los
para que não morram à fome?

O senhor vai pagar isso?

Quem matou o Touro Sentado?

Porque é que isso é importante?

Ele resistiu à detenção
e foi alvejado.

- E o Big Foot?
- O que tem?

Diz-se que o cercaram.

Isso é o que a falsa imprensa
quer que acreditemos.

E o regimento de Custer?
Diz-se que queriam vingança.

E os vinte e cinco soldados mortos
em fogo amigável?

Os problemas acontecem.

Porque é que vocês jornalistas

estão sempre a tentar
complicar as coisas?

Foi uma ação de busca.

Dissemos-lhes para se renderem
e baixarem as armas.

E assim o fizeram.

Essa é a sua versão.

MASSACRE DE WOUNDED KNEE
EST. ÍNDIOS MORTOS: 300

SOBREVIVENTES: 51
BAIXAS MILITARES: 25

YELLOW BIRD, CURANDEIRO

BIG FOOT
CHEFE DOS MINICONJOU LAKOTA SIOUX

O FEITICEIRO DE OZ
VICTOR FLEMING, 1939

Cinco dias após os terríveis eventos
em Wounded Knee,

Lyman Frank Baum,
um colono do território Dakota,

que ficaria famoso anos depois
por escrever O Feiticeiro de Oz,

escreveu no jornal
Aberdeen Saturday Pioneer:

"O Pioneer declarou anteriormente

que a nossa segurança depende
do extermínio total dos índios.

Tendo-os prejudicado durante séculos,
de modo a proteger a civilização,

era melhor cometer outra má ação
e eliminar estas criaturas

bravias e indomáveis
da superfície da Terra."

O facto é que os nativos ainda
cá estão e este ainda é o seu lar.

E apesar de alguns
verdadeiros feitos individuais,

a verdadeira luta continua a ser
por autodeterminação e restituição.

Menos do que isso não será aceitável.

Índios americanos individuais têm o
direito de escolher a sua cidadania

e as nações indígenas têm o direito
de escolher o seu nível de cidadania

e de autonomia
até à independência absoluta.

O PASSADO NO PRESENTE

A mesma observação podia ser feita
à escravatura.

Pois ela, aqui, é um fantasma.
Tanto passado como presença viva.

E 400 anos depois,
o problema de representação histórica

é como representar esse fantasma.

Algo que existe,
mas, no entanto, não existe.

O facto da escravatura nos EUA
ter acabado oficialmente

mas permanecer em formas complexas
de racismo institucionalizado

torna a sua representação
particularmente onerosa.

Enquanto o genocídio, a escravatura
e a exploração de corpos humanos

não se converterem nalguma forma
de reparação, não haverá paz.

Tal como James Baldwin diz:

"Praticamente não há esperança
para o sonho americano,

pois as pessoas a quem a participação
nele foi negada irão destruí-la."

GALVESTON, TEXAS, AGOSTO 2019

Os factos estão à nossa frente.

"O tempo não é
uma continuidade cronológica.",

escreveu Trouillot
no seu livro Silencing The Past.

É o conjunto de momentos,
práticas e símbolos desarticulados

que enfiam as relações históricas
entre acontecimentos e narrativas.

Nenhuma quantidade de debate
histórico sobre estes eventos

nem nenhuma quantidade de culpa
substitui a marcha de hoje nas ruas.

TIROTEIO EM IGREJA
TIROTEIO EM SINAGOGA

O que tem de ser denunciado aqui

não é tanto a realidade
do genocídio dos nativos americanos,

nem a realidade da escravatura,
nem a realidade do Holocausto.

O que é preciso denunciar aqui

são as suas consequências
nas nossas vidas e na vida atual.

Eu testemunhei morte no Haiti.

De desconhecidos e de amigos,
como Antoine Izméry ou Guy Malary,

ambos chacinados
por militares ligados à CIA.

Mas nem todas as mortes
são violentas.

Eu acompanhei o falecimento da minha
mãe num hospital em Nova Jérsia.

Ela, que me contou do assassinato
do primeiro-ministro do Congo,

Patrice Lumumba.

