All language subtitles for Caravaggio The Soul and the Blood 2018

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00:02:58,083 --> 00:03:00,918 Agora saberia senti-la, v�-la... 15 00:03:01,959 --> 00:03:03,667 am�-la. 16 00:03:08,083 --> 00:03:11,334 Agora saberia defender a minha liberdade, 17 00:03:11,584 --> 00:03:13,667 mesmo a custo da minha pr�pria vida. 18 00:03:42,999 --> 00:03:46,999 A vida de Caravaggio esteve sempre envolta num mist�rio. 19 00:03:48,709 --> 00:03:53,083 Em 2007, uma descoberta extraordin�ria abala o mundo da Arte. 20 00:03:53,876 --> 00:03:55,792 No Arquivo Diocesano de Mil�o, 21 00:03:55,876 --> 00:03:59,334 foi encontrada a certid�o de baptismo de Michelangelo Merisi. 22 00:04:00,334 --> 00:04:05,834 Foi baptizado a 30 de Setembro de 1571, na igreja de Santo Stefano em Brolo, 23 00:04:05,918 --> 00:04:09,501 e n�o em Caravaggio, como at� agora se cria. 24 00:04:10,042 --> 00:04:13,542 Nascera no dia anterior, a 29 de Setembro, 25 00:04:13,626 --> 00:04:18,042 na festa de S�o Miguel, o Arcanjo, da� o seu nome, Michelangelo. 26 00:04:33,667 --> 00:04:37,834 Aos seis anos, Caravaggio vive o primeiro trauma da sua exist�ncia. 27 00:04:39,792 --> 00:04:44,709 Para fugir � peste, os Merisi abandonam Mil�o e v�o para a terra dos antepassados, 28 00:04:45,375 --> 00:04:46,834 Caravaggio. 29 00:04:47,959 --> 00:04:51,042 Contudo, a fuga n�o salva o pai, o av� e o tio. 30 00:04:51,667 --> 00:04:52,999 Morrem os tr�s. 31 00:04:57,292 --> 00:04:59,999 Terminada a epidemia em 1584, 32 00:05:00,083 --> 00:05:04,667 Caravaggio regressa a Mil�o para estudar pintura no atelier de Simone Peterzano, 33 00:05:04,751 --> 00:05:08,542 um ilustre Mestre que fora aluno de Ticiano em Veneza. 34 00:05:11,834 --> 00:05:13,999 Caravaggio tinha apenas 13 anos. 35 00:05:14,083 --> 00:05:17,584 E com Peterzano aprende o estilo t�pico dos pintores lombardos, 36 00:05:17,667 --> 00:05:19,834 inspirados na Escola Veneziana, 37 00:05:19,918 --> 00:05:24,918 particularmente interessado na luz e na representa��o da realidade. 38 00:05:33,417 --> 00:05:35,999 Estuda v�rios anos, sob a indica��o do Mestre, 39 00:05:36,042 --> 00:05:39,375 mas nada resta das obras que realizou nesse per�odo. 40 00:05:43,709 --> 00:05:47,918 Contudo, pesquisas recent�ssimas revelaram algo de extraordin�rio. 41 00:05:48,542 --> 00:05:53,667 Um manuscrito in�dito de Gaspare Celio, agora encontrado e datado de 1614, 42 00:05:54,459 --> 00:05:58,459 conta que o pintor fugiu de Mil�o depois de ter morto um homem. 43 00:06:17,999 --> 00:06:21,999 Costumam dizer-me que n�o h� necessidade de reproduzir a realidade tal como ela �. 44 00:06:23,042 --> 00:06:25,083 Talvez precisamente o contr�rio. 45 00:06:26,792 --> 00:06:29,834 Eu sou capaz disso, alimento-me de realidade, 46 00:06:29,918 --> 00:06:32,751 n�o conhe�o mais nada, nem dentro nem fora da realidade. 47 00:06:33,292 --> 00:06:36,626 Dos olhos � mente, da mente � m�o, 48 00:06:37,250 --> 00:06:38,999 da m�o ao cora��o. 49 00:06:40,667 --> 00:06:44,459 A realidade, tal como a pintura, vive ami�de de enganos, 50 00:06:44,918 --> 00:06:46,999 ou talvez de ilus�es. 51 00:06:55,125 --> 00:06:58,375 Mil�o, antes do crime de sangue em que se viu envolvido, 52 00:06:58,459 --> 00:07:01,292 serve de escola de forma��o do pintor Caravaggio. 53 00:07:02,375 --> 00:07:04,334 No refeit�rio de Santa Maria delle Grazie, 54 00:07:04,417 --> 00:07:07,375 Caravaggio ter� estudado a "�ltima Ceia" de Leonardo da Vinci. 55 00:07:11,501 --> 00:07:13,292 � prov�vel que Peterzano 56 00:07:13,375 --> 00:07:17,167 tenha sugerido aos alunos que se inspirassem naquela obra-prima. 