All language subtitles for Escape from Kabul (2022).PT

Nós compreendemos.
Sentem-se, sentem-se!

- Sentem-se!
- Sentem-se!

EM 2020, OS EUA E OS ALIADOS DA NATO

JURARAM RETIRAR
AS TROPAS DO AFEGANISTÃO.

Assinámos um acordo para trazer
os nossos de volta para casa.

Queremos trazer os nossos para casa.

Vamos acabar com a guerra
mais longa da América.

Não enviarei
outra geração de americanos

para a guerra no Afeganistão.

DUAS SEMANAS ANTES DO PRAZO FINAL,

DUAS COMPANHIAS
DE FUZILEIROS AMERICANOS

FORAM COLOCADAS
NO AEROPORTO DE CABUL.

A MISSÃO ERA EVACUAR
CIDADÃOS AMERICANOS

E AFEGÃOS "EM RISCO"
QUE TINHAM AJUDADO OS AMERICANOS.

Não compreendíamos
a escala e o alcance

daquilo que a evacuação
acabaria por se tornar.

- Afastem-se.
- Deram a entender:

"Vai ser rápido e simples.
É entrar e sair."

Mas isso não aconteceu aqui.

Levantem-se.

Foi uma catástrofe humanitária.

DOIS DIAS APÓS A CHEGADA
DOS FUZILEIROS,

OS TALIBÃS TOMARAM CABUL.

Nunca imaginámos
que tomaríamos Cabul.

Saímos vitoriosos e felizes.

Vínhamos para conquistar Cabul.
Todos morriam de medo de nós.

Foi uma altura aterradora
e um completo caos.

Todos corriam para o aeroporto
para sair do Afeganistão.

Temíamos que começasse uma guerra.
Todos tínhamos medo.

Tratava-se das nossas famílias.

Tratava-se da cidade
onde nasci e cresci.

Vamos lá despachar!

Sou o comandante
do 1º Batalhão 8.º de Fuzileiros.

Cerca de 12 de agosto de 2021,
a campainha tocou a meio da noite

e as coisas aceleraram
muito depressa.

E no dia 13,
estávamos no Afeganistão.

Estão prontos? Vamos sair.

Fomos para o Afeganistão
com o que tínhamos às costas.

Saímos do avião
e começámos logo a trabalhar.

Eu só tinha 150 pessoas

e faltava muito do equipamento
necessário nos primeiros dias.

Aqui têm.

Sabíamos que estávamos lá
para começar a missão,

que era evacuar os afegãos em risco,
os cidadãos americanos.

Pensámos que seria um processo
relativamente ordeiro.

A segurança teria de ser mantida
pelo menos junto de Cabul.

Não pensámos que ia acabar
como acabou.

O aeroporto de Cabul
fica situado num vale.

É rodeado por terreno montanhoso
no lado norte,

que também o envolve a oeste.

É um aeródromo grande.
Era um local estratégico,

onde provisões e tropas
entravam e saíam do país.

Era um aeroporto militar e civil,
tudo ao mesmo tempo.

A CIA, os afegãos e alguns
dos nossos parceiros da coligação

detinham grandes porções
daquela base.

Havia uma espécie de muro exterior.

Toda a gente tinha o seu quinhão
daquele bolo grande.

Nos primeiros dois dias,
todos estavam nas suas posições

e a segurança mantinha-se estável.
Nada de novo.

Os aviões levavam pessoas dali,

mas, que eu visse,
não eram civis afegãos.

Os aviões levavam
afegãos de alto nível,

diplomatas da nossa embaixada.

A evacuação civil
ainda não tinha começado.

Por isso,
íamos evacuar os VIP primeiro.

Dois dias depois de chegarmos...
Chegámos no dia 13,

e no dia 15, foi um pandemónio.

O dia 15 foi quando os talibãs
entraram em Cabul.

COMANDANTE TALIBÃ

Eu combati na jihad durante 15 anos.

Os americanos mataram
dois familiares meus.

Foi isso que me fez
querer combater na jihad.

FORÇAS ESPECIAIS DOS TALIBÃs

Desde miúdo, sempre quis
fazê-los explodir.

Eu era pequeno,
mas sentia-o tão intensamente.

Eu odiava-os pela sua selvajaria.

COMANDANTE TALIBÃ

Tudo bem.

Os americanos foram nossos inimigos
durante 20 anos,

e nós derrotámo-los.
O sacrifício dos bombistas suicidas

e o sangue dos nossos homens
valeram a pena.

COMANDANTE TALIBÃ

Eu era o líder
das nossas tropas suicidas.

Costumávamos contrabandear armas
nos nossos retos.

Até usávamos estas coisas.

Veja, metemos aqui uma bala.

Os americanos desistiram
de combater contra nós.

A nossa tecnologia simples
derrotou a tecnologia moderna deles.

15 DE AGOSTO

Quando entrámos em Cabul,
percebemos que a cidade ia cair.

Parecia um sonho.

Aonde quer que eu fosse,
parecia que estava num sonho.

No primeiro dia que cheguei a Cabul,

não esperávamos
que Cabul caísse tão depressa.

Quando chegámos a Cabul,
o governo afegão fugiu.

Corremos para o Palácio Presidencial.

O primeiro a chegar lá
seria um herói.

Entrámos no Palácio Presidencial.

Ninguém resistiu contra nós.

Isto era o centro da corrupção
e nós conquistámo-lo.

- Em nome de Deus.
- Em nome de Deus.

Ficámos muito felizes
quando ocupámos o palácio.