Eu também fiz um filme sobre ele
e a minha mãe participou.

Passei 15 anos da minha vida numa
cidade chamada Berlim, na Alemanha.

Andei na escola de cinema, lá.

O meu projeto de admissão
foi sobre a prisão de Plötzensee,

um complexo de tortura nazi.

Nunca me esqueci que aquele país,

que produziu alguns dos melhores
filósofos, cientistas e artistas,

também operou
uma das mais devastadoras

máquinas de matar,
geridas e criadas cientificamente.

Berlim.

Conheço estas ruas
como a palma da minha mão.

Passei por estes arcos diariamente
a caminho da Universidade Técnica.

A sobreposição
do tempo e das imagens.

Auschwitz. Também fui lá.

Queria ver por mim.

Acima de tudo o resto,

foram estes detalhes que me deram
o sentido mais claro do horror.

Eu vi estas imagens antes.

Em Ntarama, Ruanda, em 2003,
tirei exatamente as mesmas fotos.

Centenas de pessoas haviam sido
chacinadas por milícias Hutu

e por soldados do governo,
numa igreja.

Um jovem contou-me o que aconteceu.

Ele tinha estado lá
e escapou por um buraco.

Ele mostrou-me o buraco.
Ainda lá está, 10 anos depois.

ACONTECEU EM ABRIL
RAOUL PECK, 2005

Eu sabia que já tinha visto
esta imagem antes.

Nós vamos ficar juntos.

Porque é que o mundo não reagiu?

O argumento de que as pessoas não
sabiam não é verdade. Elas sabiam.

Sabemos agora, por registos
dos serviços secretos, quanto sabiam.

Que dentro de horas,

estavam cientes de que o massacre
era sistemático e de base étnica,

que havia listas, que os assassinos
iam pela capital fora

a escolher pessoas de certas casas
e a executá-las.

Eles sabiam disto.

Esta é Alison Des Forges.
Passou a vida a documentar o horror.

Reuniu com líderes,
confrontou assassinos, chamou céticos

e denunciou instituições mundiais,
escondidas detrás do seu silêncio.

Ela orientou-me e ensinou-me
a decifrar a linguagem da morte

e a ver o monstro escondido
por detrás de uma máscara humana.

Alison morreu num acidente de avião,
a 12 de fevereiro de 2009,

quando ia visitar a família,
em Buffalo.

Eu tenho saudades dela.

Não estou a pôr ninguém
num plano moral.

O que digo é:
havia um grupo de um lado

e outro grupo do outro lado.
Atacaram-se com paus.

Foi violento, foi horrível.
Foi horrível de ver.

Acho que há culpa dos dois lados.

Vejam ambos os lados.
Acho que há culpa dos dois lados.

Washington era dono de escravos.

Vamos remover as estátuas?

E o Thomas Jefferson?

O que acha de Thomas Jefferson?
Gosta dele?

Estas imagens projetam uma ideia
profunda de identidade, ou desespero.

Almas perdidas,
numa pilha de confusão humana.

A ausência de vestígios de empatia
e de humanidade é insuportável.

O pesadelo está enterrado
na nossa consciência .

Tão fundo,
que não o reconhecemos logo.

Ele mostra quem somos.
Mostra no que nos tornámos.

O privilégio teimoso da superioridade

e da comédia.

Em tempos de desespero, medo,
insegurança, procura-se salvadores.

De qualquer tipo.

Mas, possivelmente, um com soluções
que soam fáceis, à custa de outros.

VIOLAGIADOS NÃO SÃO BEM-VINDOS
AFASTEM-SE!

Mas um mundo complexo
requer respostas complexas

com o mínimo nível de acordo
acerca do diagnóstico, pelo menos.

Nós nunca ouvimos os pobres.

Os que são menos pobres
temem perder o que têm

e estão a revoltar-se.

Que boa sensação!
Que bom estar aqui convosco.

Já passámos por isto antes,
sem termos aprendido muito.

Por algum motivo,
achámos que nos tempos modernos

o fascismo estaria disfarçado
de cores bonitas,

para ser mais difícil de reconhecer.