57 00:07:17,250 --> 00:07:20,751 E Caravaggio, quando anos depois, pintou "Cesto de Frutas", 58 00:07:20,834 --> 00:07:22,751 hoje na Biblioteca Ambrosiana, em Mil�o, 59 00:07:22,834 --> 00:07:26,417 inspirou-se na natureza-morta presente na mesa da "�ltima Ceia", 60 00:07:27,542 --> 00:07:30,334 hoje, infelizmente, praticamente esbatida. 61 00:07:33,167 --> 00:07:37,417 O "Cesto de Frutas", pintado para o Cardeal Federico Borromeo, 62 00:07:37,501 --> 00:07:40,125 � um exemplo da sua primeira forma de pintar. 63 00:07:43,542 --> 00:07:45,751 N�o h� nada de mais sereno: 64 00:07:46,125 --> 00:07:49,209 um cesto de vime, com fruta, folhas de videira... 65 00:07:49,626 --> 00:07:52,999 Um fundo completamente neutro. Quase um n�o-lugar. 66 00:07:53,501 --> 00:07:56,999 J� se nota aquela que ser� uma caracter�stica fundamental do seu trabalho: 67 00:07:57,542 --> 00:07:59,876 a elimina��o do ambiente. 68 00:08:02,083 --> 00:08:05,667 Caravaggio neutraliza o espa�o em torno daquilo que representa, 69 00:08:06,167 --> 00:08:09,167 como se as imagens se inscrevessem num lugar metaf�sico. 70 00:08:09,792 --> 00:08:12,209 � criado um contraste na percep��o: 71 00:08:12,292 --> 00:08:15,667 o "nada" e a presen�a dram�tica daquilo que se pretende representar. 72 00:08:15,959 --> 00:08:18,792 Quase conseguimos imaginar-nos a tocar nestas ma��s, 73 00:08:18,876 --> 00:08:22,209 estes galhos de uvas, estes figos... estas folhas. 74 00:08:22,959 --> 00:08:27,501 O cesto ligeiramente inclinado para a frente parece mover-se na nossa direc��o, 75 00:08:27,584 --> 00:08:30,042 levando-nos a aproximarmo-nos da obra. 76 00:08:30,918 --> 00:08:32,918 A arte � um chamamento. 77 00:08:33,375 --> 00:08:34,375 Um im�. 78 00:08:46,918 --> 00:08:51,167 A chegada a Roma, aos 25 anos, � para Caravaggio um ponto de inflex�o. 79 00:08:52,125 --> 00:08:56,542 Os seus primeiros tempos, jovem e sem dinheiro, n�o devem ter sido f�ceis. 80 00:09:00,083 --> 00:09:01,709 "Indigente e esfarrapado", 81 00:09:01,792 --> 00:09:05,959 como o descreve um dos seus antigos bi�grafos, Giovanni Pietro Bellori, 82 00:09:05,999 --> 00:09:09,209 encontra hospitalidade junto de Monsenhor Pandolfo Pucci, 83 00:09:09,292 --> 00:09:10,999 um padre da Bas�lica de S�o Pedro, 84 00:09:11,042 --> 00:09:14,501 na esperan�a de entrar em contacto com a Corte Pontif�cia. 85 00:09:16,125 --> 00:09:19,292 O "Monsenhor Salada", conforme lhe chamava Caravaggio, 86 00:09:19,375 --> 00:09:22,250 gra�as � dieta escassa e mon�tona que lhe proporcionava. 87 00:09:23,417 --> 00:09:27,751 Este trata o artista com condescend�ncia encarregando-o de copiar quadros devotos 88 00:09:27,834 --> 00:09:29,876 e outros de somenos import�ncia. 89 00:09:29,959 --> 00:09:33,125 Caravaggio n�o suporta isso e parte. 90 00:09:38,876 --> 00:09:42,250 Vivendo agora na mis�ria, sofre uma grave doen�a, 91 00:09:42,334 --> 00:09:45,542 e d� entrada no Hospital della Consolazione. 92 00:09:47,375 --> 00:09:51,792 Quem sabe se ser� o dele o rosto de "Baco Doente", hoje na Galeria Borghese? 93 00:10:08,876 --> 00:10:11,083 No seu lan�amento no panorama romano, 94 00:10:11,167 --> 00:10:14,459 Caravaggio escolhe o antigo deus do vinho e dos bacanais. 95 00:10:17,918 --> 00:10:19,584 Um tema ambivalente. 96 00:10:20,626 --> 00:10:24,584 Um tema que pode interpretar-se quer em senso pag�o, o Deus Baco, 97 00:10:26,626 --> 00:10:30,667 como em senso crist�o, como prefigura��o de Jesus Cristo. 