Mas para nós, não era um palácio.
Era um bordel.

Cheguei ao centro de operações,
onde estava o nosso general.

Foi então que eu soube
que o governo tinha caído,

que o presidente afegão
se fora embora

e que a missão diplomática
no Afeganistão fora encerrada.

Olhámos para os 10 ou 20 ecrãs de TV

e só mostravam o aeroporto civil,

a parte sul da base,

e milhares de pessoas a correr.

E eu só podia largar a refeição
que tinha levantado,

pousar a garrafa de água,

voltar a vestir o kit,
carregar a espingarda.

Olhei para algumas pessoas,
chamei-as e corremos.

E o mar de humanos
que queriam ser evacuados

estava mesmo à nossa porta.

Muitas famílias
levavam malas de viagem...

ESTUDANTE E EMPRESÁRIA

... e iam para o aeroporto.

Chegámos ao aeroporto
à uma da manhã...

ESTUDANTE E ATIVISTA

... passando
por postos de controlo talibãs.

Estão a disparar daquele lado.
Vamos sair daqui.

Todos os afegãos queriam fugir,

para chegar ao aeroporto
e embarcar num avião.

Parecia o fim do mundo,
no aeroporto de Cabul.

A investida inicial
devia rondar 5 mil pessoas.

Os civis já começavam a chegar.

Basicamente, batiam à porta
e diziam: "Tenho de sair."

Diziam: "Tenho documentos.
O meu marido era intérprete

e serviu convosco. Tenho de sair."

As mulheres choravam, apareciam
com os filhos e a família alargada.

Ainda não estávamos abertos
para operações de evacuação.

Não tínhamos lá toda a gente.

Havia um grande número de civis
que tinha passado o portão.

A base fora invadida.
O aeródromo estava ocupado.

Para eles, aqueles aviões
significavam liberdade.

Instalaram-se ali para bloquear tudo,
basicamente para dizer:

"Vão pôr-me no avião. Não saio daqui
enquanto não o fizerem."

Chamámos os 150 fuzileiros
que eu tinha para abrir o aeródromo.

Tínhamos aviões no ar, a fazer tempo.
Não podiam aterrar.

Se alguém estiver no aeródromo,

um avião não pode aterrar
nem pode descolar.

Não havia como entrar ou sair.

Tentámos mantê-los fora da pista
para continuarmos a desembarcar

as nossas forças adicionais
e mantimentos.

Dependíamos disso.
Se tivéssemos perdido o aeródromo,

não duvido
que teríamos morrido todos.

Então, da meia-noite
até às cinco da manhã,

mantivemo-los ao largo.

E tentar pôr isto em palavras,
aquela luta naquela noite...

Foi corpo a corpo.

Foi usar espingardas
como armas de impacto.

Não foi agradável para eles
nem para nós.

Eles cercaram-nos completamente
em frente ao terminal,

perto dos aviões
de passageiros afegãos.

Cercaram-nos com arame farpado.

Todos no Afeganistão
e no mundo inteiro

começaram a focar-se no aeroporto.

As pessoas pensavam que a América
ia evacuar todo o Afeganistão.

Portanto, o foco dos mujahedin
também estava no aeroporto.

Quando chegámos a Cabul,
fiquei responsável pelo aeroporto.

Cercámo-lo
com mil bombistas suicidas.

Os americanos
estavam no terminal e na pista.

Houve alturas de alguma tensão,

devido ao alto risco
de um tiroteio com os americanos.

16 DE AGOSTO

Na madrugada do dia 16,
infiltrados talibãs na multidão

começaram a atacar
os fuzileiros no aeródromo.

Foi aí que as coisas começaram
a ficar algo descontroladas.

Quando amanheceu,
um combatente talibã apareceu,

a disparar para o ar,
e um dos nossos fuzileiros matou-o.

Um tiro limpo tirou-lhe a vida.

Foi quando disparei
o segundo tiro, no peito.

Lutávamos contra eles há 20 anos.

Ele era um alvo, uma ameaça.
Tinha de morrer.

Decorria um tiroteio
mesmo à nossa frente,

enquanto os números
não paravam de aumentar.

Agora eram na ordem
dos oito ou dez mil.

Tínhamos aberto o aeródromo.
Foi uma grande vitória.

No dia 16 de agosto, quando acordei,

eu só ouvia: "Esta família partiu.
Aquela família partiu."

E havia um rumor
de que cerca de 900 pessoas

tinham abandonado o Afeganistão.

E que pessoas
de diferentes categorias

puderam sair do Afeganistão
nessa noite.

O segundo dia foi incrível porque
mais de nós vieram para a cidade.

Tudo tinha mudado.
Estávamos tão felizes.

Foi muito estranho.

Ao passarmos pelas pessoas,
elas viam os nossos turbantes,

parecíamos mullahs,
e elas fugiam logo.

As mulheres e as crianças
morriam de medo de nós.

Passámos tempos muito sombrios
no Afeganistão

quando os talibãs
assumiram o poder.

Antes da tomada dos talibãs,
tínhamos uma vida simples.

Não era perfeita.
Não era perfeita, mas era boa.

Quando os talibãs
tomaram o Afeganistão,

eu estava no meu primeiro ano
da universidade.

Fiquei devastada...

ESTUDANTE

... porque sabia que não deixariam
as raparigas trabalhar ou estudar.

Somos as principais vítimas,
as mulheres.

E temo que as mudanças
que as mulheres afegãs

trouxeram ao Afeganistão...

Elas lutaram durante anos

pela possibilidade de terem educação,
de trabalharem.