Mas é reconhecível.

O mesmo bramido quando o líder fala.

O mesmo ódio por estrangeiros.

A mesma violência.

A mesma projeção
de virilidade ferida.

A fragilidade do poder.

O mundo ocidental está em pânico.

Num pânico delirante, disparado.

Queixa-se de um confronto
de civilização

e exibindo os limites
da superioridade.

O privilégio torna-nos vulneráveis.

E o pânico misturado com ignorância
e intolerância, gera ira.

Uma ira ofuscante e sem limites.

Todos os outros
passam a ser inimigos.

A fortaleza torna-se uma prisão.

Todos os outros a olhar
lá para dentro, para nós.

HOTEL GOLDEN PARK

As pessoas morrem porque têm fome
e não podem proteger a existência.

Outras por serem perseguidas
ou por não poderem alimentar,

proteger ou cuidar dos seus filhos.

Entretanto, os pornograficamente
ricos são os novos moralistas.

O mais perturbante não são as imagens
nem as palavras horríveis.

O mais perturbante aqui
é a ausência do ridículo

e o silêncio da complacência.

Perdeu-se, sem dúvida,
qualquer vestígio de decência.

MEURTRE À PACOT
RAOUL PECK, 2014

Nós procuramos a verdade,
quando devíamos procurar significado.

A existência deste filme
é um milagre.

Um dia, uma menina palestiniana
de 18 anos, atada a explosivos,

detona-se numa discoteca cheia,
em Telavive.

Quando outros pensam em vingança,
eu penso na minha filha.

O que a teria levado
a cometer um ato tão horrível?

Chamaria a minha filha de monstro?

Sim, é complicado.

Hoje,
fiquei a saber da morte do Sven.

Não foi repentina.
Eu sabia que aconteceria em breve.

Eu tinha aprendido a lidar.

Não sinto dor, mas sim raiva e mágoa.

O Sven deu-me o impulso original
para esta história

e apagou as minhas dúvidas
de um filme assim ser concebível.

Até ao seu último dia,
ele queria que acontecesse.

Terminar esta história é, agora,
vital.

Ninguém começa do zero,

mas o ser humano requer a renovação
de práticas de poder e domínio.

É essa renovação
que nos devia preocupar mais.

Chamar à responsabilidade os chamados
legados de horrores passados,

a escravatura, o colonialismo
ou o Holocausto

só é possível
graças a essa renovação.

E essa renovação
só ocorre no presente.

"Só nesse presente é que podemos ser
verdadeiros ou falsos ao passado

que escolhemos reconhecer.",
disse Trouillot.

Eu não sou perita em religião.

... a história racial...

É um problema
para residentes de estados raianos.

O Presidente está a proteger
as fronteiras...

- O senhor conhece a Lei.
- Cale-se! Cale-se!

Morrem 45 mil pessoas
em acidentes de viação.

Os académicos americanos abandonaram
o papel de intelectuais públicos,

que passou para peritos
e apresentadores.

Não é necessário prova nem argumento.

São opiniões contra opiniões.
Descaramento que passa por razão.

KENNEDY
RECEBER IMIGRAÇÃO

Agora sabemos que as narrativas
são feitas de silêncios.

Enquanto uns debatem o que a História
é ou foi, outros tomam-na nas mãos.

Em 1920, o biólogo Charles Davenport,
líder do Movimento Eugénico dos EUA

perguntou a Madison Grant, autor
de The Passing of the Great Race:

"Podemos construir um muro alto
em redor deste país

para não deixar entrar
as raças mais baratas?"

FORA, JAPONAS!
BAIRRO DE BRANCOS

A 26 de maio de 1924,

o presidente Calvin Coolidge
aprovou a Lei de Restrição

e diminuiu a imigração em 97 %.

A porta esteve fechada 40 anos.

As pessoas tendem a esquecer.

Uma vitória política
para os eugénicos.

MARGINAL, CRIMINOSO, MÁFIA

Como um congressista disse,

"... a nação permaneceria o lar
de um grande povo.