98 00:10:38,334 --> 00:10:43,042 As uvas que tem na m�o lembram o vinho bebido por Jesus em "A �ltima Ceia", 99 00:10:44,334 --> 00:10:47,751 enquanto que a hera alude talvez � cruz e � Paix�o. 100 00:10:49,792 --> 00:10:52,959 A obra � ao mesmo tempo �ntima e desconcertante. 101 00:10:53,417 --> 00:10:56,292 Dir-se-ia que pod�amos estender a m�o e tocar-lhe, 102 00:10:56,375 --> 00:10:59,709 mas o seu olhar frio e evasivo mant�m-nos � dist�ncia. 103 00:11:01,626 --> 00:11:05,501 Hoje temos uma ideia de Caravaggio como o t�pico g�nio solit�rio, 104 00:11:06,083 --> 00:11:07,459 sempre sozinho, 105 00:11:07,834 --> 00:11:12,709 sempre focado no seu trabalho, muito distante das coisas normais da vida. 106 00:11:12,792 --> 00:11:13,999 Mas n�o era assim. 107 00:11:14,083 --> 00:11:18,250 Caravaggio estava muito envolvido na sociedade e na vida da sua �poca, 108 00:11:18,334 --> 00:11:20,751 e tinha rela��es estreit�ssimas com os colegas. 109 00:11:20,834 --> 00:11:22,375 Depois, quando veio para Roma, 110 00:11:22,459 --> 00:11:26,417 tentou naturalmente inserir-se na grande vida art�stica da cidade. 111 00:11:26,501 --> 00:11:29,999 Uma cidade que, naquela altura, era a capital das artes. 112 00:11:30,083 --> 00:11:33,792 E Caravaggio vai trabalhar no atelier mais importante da �poca, 113 00:11:33,876 --> 00:11:36,959 o atelier de Giuseppe Cesari, o Cavali�r d'Arpino. 114 00:11:38,250 --> 00:11:44,459 E o Cavali�r d'Arpino p�e Caravaggio a pintar flores e frutos, 115 00:11:44,542 --> 00:11:48,417 o que n�o agradou a Caravaggio, h� testemunhos ineg�veis disso. 116 00:11:57,542 --> 00:12:00,542 N�o h� vontade que chegue, quando n�o se tem sorte. 117 00:12:04,959 --> 00:12:07,584 Sem sorte, n�o � poss�vel ter qualquer sucesso. 118 00:12:12,334 --> 00:12:13,876 A sorte... 119 00:12:15,167 --> 00:12:19,042 veloz como os rel�mpagos que rasgam subitamente o negro c�u. 120 00:12:22,709 --> 00:12:25,042 Imprevis�vel, indom�vel, 121 00:12:25,125 --> 00:12:26,667 impar�vel. 122 00:12:32,876 --> 00:12:36,250 Quantas vezes a desafiei, e quantas vezes me derrotou... 123 00:12:44,999 --> 00:12:48,125 Mas eu n�o me rendo, aposto ainda mais. 124 00:12:54,167 --> 00:12:58,375 N�o receio continuar a atirar os dados e aumentar a parada... 125 00:13:01,834 --> 00:13:05,125 Fa�o-o na minha vida e fa�o-o na pintura. 126 00:13:10,250 --> 00:13:12,417 A minha arte assombrar-vos-�. 127 00:13:13,751 --> 00:13:15,375 Vai modificar-vos. 128 00:13:25,667 --> 00:13:27,542 Numa cidade em pleno desenvolvimento, 129 00:13:27,626 --> 00:13:31,876 que no jubileu de 1600, v� chegar tr�s milh�es de peregrinos, 130 00:13:31,959 --> 00:13:35,375 a vida de Caravaggio divide-se entre a pintura e o divertimento. 131 00:13:37,876 --> 00:13:39,999 "Quando trabalha um par de semanas," 132 00:13:40,083 --> 00:13:43,042 "depois mandria durante um m�s ou dois de espada � cintura," 133 00:13:43,125 --> 00:13:45,042 "acompanhado por um criado." 134 00:13:46,125 --> 00:13:48,209 "E anda de jogo em jogo," 135 00:13:48,292 --> 00:13:50,492 "sempre pronto a bater-se em duelo e a andar � pancada." 136 00:13:52,083 --> 00:13:54,167 Assim relata Karel van Mander, 137 00:13:54,250 --> 00:13:56,626 historiador e cr�tico de arte flamengo do s�culo XVII, 138 00:13:56,709 --> 00:13:59,375 que descreve uma Roma dissoluta e perigosa. 139 00:14:01,417 --> 00:14:04,542 "Convidar-vos-ia a ir l�, se n�o receasse que se perdessem," 140 00:14:04,626 --> 00:14:08,250 "porque Roma � a capital das escolas de pintura," 141 00:14:08,334 --> 00:14:13,542 "mas � tamb�m o lugar em que esbanjadores e filhos pr�digos gastam tudo o que t�m." 142 00:14:21,876 --> 00:14:25,542 Caravaggio orientava-se muito bem neste mundo povoado de bares, 143 00:14:25,626 --> 00:14:28,584 prostitutas e gente mal-afamada. 