E naquele dia, eu pensei

que todos os seus esforços
foram arruinados num dia.

As mulheres estavam a pensar
nos homicídios,

na brutalidade, nas chicotadas,
nos casamentos forçados.

Era o que todas as mulheres
tinham em mente...

MINISTRA DAS MULHERES AFEGÃS

... sobretudo as que trabalhavam.
Sabiam qual era a realidade.

Isso era um horror. A insegurança,
a incerteza e a brutalidade.

O que se passa, irmã?

- Os talibãs estão aqui. Na cidade.
- Cabul caiu. Acabou.

Os talibãs entraram na cidade
e nós estamos a sair.

As pessoas estão mortas de medo.

Toda a gente corria.

As pessoas viam os mujahedin
como monstros que comem pessoas,

que matam mulheres, crianças

e todos os que não tenham barba.

Nenhum mujahid, nenhum afegão,
nenhum talibã

queria que os nossos
irmãos e irmãs muçulmanos

partissem com a ajuda dos infiéis

e adotassem o modo de vida americano.

A nossa missão era não deixar
ninguém sair do país.

Como estavam tão assustadas,

as pessoas inundaram
o aeroporto como uma onda.

Sem vedações, sem barreiras,
nada os podia parar.

Os talibãs estão a disparar
daquele lado,

e os americanos deste.

Cabul está aqui em peso.
Uma nação está a fugir.

Vejam como as pessoas
fogem dos talibãs.

Parece o Dia do Juízo Final.
As pessoas tentam fugir do inferno.

Toda aquela base era porosa.

Era mesmo. Tinha muitas fraquezas.

Havia falhas de segurança
por toda a base.

Pessoas a saltar muros
e a tentar entrar.

Começaram a saltar vedações,
a entrar no aeroporto.

Eram 10 horas. Olhei para a esquerda

e apareceram milhares
vindos de outro buraco na parede.

Não conhecíamos
aquela parte da base.

Penso que a estimativa
era de 24 mil afegãos

dentro do aeroporto,

e um número desconhecido
fora do aeroporto.

Agora tínhamos de dividir
as nossas pequenas forças

para correr pelo aeródromo,
ir buscar as pessoas, reuni-las

e começar a mantê-las ao largo
durante várias horas.

A pista era a missão.
Manter a pista aberta a todo o custo.

Tanques e soldados
avançaram sobre nós.

Os americanos começaram a disparar.

Eles disparavam para o ar,
diziam-nos para recuarmos.

Para trás!

- Para trás!
- Para trás, porra!

Esse foi o primeiro momento
em que pensei que ia morrer.

A ameaça de um bombista suicida

ou de um lobo solitário
com uma arma...

As pessoas não foram revistadas.
Não sei o que tinham com elas.

Podiam facilmente
ter-nos matado a todos num instante.

Não disparem!

Tínhamos milhares de pessoas
em pânico.

Vão por ali! Por ali!

Ou a vossa família será esmagada.

Vão por ali!

Vai por ali
ou a vossa família será esmagada.

Naquela multidão,
vi com os meus próprios olhos

uma mãe com duas crianças
que morreram.

Ela deixou-as lá.

Ela pegou no marido
e nos outros filhos pela mão

e disse: "Deixem-nos.
Eles estão mortos. Vamos."

Para abrir caminho para o avião,

tínhamos Apaches
a voar o mais baixo possível

para afastar as pessoas
e tirá-las do caminho.

Depois, chegou um C-17,
porque o aeródromo estava aberto.

Foi uma histeria em massa.
Via-se nos olhos deles.

Passaram logo por cima de nós.

Afastaram-nos,
atropelaram os fuzileiros.

Esmurravam, arranhavam, gritavam,
o que levou a fechar o aeródromo.

Nós corremos atrás desse avião.

Ficar no Afeganistão era impensável.

Tínhamos de sair do país,
desse por onde desse.

Era o farol de esperança deles.

Achavam que tinham de apanhá-lo
para fugirem.

E tivemos de correr 1,5 km
para o outro lado,

enquanto perseguíamos toda a gente.

E a minha posição, na altura,
era levá-los de volta.

Transformou-se numa grande briga.

Eu ainda recebia chamadas
do centro de operações:

"O aeródromo já não está aberto.
Tens de os tirar de lá."

E eu: "Sim, eu já sei."

As pessoas estavam em toda a volta.

Fui para onde o piloto me podia ver
se olhasse para fora.

E finalmente olhou
e fez contacto visual comigo.

Apontei para ele e disse:
"Tens de te ir embora. Agora."

E ele começou a mover
o C-17 muito lentamente.

As pessoas subiram
para cima do avião.

Talvez pensassem
que conseguissem sair do país

agarrados ao exterior de um C-17.

Vejo o C-17 a ganhar velocidade.

E enquanto estávamos engalfinhados,
parámos e ficámos a ver,

enquanto o C-17
captava a atenção da multidão.

E ficou tudo em silêncio.

Alguém caiu do avião.

Caíram quatro ou cinco pessoas.
O avião atropelou duas.

Quando vi os cadáveres,
comecei a tremer.

Quando vimos isso,
desistimos e fomos para casa.

Aquilo pôs um travão na situação.

O C-17 tinha finalmente partido,
aquelas pessoas tinham caído.

Talvez algumas pessoas no solo
tenham percebido:

"Tem de haver outra forma,
porque não nos deixam sair agora."

Estávamos a chegar ao fim do...
Já teria passado dia e meio.

E começavam a chegar mais pessoas.