"Pessoas cristãs, falantes de inglês,
brancas."

Os braços abertos da Ilha Ellis
estão, de novo, fechados.

Essa lei fechou a porta aos judeus,
que fugiam dos nazis.

Por não ter visto, Anne Frank morreu
no campo de Bergen-Belsen.

RESCALDO

PERDAS CULTURAIS
DESLOCAÇÃO

DETERIORAÇÃO MORAL
MUDANÇAS POLÍTICAS

O PARAÍSO RACIAL DE ADOLFO

Quando Adolf Hitler
entrou na política,

as oportunidades de expansão da
Alemanha haviam sido fechadas.

Ele tinha de encontrar
uma alternativa mais fácil.

A campanha do Hitler no leste
passou a ser a sua guerra colonial.

A longo prazo, ele queria incorporar
estas áreas agrícolas

no crescente Lebensraum alemão.

"Lebensraum"
significa "espaço vital".

Segundo a visão imperialista
de Hitler,

a eliminação dos peles vermelhas,
como ele lhes chamava,

foi o exemplo perfeito
de uma colonização de êxito.

Tal como os americanos haviam feito,
ele enviaria colonos alemães

para substituir as populações
judias e eslavas no leste.

A lei de sangue justificava
as necessidades e os atos.

Na sua carreira, Hitler foi motivado
por um antissemitismo fanático

que estava enraizado numa tradição
com mil anos.

Mas o passo de massacre em massa
para genocídio não foi dado

até a tradição antissemítica
encontrar a tradição do genocídio

que surgiu na expansão da Europa
na América, Austrália, África e Ásia.

Segundo a teoria do espaço vital,

os judeus eram de uma raça ainda mais
baixa que os russos e os polacos.

Uma raça que não podia reclamar
o direito de viver.

LIQUIDAÇÃO DO GUETO MIZOCZ
(ATUAL UCRÂNIA), 1942

Era natural exterminar tais raças,
se elas fossem obstáculo.

As outras grandes raças ocidentais
tinham feito isso mesmo.

Os procedimentos são iguais.

O jogador é que é outro.

GUETO VARSÓVIA, POLÓNIA, 1942

Eles morreram sozinhos, quando a
provisão de alimentos foi cortada.

A triste regra de que pessoas ditas
inferiores se extinguiam no contacto

com pessoas altamente cultas
estava, de novo, ativa.

Se não morriam rapidamente, então era
misericordioso encurtar o sofrimento.

Estas fotografias foram tiradas
por um oficial nazi.

Como as anteriores, foram encontradas
no chamado Álbum de Auschwitz.

A contabilidade da morte.

Detrás dos números,
existem caras, existem almas.

Apanhadas, por um breve momento,
pela lente dos teus atormentadores.

E eles sabem. Eles devem ter sabido.

"Inapto para trabalhar." Era o que se
chamava a quem era posto de parte.

Para morrer.

Este grupo é salvo. Momentaneamente.

O fotógrafo e a sua presa.

Um último vislumbre de humanidade
no fitar desta mulher.

E não há qualquer ilusão.

As crianças têm sede.

"Onde podemos ir buscar água?",
perguntam.

"Vai lá para trás. Há lá água.",
diz o oficial da SS.

E elas vão lá para trás.

As crianças, a sua mãe,
a sua tia, os seus primos,

a caminhar para a morte.

Em menos de 20 minutos,
estarão mortos. Todos.

Vinte minutos.
É o tempo que leva a ir do cais,

pelo caminho de pedras,
até ao fundo do campo,

onde estão localizados
os crematórios número 4 e número 5.

A SS rebentou com eles
no dia em que fugiram,

mas sobraram provas suficientes.

Está na hora de assumir
uma verdade básica.

Os grandes planeadores
e executores da Solução Final

eram extremamente cultos.

Tinham cursos universitários
e muitos até tinham doutoramentos.

Todas as capacidades produtivas
alemãs a criar o paraíso racial.

De arquitetos, fabricantes,
canalizadores,

banqueiros, jardineiros, agrónomos
e capangas da SS.

A sua criatividade organizacional
foi inigualável.