144 00:14:34,375 --> 00:14:38,167 H� v�rios documentos que confirmam uma certa propens�o para a irrequietude. 145 00:14:38,834 --> 00:14:41,999 Basta recordar algumas das muitas quest�es judiciais. 146 00:14:42,083 --> 00:14:45,918 Uma queixa contra ele, datada de 19 de Novembro de 1600 por agress�o. 147 00:14:46,459 --> 00:14:50,626 Uma cita��o em tribunal por parte do seu futuro bi�grafo, Giovanni Baglione, 148 00:14:50,709 --> 00:14:52,834 de 28 de Agosto de 1603. 149 00:14:53,167 --> 00:14:57,250 E em 1604, a acusa��o por parte dum rapaz duma estalagem 150 00:14:57,667 --> 00:15:01,999 que alegou ter levado na cara com um prato de alcachofras, atirado pelo pintor. 151 00:15:16,083 --> 00:15:20,292 Caravaggio era bem conhecido nas estalagens e tabernas de Campo Marzio. 152 00:15:20,918 --> 00:15:24,999 E a espada, sempre � cintura, parecia ser um fiel companheiro. 153 00:15:27,792 --> 00:15:30,999 E este aspecto de Roma, de que o pintor tanto gostava, 154 00:15:31,083 --> 00:15:34,999 surge em dois dos seus trabalhos, evocando o seu fasc�nio por este submundo. 155 00:15:38,959 --> 00:15:43,501 Em "Os Trapaceiros", o rosto dos dois jovens � mesa s�o extraordin�rios. 156 00:15:43,959 --> 00:15:48,292 Parecem ser a mesma pessoa, mas t�m caracter�sticas e atitudes opostas. 157 00:15:48,792 --> 00:15:52,417 Um � ing�nuo e tranquilo, o outro � manhoso e tenso. 158 00:15:57,417 --> 00:16:00,209 O tema da trapa�a � tratado de modo divertido, 159 00:16:00,292 --> 00:16:01,876 assim descrito por Bellori: 160 00:16:02,501 --> 00:16:05,709 "V�-se um jovem simples, de cartas na m�o," 161 00:16:05,792 --> 00:16:09,584 "e frente a ele, de perfil, v�-se um jovem aldrab�o," 162 00:16:09,667 --> 00:16:11,999 "este, inclinado, e de m�o apoiada na mesa do jogo," 163 00:16:12,083 --> 00:16:15,542 "retira com a outra m�o, uma carta falsa que tem no cinto." 164 00:16:15,626 --> 00:16:20,083 "Uma terceira figura, junto ao jovem ing�nuo, v�-lhe as cartas," 165 00:16:20,167 --> 00:16:23,667 "e indica-as ao seu c�mplice, estendo tr�s dedos da m�o." 166 00:16:29,834 --> 00:16:33,250 "A Adivinha" versa tamb�m sobre o tema da aldrabice. 167 00:16:33,709 --> 00:16:38,459 Aqui, uma cigana olha intensamente e descarado um desventurado jovem 168 00:16:38,918 --> 00:16:40,918 e enquanto lhe l� a m�o, 169 00:16:41,375 --> 00:16:43,751 furta-lhe impunemente um anel. 170 00:16:46,083 --> 00:16:48,292 Trata-se dum quadro de constru��o teatral, 171 00:16:48,375 --> 00:16:51,792 em que a verdade, ou melhor, a artimanha da cigana, 172 00:16:51,876 --> 00:16:53,876 s� se nota com um olhar atento. 173 00:16:59,459 --> 00:17:02,999 Estes dois quadros impressionaram muito o Cardeal Del Monte, 174 00:17:03,042 --> 00:17:06,417 um coleccionador apurado e grande apoiante das artes. 175 00:17:08,417 --> 00:17:13,417 O Cardeal fica de tal modo entusiasmado com Caravaggio, que o leva para casa, 176 00:17:13,834 --> 00:17:17,959 e o p�e a trabalhar em sua casa, onde havia o atelier de outro artista. 177 00:17:18,334 --> 00:17:21,999 O Cardeal tinha uma esp�cie de Cen�culo em sua casa, 178 00:17:22,083 --> 00:17:25,959 recebendo m�sicos, actores, pintores, escultores... 179 00:17:25,999 --> 00:17:28,292 E documentos da �poca indicam que Caravaggio 180 00:17:28,375 --> 00:17:31,751 organizou uma esp�cie de comiss�o, 181 00:17:31,834 --> 00:17:35,417 um pouco como se passava nos anos 60 em Nova Iorque, 182 00:17:35,501 --> 00:17:38,417 com Andy Warhol e a Factory... 