O sol começava a pôr-se.

Perdemos o aeródromo
mais algumas vezes.

Um comandante nunca deseja
ter de dizer aos seus homens

que não sabe o que fazer.

Naquele momento,
eu não sabia o que fazer.

Recebi uma chamada pelo rádio.
Diziam que íamos receber ajuda

de uma unidade
das Forças Especiais afegãs.

Pensei: "Isto é ótimo.

É uma força da nação anfitriã,

que conhece esta cultura,
fala esta língua.

Eles vão ajudar.

Só preciso de mais gente.
Não me importa quem seja."

A unidade afegã que lá estava...

Tiraram as pessoas de lá

atropelando toda a gente
e alvejando-os.

Eles mataram-nos.

Eu vi de longe. Já estava escuro.

Eu só conseguia ver
quem era atropelado e alvejado

pelo farol do veículo.

Foi uma cena horrenda.

Havia pessoas a serem executadas
no aeródromo,

e foi horrível ver isso acontecer.

Mas desimpediu o aeródromo.

A chegada dessa unidade afegã
foi o que suprimiu a situação.

Não sei como teria sido
se eles não tivessem vindo.

Naquela noite e na manhã seguinte,
não houve mais grandes multidões.

17 DE AGOSTO

Decidimos dar
uma conferência de imprensa.

PORTA-VOZ DOS TALIBÃ

Porque as pessoas
aguardavam em medo

ou corriam para o aeroporto
para fugirem do Afeganistão.

As pessoas temiam pelas suas vidas.

Na conferência de imprensa,
tentei falar diretamente ao povo.

Não há nada a temer.
Não fujam do país.

Todo o ódio acabou.

Sua Excelência,
o Líder Supremo, decretou

que todos os que se opuseram a nós
serão perdoados.

Serão todos perdoados.

As famílias que esperam no aeroporto,
com medo, prontas para fugir,

devem voltar para casa agora.

Ninguém irá atrás delas
nem lhes fará mal.

O problema das mulheres é importante.

O Emirado Islâmico comprometeu-se

a proteger os direitos das mulheres
segundo a lei da xaria.

Prometemos-lhes que não haverá
qualquer violência contra elas.

Não permitiremos a discriminação.

Quando Zabihullah Mujahid
deu a conferência de imprensa,

disse: "Aqui estamos nós.
Controlamos o Afeganistão.

PIVÔ DE NOTÍCIAS

"Vamos deixar as mulheres trabalhar,
fazer e vestir o que quiserem."

Mas não foi isso que fizeram.

Em 2016, comecei como repórter
de questões sociais,

e depois,
tornei-me pivô de notícias.

Quando os talibãs vieram,
liguei aos meus colegas.

Perguntei se devia ir
para o trabalho ou não.

Disseram: "Não, é arriscado.

Não venhas.
Eles não querem mulheres aqui."

Quando o regime mudou,
eu quis continuar a trabalhar.

Quis manter-me forte,
mas não me deixaram passar,

apesar de eu ter
a minha identificação.

Mas todos os funcionários homens
puderam entrar.

Ameaçaram-me e disseram-me:

"Não podes trabalhar aqui.
É um novo regime."

Quando publiquei este vídeo
no Twitter,

não esperava
que se tornasse viral tão depressa.

Depois disso, recebi uma oferta
do governo britânico a dizer:

"Queremos salvar a sua vida.

Tem de sair do Afeganistão.
Aquele vídeo fez de si um alvo."

O meu pai trabalhava
na embaixada britânica.

Sabíamos que se os talibãs
descobrissem

que ele trabalhava lá,

podiam matá-lo
e a toda a minha família.

Eu era a ministra interina
dos Assuntos das Mulheres.

Disseram-me que se eu não partisse
nos próximos três dias,

seria assassinada.

E foi então que eu decidi
sair do país.

Chegara o dia 17.
A pista aérea estava aberta.

Estavam a chegar mais fuzileiros.

Começámos a estabelecer
a segurança nos portões

onde íamos processar as operações.

Receber pessoas pelos portões
e levá-las para o terminal

para fazer o seu processamento.
E depois, pô-las em aviões.

Começar formalmente a evacuação.

Teríamos três pontos
de processamento,

os Portões Norte e Este.
E o Portão Abbey era o outro.

Havia muito mais gente
a tentar passar do que pensávamos.

Começámos a desembarcar
mais forças dos aviões,

e o mar de humanos começou
a aparecer para lá dos portões.

Os outros portões
ainda não estavam maus.

Para trás!

Têm de recuar.
Parem de perguntar aos Fuzileiros.

Têm de recuar e pôr-se em ordem.

Isto não vai resultar.

Quando lá chegámos,
ainda não podíamos aceitar pessoas

porque não tínhamos
as táticas disponíveis.

Tínhamos de posicionar pessoas
e assegurar profundidade defensiva.

Verificámos as posições,
entrincheirámo-nos,

caso os talibãs voltassem a disparar.

- Está cheio de talibãs lá fora.
- Que loucura.

Vamos sair.

Os nossos superiores,
generais e almirantes,

estavam a interagir
com a liderança talibã.

Definiam as condições
para sairmos a tempo.

"No dia 31, vão-se embora."

Recebíamos muitos pedidos de baixo,
mas aquele vinha de cima.

Disseram-me:
"Agora trabalhamos com os talibãs."

"Trabalhamos com os talibãs?
Acabei de matar um monte deles."

Fizeram um acordo com os talibãs.

Portanto, tivemos
uma estranha quase paz com eles.