SALA DE DESPIR

CELA

ELEVADOR MECÂNICO
PARA CADÁVERES

CÂMARA DE GÁS

GRELHA PARA A BOMBA DE GÁS

EXPERIÊNCIAS MORTAIS E DISSECAÇÃO
DA SS

ENTRADA DA SS

FORNOS

VAGÃO DE CARVÃO EM CARRIS

GUARDAS SS

CHAMINÉ

ÁREA HABITÁVEL
PARA ESCRAVOS DO CREMATÓRIO

PENTEADEIRAS

OURO, JOIAS E DENTES

ACELERADOR

ASPIRADOR DE FUMO

VISTA EXTERIOR

Deves estar a..

Não é conhecimento que nos falta.

Tal como franceses cultos,
nos anos 50 e 60,

sabiam o que as suas tropas faziam
no Vietname e na Argélia.

Como russos, nos anos 80, sabiam o
que as tropas faziam no Afeganistão.

Como sul-africanos e americanos
cultos, no mesmo período,

sabiam o que os seus reservas faziam
em Moçambique e na América Central.

Portanto, os europeus cultos, hoje,
sabem que morrem crianças

quando o chicote da dívida e as
bombas assobiam sobre países pobres.

Não é conhecimento que falta.

Auschwitz é só a aplicação moderna de
métodos de extermínio estabelecidos.

O público culto sempre soube bem
as atrocidades que foram cometidas

e que são cometidas agora
em nome do progresso, da civilização,

do socialismo, da democracia
e do mercado.

Desde há 500 anos,
desde as Cruzadas cristãs originais.

Não. Não é conhecimento que falta.

Este conhecimento pode ser expressado
em linguagem geral e académica:

o imperialismo é um processo
biologicamente necessário, que

segundo as leis da Natureza, leva
à destruição das raças inferiores.

Podia dizer-se coisas deste género.

Também tem sido sempre rentável
negar ou suprimir tal conhecimento.

Conrad podia ter usado qualquer povo
da cultura europeia na sua história.

Na prática, a Europa inteira
agiu de acordo com a máxima

"exterminem todas as bestas."

Oficialmente, isso foi negado, claro.

Mas, de homem para homem,
toda a gente sabia.

Este conhecimento é um pré-requisito
fundamental.

É assim que o narrador pode contar
a história em O Coração das Trevas.

Ele não precisa de contar
os crimes que Kurtz cometeu.

Não precisa de descrevê-los.

Não precisa de apresentar provas.

Pois ninguém duvidava.

Mas a forma como realmente aconteceu,

o que fez aos exterminadores
e aos exterminados,

isso estava, no máximo,
apenas implícito.

LARGA A BOMBA
EXTERMINA TODOS

Quando o que acontecera no livro
se repetiu no coração da Europa,

ninguém o reconheceu.

Ninguém quis admitir
o que toda a gente sabia.

APOCALYPSE NOW
FRANCIS FORD COPPOLA, 1979

Em todos os lugares do mundo
onde o conhecimento é suprimido,

conhecimento que, se fosse exposto
destruiria a nossa imagem do mundo

e nos forçaria a questionarmo-nos,

nesses lugares, está a decorrer uma
encenação de O Coração das Trevas.

Alce Negro, o homem santo
do povo Oglala Lakota, disse

após o massacre de Wounded Knee:
"Eu não sabia então quanto acabara.

Olhando agora para trás,
da montanha da minha idade avançada,

ainda consigo ver
as mulheres e crianças chacinadas,

empilhadas e espalhadas
pela tortuosa ravina,

tão vividamente como quando os vi
quando era jovem."

Eu vejo que algo mais morreu ali,
na lama, e foi enterrado na nevasca.

Morreu ali o sonho de um povo.

Era um sonho lindo.

O círculo da nação
está quebrado e espalhado.

Já não há centro
e a árvore sagrada morreu.

Morreu ali o sonho de um povo.

Nós ainda não vimos tudo.
Isto é apenas o início.

Não. Não é conhecimento que falta.

Legendas: Susana Lino
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