183 00:17:38,501 --> 00:17:43,959 Era uma reuni�o de muitos artistas de v�rias tend�ncias e capacidades. 184 00:17:43,999 --> 00:17:46,417 Viviam e trabalhavam juntos, 185 00:17:46,501 --> 00:17:50,042 e cada um fazia o melhor que sabia, dentro do seu talento. 186 00:17:51,834 --> 00:17:53,834 Gra�as � protec��o do Cardeal, 187 00:17:53,918 --> 00:17:56,417 a inquietude de Caravaggio parece aplacar-se. 188 00:17:57,375 --> 00:18:01,125 Mas pouco depois, novos eventos vir�o abalar a sua exist�ncia. 189 00:18:20,542 --> 00:18:22,250 Cometi tantos erros. 190 00:18:22,918 --> 00:18:25,125 E cometerei muitos mais. 191 00:18:28,667 --> 00:18:31,459 Mas a cada vez compreendo que a mudan�a � vida. 192 00:18:42,334 --> 00:18:46,042 A pintura ajuda-me a conhecer-me melhor, obra ap�s obra. 193 00:18:57,918 --> 00:19:01,292 Nos meus quadros me revejo, a mim e aos meus fracassos. 194 00:19:05,042 --> 00:19:07,209 Mas aqui, ao menos vejo-o claramente, 195 00:19:09,876 --> 00:19:11,918 quase como que num espelho. 196 00:19:20,959 --> 00:19:24,542 Como aqueles jarros com �gua cristalina que reflectem o que os rodeia. 197 00:19:37,542 --> 00:19:39,459 � uma esp�cie de magia... 198 00:19:40,999 --> 00:19:43,542 porque eu estou sempre l� dentro. 199 00:20:03,209 --> 00:20:05,999 Caravaggio considerava como seu talento supremo 200 00:20:06,042 --> 00:20:09,959 a capacidade para reproduzir transpar�ncias e reflexos na �gua. 201 00:20:10,250 --> 00:20:14,250 Como testemunha um dos seus primeiros bi�grafos, Giovanni Baglione, 202 00:20:14,584 --> 00:20:16,999 ao descrever "O Tocador de Ala�de", 203 00:20:17,083 --> 00:20:21,250 nas palavras do pr�prio Caravaggio: "A mais bela obra que j� fiz". 204 00:20:27,792 --> 00:20:32,501 Um rapaz "ef�bico" dedilha um ala�de, olhando directamente para n�s, 205 00:20:32,584 --> 00:20:35,083 com uma express�o t�o emotiva, 206 00:20:35,167 --> 00:20:37,792 que os olhos parecem estar marejados de l�grimas. 207 00:20:44,751 --> 00:20:47,542 Caravaggio sabe reunir realidade e beleza, 208 00:20:48,792 --> 00:20:52,459 consegue atordoar o observador, transportando-o para a pr�pria cena, 209 00:20:55,876 --> 00:20:57,999 e a sua execu��o da transpar�ncia 210 00:20:58,250 --> 00:21:00,209 funciona como uma esp�cie de im�. 211 00:21:03,417 --> 00:21:07,209 Raramente se vira tal n�vel de sofistica��o art�stica. 212 00:21:14,542 --> 00:21:18,125 Esta � a sedu��o da arte, segundo Caravaggio. 213 00:21:30,083 --> 00:21:33,417 N�o h� obra dele mais oscilante entre o sacro e o profano, 214 00:21:33,501 --> 00:21:36,417 do que o seu "Baco", hoje na Galeria dos Of�cios, 215 00:21:36,959 --> 00:21:39,999 um quadro pintado para o Cardeal del Monte. 216 00:21:41,417 --> 00:21:46,375 Baco olha directamente para o observador com uma express�o docemente ir�nica, 217 00:21:46,876 --> 00:21:49,083 oferecendo-lhe um belo copo de vinho tinto. 218 00:21:55,334 --> 00:21:59,209 A seu lado, uma natureza-morta e um jarro de vinho quase negro, 219 00:21:59,292 --> 00:22:01,334 com umas bolhinhas � superf�cie: 220 00:22:01,792 --> 00:22:06,501 um toque de realismo que faz parecer ainda mais real o momento capturado no quadro. 221 00:22:07,999 --> 00:22:13,125 Um pintor cl�ssico nunca teria pintado Baco assim, 222 00:22:13,209 --> 00:22:17,125 sentando num colch�o de palha, coberto com um len�ol branco. 223 00:22:17,834 --> 00:22:21,501 � como se o pintor se tivesse esquecido de compor os tecidos. 