Eles tratavam da segurança exterior
e nós aguentávamos o portão.

Os talibãs estavam lá,
no meio do povo.

A dinâmica estava a mudar
diante dos nossos olhos.

Disseram que eles nos iam ajudar
a controlar a multidão.

Pensámos: "Como assim?
Trabalhamos com os talibãs?"

Eu não podia acreditar.

- Quem são aqueles?
- Talibãs.

- A porra dos talibãs?
- São os talibãs.

Não se metam com eles.
Não disparem contra eles.

Nunca esquecerei
estar lado a lado com os talibãs.

E o profundo sentimento de ódio
que eu sentia

quando os olhava nos olhos.

E o formigueiro
a percorrer-me a coluna

e o instinto de querer lutar.
Notava-se que eles também o sentiam.

Não nos olhavam
com qualquer boa vontade nos olhos.

As nossas unidades
estavam muito próximas deles.

Eu combatia-os há quase 13 anos.

Agora, eu via-os
nos seus últimos momentos aqui,

cercados no aeroporto,

com apenas arame farpado
entre nós e eles.

Se Deus quisesse, íamos expulsá-los
completamente nos dias seguintes.

Estavam a deixar o país,
e isso era muito empolgante.

Dissemos aos americanos
para terem cautela com os mujahedin,

pois muitos tinham sido torturados
pelos americanos,

e receávamos
que eles abrissem fogo

ou fizessem explodir alguns deles.

E todo o cessar-fogo se desmoronaria.

A minha função era de embaixador
americano no Afeganistão.

Depois de chegar ao aeroporto,
pudemos contemplar

as multidões lá fora
e como lidar com elas.

E como retirar aqueles
que queríamos evacuar do país,

como concretizar isso.

Os fuzileiros estavam
a tentar tratar da segurança.

E, naquele caso,
estavam ali 30 fuzileiros

contra 3 mil pessoas a empurrar.

O que não antecipámos
foi o puro desespero,

o medo e a vontade das pessoas

de se colocarem em grande risco

para saírem e retirarem
as famílias do Afeganistão.

- Que raio estamos a fazer?
- Estamos a ser dominados.

Vamos. Para trás!

Foi uma luta
a cada minuto de cada dia.

Se eles penetrassem o portão,
nós falharíamos a nossa missão.

Para trás!

Para trás, porra!

Para trás!

Vamos, vamos.

Foi quando assegurámos os portões
que a luta começou realmente.

Tivemos de perceber
como operar nos portões.

Como abrir o portão e deixar entrar
alguns para processamento?

E depois fechar o portão
sem o perder,

sem vir a inundação.

As famílias ficam juntas. Para trás!

Para trás, porra!

Quando começámos
a operar nos portões,

começou o desastre humano
de toda esta operação.

Quando se tem quilómetros de gente,
coladas umas às outras,

umas em cima das outras.

Estavam ali sentadas, à espera
da sua vez de passar o portão.

A situação no terreno foi algo

que eu nunca vivera
em nenhum dos meus destacamentos.

E fizemos o melhor que podíamos.

A vida diária naqueles portões
não era limpa.

Era suja, cheia de stress.

Levantem-no.

Levanta-te.

Para trás!

O que eu vi ali chocou-me muito.

Mulheres e crianças.
Senti-me muito mal por todos eles.

Durante a evacuação americana,

os afegãos sofreram muito.

Tinham fome, sede,
e as condições eram terríveis.

Quando fomos para o Portão Abbey,

o calor era insuportável.

Vi sete pessoas morrerem
de calor e de fome.

Quando fomos para o aeroporto,
fomos para o Portão Abbey.

Estavam lá talibãs.

Tínhamos medo de ser atacados.

Fomos para lá.

Não havia eletricidade,
o que foi bom,

porque estava escuro.
Ninguém nos via.

Havia tanta gente que se podia dizer
que não havia oxigénio no ar.

Eu ia partir
e não sabia por quanto tempo,

por isso, queria levar
os meus irmãos comigo.

Naquele dia, tivemos uma despedida
muito triste com os nossos pais.

IRMÃ

Estávamos todos destroçados.

Beijei a minha mãe na testa.

Eu não sabia
se a minha família ia sobreviver.

Beijar a minha mãe na testa
é a memória mais dolorosa

do meu último dia em Cabul.

Perguntava-me se alguma vez
voltaria a dar a mão

ou um beijo à minha mãe.

Essa foi a coisa mais dolorosa.

Partimos logo para o aeroporto.

Nunca tínhamos viajado
para o estrangeiro

sem os nossos pais.

Eu nunca tinha ouvido tiros
disparados de tão perto.

Eu pensava: "À próxima bala,
vou perder o ouvido ou o nariz."

- Para trás!
- Vamos, para trás!

Vão! Para trás! Têm de ir por ali.

Esperámos, desesperados
para entrar no aeroporto,

com a esperança de não sermos
atingidos por uma bala.

Usámos munições não letais.
Armas de controlo de motins.

Para trás!

Fomos agressivos.

Tomámos uma posição muito agressiva
com a nossa segurança.

Para trás! Vão!

Gás lacrimogéneo.

Munições.

Balas de borracha
disparadas de caçadeiras.

- Quem te alvejou?
- Foram os estrangeiros.

Fomos recolher um cadáver
e fizeram-me isto.

Ouve, precisamos
de granadas de atordoamento!

Precisamos de granadas não letais!

A minha casa fica
ao lado do aeroporto.

Eu estava lá a vender água.

Passavam lá noite após noite.

Havia tanta gente
que não havia onde dormir.