224 00:22:32,542 --> 00:22:36,667 Baglione revela um pormenor fascinante sobre a t�cnica de Caravaggio: 225 00:22:37,999 --> 00:22:42,792 os seus primeiros quadros foram pintados a partir de "reflexos seus num espelho". 226 00:22:43,250 --> 00:22:46,501 Para Caravaggio, a realidade precisa de uma etapa intermedi�ria. 227 00:22:46,918 --> 00:22:51,292 Num espelho focaliza-se apenas aquilo que se quer representar 228 00:22:51,375 --> 00:22:52,876 Mais nada existe. 229 00:22:58,375 --> 00:23:00,959 O deus serve o vinho com a m�o esquerda. 230 00:23:01,417 --> 00:23:06,834 Esta pista valida a teoria de que se trata da sua m�o direita reflectida no espelho. 231 00:23:11,542 --> 00:23:16,542 � ainda mais surpreendente saber que Caravaggio n�o s� usou o espelho, 232 00:23:16,626 --> 00:23:20,999 como transformou o seu atelier numa enorme c�mara obscura. 233 00:23:21,209 --> 00:23:23,125 Nela compunha os seus modelos, 234 00:23:23,209 --> 00:23:26,876 que iluminava com um feixe filtrado a partir dum buraco no tecto. 235 00:23:26,959 --> 00:23:32,417 Depois projectava a sua imagem numa tela usando uma lente e um espelho. 236 00:23:46,125 --> 00:23:50,250 "Um Anjo do Senhor apareceu a Jos� num sonho e disse:" 237 00:23:50,542 --> 00:23:55,375 "Levanta-te, pega na crian�a e na m�e e foge para o Egipto." 238 00:23:55,501 --> 00:23:57,626 "Fica l� at� que eu te alerte," 239 00:23:57,709 --> 00:24:00,999 "pois Herodes procura a crian�a para a matar." 240 00:24:02,125 --> 00:24:04,501 Assim se l� no Evangelho de Mateus, 241 00:24:04,584 --> 00:24:07,375 que inspirou "Descanso na Fuga para o Egipto", 242 00:24:07,459 --> 00:24:09,709 hoje na Galeria Doria Pamphilji. 243 00:24:13,709 --> 00:24:17,709 � um dos trabalhos mais fascinantes de Caravaggio, 244 00:24:17,792 --> 00:24:20,501 devido � presen�a do bel�ssimo anjo, 245 00:24:20,584 --> 00:24:23,417 por quem Caravaggio parece ter-se apaixonado. 246 00:24:28,542 --> 00:24:30,999 Trata-se de uma figura central, 247 00:24:31,083 --> 00:24:35,751 que representa um conceito importante em termos de realismo, 248 00:24:35,834 --> 00:24:41,417 mas tamb�m no que toca a composi��o, porque ele pr�prio � o eixo do quadro. 249 00:24:54,209 --> 00:24:56,959 A fama de Caravaggio come�a a espalhar-se. 250 00:24:57,459 --> 00:25:02,250 Um dos maiores coleccionadores da �poca, o Marqu�s Vincenzo Giustiniani, 251 00:25:02,334 --> 00:25:04,375 encomenda-lhe "Amor Vincit Omnia", 252 00:25:07,292 --> 00:25:10,999 "O amor tudo conquista, entreguemo-nos n�s tamb�m ao amor!" 253 00:25:11,959 --> 00:25:15,167 como afirma Virg�lio, nas suas "Buc�licas". 254 00:25:17,125 --> 00:25:18,667 � um tema estranho: 255 00:25:19,417 --> 00:25:23,417 um rapaz alado semelhante a um cupido invade a cena. 256 00:25:25,876 --> 00:25:28,042 A seus p�s, uma s�rie de objectos, 257 00:25:28,125 --> 00:25:31,209 instrumentos musicais, armas, s�mbolos de poder... 258 00:25:36,083 --> 00:25:41,334 Esta representa��o audaz leva o Marqu�s a manter o quadro atr�s de uma cortina, 259 00:25:42,042 --> 00:25:45,667 em parte para n�o diminuir as outras obras da sua colec��o. 260 00:26:10,042 --> 00:26:13,459 Os meus cr�ticos afirmam que eu n�o sei reproduzir a ac��o. 261 00:26:14,999 --> 00:26:19,125 "Est� para l� da capacidade dele", caluniavam-me os invejosos. 262 00:26:21,709 --> 00:26:23,626 Eu at� fui mais longe. 263 00:26:28,834 --> 00:26:32,959 Soube traduzir a ac��o na simples express�o de um rosto. 264 00:26:38,792 --> 00:26:40,292 A reac��o reflexa. 265 00:26:42,375 --> 00:26:46,083 Capaz, por si s�, de reproduzir tudo, mesmo aquilo que n�o se v�. 