Todos deambulavam
ou ficavam em pé, assim,

a tentarem aproximar-se do portão.

Havia crianças a serem pisadas.

Uma criança e um idoso morreram,

depois de atingidos
pelo gás lacrimogéneo.

Foi a pior sensação de sempre.

Nós, e todos à nossa volta,
fugíamos pelas nossas vidas.

Não nos podíamos mexer
e era difícil respirar.

Foi horrível.

Algumas famílias desistiram
de tentar entrar no aeroporto.

Diziam: "Não vale a pena
morrer por isto.

Não vamos sair daqui.
Podemos morrer a tentar sair daqui.

Podemos ser mortos."

Mãe! Eu quero ir para casa!

Mãe!

Quero ir para casa!

As pessoas estavam exaustas
e emocionalmente sensíveis.

Eu fui para o aeroporto,

e não sabíamos
se conseguiríamos chegar ao portão.

Por isso, voltámos,

mas aquela cena ficará sempre
na minha mente.

Se têm passaporte,
têm de ir por ali.

Se têm passaporte, vão por ali.

- Não. Espera.
- Levanta-te. Para trás!

Havia uma carta
que o Departamento de Estado

devia enviar às pessoas.

Percebemos rapidamente
que toda a gente a reenviava

ou tirava uma foto
e a enviava para todos.

Porque não tinha nomes específicos.

Algumas pessoas gritavam:

"Ajudem-me,
tenho esta carta da embaixada."

Ou mostravam a identificação,
mas não era a correta.

Alguns tinham
a identificação correta,

e ajudávamo-los. "Anda, salta."

Mas os outros,
que tínhamos de mandar embora

por não terem esse requisito...

O que podíamos fazer?
Tínhamos de os afastar.

Havia mulheres, crianças,
a implorar, a chorar, a gritar.

"Por favor, senhor!
Os talibãs vão matar-me."

Ajudem-me!
Quero ajudar a minha família!

Os talibãs vão entrar
na minha casa! Por favor!

Aquilo por que passaram,
a tentar passar os portões,

nem imagino como se sentiam
do outro lado.

Lidámos com pessoas
cobertas de sangue.

Podem ter sido alvejadas ou feridas,

ou estarem ali há dias
sem água nem comida.

Eles estavam...

Viravam-se contra si,
porque não tinham para onde ir.

Ia-se a um portão,
e o calor e o cheiro eram intensos.

Todos os portões cheiravam mal,
mas o Abbey era o pior.

Acho que eles estavam
junto de um canal de esgotos.

Estavam no meio de fezes e urina.

Se os puxássemos,
era daí que os tirávamos.

Se os empurrássemos,
era lá que iam parar.

Descemos para o canal.

Ficámos lá dentro
durante quatro horas.

Estava cheio de lixo,
o esgoto chegava aqui.

As pessoas estavam lá dentro

só para tentarem escapar
e sobreviver.

Naquela altura, era cada um por si,
a tentar salvar-se.

Víamos chegar pessoas
que não sobreviviam, que morriam.

Lidámos com tudo.

Crianças a serem empurradas,
esmagadas,

apanhadas pela multidão.

Chegavam feridos,
a morrer, a sangrar.

Havia gente
que estava lá há 4 ou 5 dias.

E no entanto, continuavam lá.

Havia mulheres a dar à luz
à nossa frente.

Famílias a entregar os bebés
e a desistir.

E a tentarem voltar para trás.

"Salvem só isto."

Esse foi um caso entre centenas
de crianças a serem entregues.

E é triste ver estes recém-nascidos,
estas crianças...

Havia mulheres
com os bebés mortos no colo,

porque morreram nos seus braços
enquanto tentavam passar portão.

Elas entregavam-nos o seu bebé
e perguntávamos:

"O que quer que faça com isto?"

Tornou-se normal para nós,
e é triste dizê-lo.

Algumas raparigas da minha equipa...

Duvido muito
que alguma vez se esqueçam disso.

Os órfãos que passavam,
cujos pais morriam na multidão.

Tínhamos inúmeros homens
e mulheres nas tendas de busca,

a cuidar de bebés, crianças pequenas.
Os pais nunca passaram o portão.

Algumas crianças
separaram-se das famílias.

Não sabiam dos pais
porque eles não sobreviveram.

Não vejo a minha mãe desde ontem.
Ela está perdida.

Ela vem. Ela vai voltar, está bem?

Nos dias seguintes, começámos
a receber as pessoas nos portões.

Por aqui, por favor.

Vamos. Pode ir.

- Por aqui, por favor.
- Vamos. Por aqui.

Pode ir. Continue.

Os consulados do Dep. de Estado
verificavam os documentos.

Tentávamos receber as pessoas,
fazer a sua verificação

e levá-las para o terminal
para poderem voar.

O portão abria-se só um pouco
para deixar as pessoas passar.

Por aqui, por favor. Vai ficar bem.

Obrigado.

Como eu tinha documentos e e-mails,
um soldado chamou-me.

Ele disse: "Está bem, pode vir."
Está em segurança."

Conseguimos.

Estávamos ali há quatro dias,
a tentar passar o portão.

Os soldados tiraram-nos do canal

e levaram-nos para o aeroporto.

Gostava que eles não tivessem fugido
do seu próprio país,

do seu próprio solo.

Gostava que tivessem partilhado

da nossa vitória
e da derrota da América.

Foi uma situação muito triste.

Eles saiam do país deles sem nada.