266 00:26:48,751 --> 00:26:52,334 A minha Medusa conta mais do que quaisquer dez livros. 267 00:26:53,584 --> 00:26:57,876 Mas a verdade � que eu tamb�m senti tantas vezes a dor que a percorre... 268 00:26:57,959 --> 00:26:59,959 Podia ler-se na minha cara. 269 00:27:02,626 --> 00:27:04,417 Somos semelhantes, eu e a Medusa. 270 00:27:04,501 --> 00:27:07,542 Ela consegue transformar seres vivos em pedra. 271 00:27:08,042 --> 00:27:11,918 Eu consigo fix�-los para a eternidade atrav�s da pintura. 272 00:27:25,501 --> 00:27:29,709 A fama de Caravaggio cresce a par e passo com a cr�tica que ele suscita. 273 00:27:29,792 --> 00:27:32,876 Cada sucesso desencadeia correspondentes objec��es, 274 00:27:32,959 --> 00:27:35,876 principalmente relativos � "ac��o". 275 00:27:36,959 --> 00:27:39,250 A for�a das suas figuras era incontorn�vel, 276 00:27:39,334 --> 00:27:43,999 mas as mesmas eram criticadas pela falta de "movimento, afectos e eleg�ncia." 277 00:27:49,918 --> 00:27:52,918 Tais acusa��es foram silenciadas com o escudo com "A Cabe�a de Medusa", 278 00:27:52,999 --> 00:27:55,501 hoje em exibi��o na Galeria dos Of�cios. 279 00:27:56,209 --> 00:27:59,834 Mais uma vez, o seu trabalho assenta na natureza: 280 00:27:59,918 --> 00:28:05,250 as serpentes contorcidas na cabe�a de Medusa parecem mesmo estar vivas! 281 00:28:07,834 --> 00:28:10,125 O rosto est� engasgado num grito silencioso, 282 00:28:10,209 --> 00:28:13,250 no momento imediatamente ap�s a decapita��o, 283 00:28:13,334 --> 00:28:16,999 captado no �ltimo acto de impar�vel vitalidade. 284 00:28:17,459 --> 00:28:22,209 A boca aberta deixa ver a l�ngua h�mida, os olhos est�o arregalados, 285 00:28:22,292 --> 00:28:27,125 os seus m�sculos est�o anormalmente contra�dos; as sobrancelhas, unidas, 286 00:28:27,209 --> 00:28:30,209 o emaranhado de cobras contorce-se como se tivesse enlouquecido, 287 00:28:30,292 --> 00:28:33,999 enquanto esguichos de sangue lhe escorrem do pesco�o. 288 00:28:36,876 --> 00:28:39,334 � uma express�o de dor aut�ntica, 289 00:28:39,417 --> 00:28:43,292 semelhante � do "Rapaz Mordido por um Lagarto", na National Gallery, 290 00:28:44,083 --> 00:28:47,999 da qual h� mais uma excelente vers�o na Fondazione Longhi. 291 00:28:50,083 --> 00:28:52,667 O quadro mostra a ac��o reflexa 292 00:28:52,751 --> 00:28:57,918 que se concentra na retrac��o da m�o 293 00:28:57,999 --> 00:29:01,999 no confronto com o animal que est� em primeiro plano. 294 00:29:03,167 --> 00:29:05,709 Concentra-se na extraordin�ria reac��o 295 00:29:05,792 --> 00:29:08,584 da express�o da sua cara, 296 00:29:08,667 --> 00:29:12,042 a boca meio fechada e o sobrolho franzido. 297 00:29:13,584 --> 00:29:18,459 Um pormenor extraordin�rio que revela o interesse de Caravaggio 298 00:29:18,542 --> 00:29:22,083 em representar os momentos com express�es fugidias. 299 00:29:27,667 --> 00:29:33,083 O rapaz tem um ar de abandono que leva a interpretar o quadro como uma vanitas, 300 00:29:33,999 --> 00:29:38,542 um reflexo dos po�os em que caem aqueles que se abandonam... 301 00:29:38,834 --> 00:29:40,542 aos prazeres do mundo. 302 00:29:45,626 --> 00:29:50,459 Esta aten��o � express�o facial � ainda mais forte em "O Sacrif�cio de Isaac". 303 00:29:56,042 --> 00:30:00,751 A natureza dram�tica do evento pode ler-se no desespero da v�tima, Isaac, 304 00:30:01,209 --> 00:30:06,083 cujo pai, Abra�o, se disp�e a sacrificar, para obedecer � vontade de Deus. 305 00:30:08,125 --> 00:30:12,292 Este quadro particular atesta a passagem entre uma fase juvenil 306 00:30:12,375 --> 00:30:14,167 e uma fase mais madura, 307 00:30:14,250 --> 00:30:18,501 e caracteriza-se tamb�m por algo de verdadeiramente singular, 308 00:30:18,584 --> 00:30:21,250 ou seja, um fundo com paisagem. 