Senti muita pena deles,

porque nunca imaginei
ter de deixar a minha vida,

tudo aquilo por que trabalhei tanto,
deixá-lo para trás.

E tentar esperar e rezar
para entrar num avião e sair do país.

Revistaram-nos quando entrámos.

Puseram-nos pulseiras
de identificação nos pulsos.

Quando entrámos no avião,
havia muita gente a bordo.

O meu irmão e a minha irmã
estavam comigo.

Estávamos muito tristes por tudo
o que passámos para lá chegar.

Pensamentos inundaram-me a mente

de como conseguimos passar por pouco

e de como tinha sido terrível.

As circunstâncias em que parti
foram uma questão de vida ou morte.

Deixamos um sítio
que nunca pensamos deixar.

Mas deixamo-lo
porque não podemos viver.

Tínhamos o sistema de rastreio.

Estávamos a documentar
quantos cidadãos ajudámos.

Eram mais de cem mil.

E o relatório de ameaças
também aumentava.

Sabíamos que um dos portões
era um alvo.

Algum bombista suicida.

Alguma coisa ia acontecer.

Estavam assustados com uma bomba ali.

Há um potencial ataque
do Estado Islâmico

nas próximas 48 horas.

Vão atacar-nos a nós ou à multidão?

A nós e ao público ao mesmo tempo.
Vai lixar toda a gente.

Os relatos de ameaças do EI
aumentavam cada vez mais

e, por isso, estavam todos
em estado de alerta.

- Porra!
-C'um caraças!

Os Portões Norte e Este
davam para estradas,

expostos ao pior
que podia ter acontecido.

Um veículo com um engenho
explosivo improvisado.

Cabe muito material explosivo
naquelas coisas.

- Venham todos para aqui.
- Mexam-se!

Vá lá, vamos. Para ali. Vamos!

Qual é o carro?

Como sabem que é um VBIED?

Informações do Exército.
Isto é mau, isto é muito mau.

- Baixem-se!
- Baixem-se todos.

Baixem-se!

Não gosto daquela carrinha.

Não gosto que andem tão devagar.

Recebemos informações
sobre o Estado Islâmico.

Planeavam atacar com um carro-bomba
e um suicídio no aeroporto.

26 DE AGOSTO
11 DIAS APÓS A TOMADA DOS TALIBÃS

Tomámos medidas mais fortes
nos Portões Norte e Este no dia 26,

porque as informações
começavam a aumentar.

Pessoalmente,
eu já não me sentia à vontade.

Por isso, decidimos parar de receber
pessoas naqueles portões.

Os Portões Norte e Este
pararam de receber indivíduos.

Mais pessoas começaram
a ir para o Portão Abbey

porque perceberam que estava aberto.

Todos tinham uma mochila.

Portanto, é muito difícil
com uma ameaça dessas,

porque todos são uma ameaça.

Quando nos aproximámos do portão,

em frente ao canal,
houve um grande estrondo.

Diziam que podia haver
um engenho explosivo.

O rumor desvaneceu
e continuámos a receber pessoas.

Dissemos: "Mas que raio?"
Recuámos um pouco, não muito,

porque ainda recebiam pessoas.
Estive sempre com receio.

A bomba explodiu.
Eu estava a cerca de 50 metros.

A cabeça de uma mulher
foi separada do corpo

e ficou presa
na cerca de arame farpado.

Foi uma carnificina,
algo como eu nunca tinha visto.

Vimos fuzileiros desfeitos.

Vimos pessoas fazerem isto
e soubemos que estavam a tratá-los.

Eu estava dentro da zona de explosão
do engenho explosivo.

Vi o clarão e senti o calor.

Atirou-me ao chão

e levei com um estilhaço
no meu lado direito.

Muitos fuzileiros e marinheiros
que estavam à minha frente,

eram soldados sob o meu comando
e morreram.

No rescaldo imediato, houve disparos.

Eu ouvi tiros.

Foram alguns dos fuzileiros
no portão a disparar.

Um engenho explosivo
nunca vem sozinho.

Pode seguir-se
um ataque de atiradores furtivos.

Há sempre algo a acompanhá-lo.

Fortalecemos a posição,
tornamo-nos difíceis de matar.

Alvejaram muita gente.

Os americanos estavam aterrorizados
e alvejaram toda a gente.

A explosão deu-se
a 80 ou 100 metros de nós.

Quando alvejaram as pessoas,

víamos as feridas de bala
nos seus corpos.

A minha filha!

Eles alvejaram-me.

Quando lá chegámos, era uma loucura.

Era cadáveres por tudo que era sítio.

Corpos lançados
para o canal de esgotos.

Outros ficaram presos
no arame farpado.

A explosão deu-se a cinco
ou seis metros de nós, no canal.

Acho que estive inconsciente
durante um minuto ou dois.

Quando acordei,
tinha a água do esgoto na boca.

E quando me levantei,
havia carne humana

nas minhas roupas
e nos meus cabelos.

Três dos meus irmãos morreram.

Tinham grandes ferimentos
de estilhaços na cabeça.

O GRUPO ESTADO ISLÂMICO
REIVINDICOU

O ATAQUE NO PORTÃO ABBEY.

TREZE SOLDADOS AMERICANOS
MORRERAM NA EXPLOSÃO.

MAIS DE 170 CIVIS AFEGÃOS
FORAM MORTOS.

Os americanos retiraram-se
para dentro do aeroporto.

Fecharam os portões
e deixaram-nos desertos.

Então, as pessoas
não tinham hipótese de entrar.

Durante várias noites,
o cheiro era tão forte

que não conseguíamos dormir.

Vieram muitos cães
porque havia carne por todo o lado

e eles estavam a comê-la.

Os portões estavam fechados.
Não aceitávamos mais pessoas.

As pessoas que estavam na base
a quem fizemos o processamento,

a nossa função
era metê-las num avião.

- Eu sou o maior.
- Sim, sim.

- Olá, olá.
- Obrigado pela ajuda.

Obrigado pela vossa cooperação.
Obrigado, obrigado.

Já está, terminado! Conseguimos.

Aproximávamo-nos rapidamente
do dia 31 de agosto.

O caos tinha mesmo acabado.

Tínhamos a sensação
de que já não éramos bem-vindos.

Tínhamos de sair.
Os talibãs estavam ali à porta

a dizer: "31, vão-se embora."

O plano de destruição
entrou em vigor nos últimos dias.

Destruímos
todo o equipamento sensível.

Para tornar o equipamento militar
inútil para os talibãs.

Tornou-se numa espécie de vale-tudo.

Destruir janelas,
partir veículos, partir mobília.

Preparávamo-nos para embarcar
e foi surreal. Não sei porque choro.

Eu só desejava
que conseguíssemos ir embora.

E conseguimos.
E quando o avião descolou,

pensei: "Meu Deus, acabou."

Foi a melhor sensação.

Foi mesmo bom.

Era o último dia. A minha unidade

era a última unidade de segurança
dos Fuzileiros no Afeganistão.

Isto era o fim de uma era,

e penso que fizemos
muito bem a muita gente

e trouxemos muitas coisas
para aquele país.

Mas ver os talibãs
tomarem-no de novo,

isso será sempre difícil. Sempre.

Estávamos apinhados,
como os evacuados.

Não era muito confortável,

mas tentas que a tua mente
não vagueie muito.

Então, limpas a tua arma,

olhas para trás e refletes
sobre o que acabámos de fazer.

Caros compatriotas americanos,
a guerra no Afeganistão terminou.

O sucesso extraordinário desta missão

deveu-se às capacidades incríveis
e à coragem e altruísta

dos militares americanos
e dos nossos diplomatas

e dos serviços secretos.

Vinte anos.
Obviamente, não é um sucesso,

mas temos de viver
com o que não conseguimos fazer.

31 DE AGOSTO

O plano era eu apanhar
o último voo para fora.

Descolámos por volta da meia-noite.

Eu estava muito calado
e muito melancólico.

Foi muito triste.

Uma grande perda.

Os últimos aviões descolaram.

Vinte anos de invasão. Isto é o fim.

Nessa noite, filmei os meus amigos.

- O Emirado Islâmico do Afeganistão!
- Longa vida!

- O Emirado Islâmico do Afeganistão!
- Longa vida!

Estamos livres. O Afeganistão ocupado
é agora um Afeganistão livre.

As forças especiais
vão desimpedir esta área.

Há meia hora,
os americanos estavam aqui.

Vão. Façam um ar profissional.
Estamos a ser filmados.

Bom trabalho, pessoal!

Vi uma guerra mesmo muito brutal.
Morreram milhares de pessoas.

Como afegão, foi um momento
de muito orgulho para mim.

E eu sabia que os meus amigos

não precisariam de realizar
um ataque suicida.

Eles destruíram
todos os aviões e carros.

- Não deixaram nada intacto.
- Que confusão.

Durante 20 anos, eles usaram
o seu equipamento moderno

para nos destruir, matar e oprimir.

Isto foi...

... o fim.

FEVEREIRO DE 2022

As nossas vidas mudaram muito.

Quando os talibãs vieram,
toda a ajuda acabou.

As pessoas estão falidas
e há muito desemprego.

Não trabalho há cinco meses.
Fiquei em casa.

Até vendi as minhas cortinas
para comprar pão para os meus filhos.

Antes de entrar naquele avião,

nunca tinha pensado em fugir
para algum lado

ou em tornar-me refugiada.

Quando entrámos no avião
e ele levantou voo,

pensei: "Agora, sou uma refugiada."

Deixámos tudo para trás.
Os nossos pais, o nosso país, tudo.

Quando abandonamos a nossa casa,

a nossa vida, os nossos estudos,
os nossos amigos e o nosso país,

sentimo-nos dormentes.

Não sabemos para onde vamos,
nem o que o futuro nos reserva.

Quando entrei no avião,
senti-me dormente. Queria morrer...

... ou adormecer.

Há muitas pessoas
que correm risco elevado

que ainda estão no Afeganistão.

Conheço muitos exemplos,
e eles continuam presos.

Portanto, a situação
continua a ser desastrosa.

A vida no Afeganistão mudou
muitas coisas para as mulheres.

É uma sensação terrível
quando não sabemos o nosso futuro.

Eu não faria a mínima ideia
de como seria o meu próximo ano

ou o meu dia seguinte,
no Afeganistão.

A nossa única opção é sermos fortes

e aceitarmos
o que o futuro nos trará.

124 MIL PESSOAS FORAM LEVADAS
DURANTE A EVACUAÇÃO DE CABUL,

A MAIOR NA HISTÓRIA
CONTEMPORÂNEA DOS EUA.

EM JULHO DE 2022, UM RELATÓRIO DA ONU
DESCOBRIU QUE O NOVO GOVERNO TALIBÃ

LIMITOU O ACESSO DAS MULHERES
AO TRABALHO E À EDUCAÇÃO,

E MATOU, TORTUROU OU PRENDEU
CENTENAS DE ANTIGOS INIMIGOS.