309 00:30:23,292 --> 00:30:28,125 A paisagem n�o � o aspecto mais corrente nos trabalhos de Caravaggio. 310 00:30:29,709 --> 00:30:33,834 O quadro est� muito equilibrado, do ponto de vista da composi��o, 311 00:30:33,918 --> 00:30:35,667 n�o deixando de ser realista, 312 00:30:35,751 --> 00:30:38,167 e � esta a capacidade de Caravaggio, 313 00:30:38,250 --> 00:30:41,584 a de se alinhar com um sentido da realidade, 314 00:30:41,667 --> 00:30:47,292 em vez de o conceito da cultura que um quadro deve expressar. 315 00:30:52,876 --> 00:30:56,999 A vida de Caravaggio continua a decorrer entre tortuosidade e sucessos, 316 00:30:57,542 --> 00:30:59,459 entre trevas e luz, 317 00:30:59,542 --> 00:31:02,125 entre pintura e tormentos. 318 00:31:03,417 --> 00:31:07,999 Caravaggio tem 28 anos e a sua grande oportunidade est� ao virar da esquina. 319 00:31:30,375 --> 00:31:32,751 Tenho o nome dum arcanjo, 320 00:31:32,834 --> 00:31:35,584 mas tamb�m o de um grande artista. 321 00:31:42,417 --> 00:31:45,918 Sinto em mim os contrastes de uma natureza imperfeita 322 00:31:46,626 --> 00:31:48,334 que n�o consigo controlar. 323 00:31:54,125 --> 00:31:58,125 Quero libertar-me, mas � imposs�vel domesticar o �nimo rebelde 324 00:31:58,209 --> 00:32:00,501 e vencer o meu instinto selvagem. 325 00:32:12,042 --> 00:32:14,209 Se ao menos pudesse ver a luz! 326 00:32:21,751 --> 00:32:26,042 A luz que desobstrui e arrisca, libertando a mente �vida e cega. 327 00:32:32,209 --> 00:32:35,292 Mas tal luz, eu s� a posso recriar. 328 00:32:48,667 --> 00:32:53,918 O dia 23 de Julho de 1599 � um dia �nico. Irrepet�vel. 329 00:32:55,334 --> 00:32:58,584 Caravaggio assina o contrato para fazer dois grandes quadros 330 00:32:58,667 --> 00:33:01,042 que ocupar�o as paredes laterais da Capela Contarelli 331 00:33:01,125 --> 00:33:02,834 em San Luigi dei Francesi: 332 00:33:03,709 --> 00:33:06,584 "A Voca��o de S�o Mateus" e o "Mart�rio de S�o Mateus", 333 00:33:06,667 --> 00:33:08,751 as suas primeiras obras p�blicas. 334 00:33:14,709 --> 00:33:19,209 � uma encomenda prestigiosa, � luz do iminente Jubileu de 1600, 335 00:33:19,292 --> 00:33:23,501 no qual participaram numerosos artistas para tornar Roma moderna 336 00:33:23,584 --> 00:33:27,626 e celebrar assim o triunfo da Igreja Cat�lica sobre o Protestantismo. 337 00:33:36,042 --> 00:33:40,876 O Cardeal Matteo Contarelli confiara aos seus executores testament�rios 338 00:33:40,959 --> 00:33:44,083 a tarefa de fazer decorar a sua capela funer�ria 339 00:33:44,167 --> 00:33:48,459 com uma s�rie de quadros que contassem a hist�ria do Ap�stolo Mateus, 340 00:33:48,542 --> 00:33:50,250 o seu hom�nimo. 341 00:33:57,167 --> 00:34:00,250 Ap�s v�rias tentativas falhadas por parte dos artistas precedentes, 342 00:34:00,334 --> 00:34:03,459 Caravaggio teve a oportunidade de mostrar o que valia 343 00:34:03,542 --> 00:34:07,042 na arena p�blica da pintura religiosa de grande escala. 344 00:34:07,417 --> 00:34:12,542 Ele que, at� ali, nunca pintara telas com mais de 150 cm de largura, 345 00:34:13,209 --> 00:34:16,501 confrontava-se agora com telas de tr�s metros. 346 00:34:18,209 --> 00:34:22,792 Na Capela de Contarelli, Caravaggio deparou-se com uma grande dificuldade. 347 00:34:22,876 --> 00:34:27,999 Eram telas enormes e ele tinha pouqu�ssimo tempo para as pintar. 348 00:34:28,042 --> 00:34:31,584 Tinham de ser povoadas por uma s�rie de personagens, 349 00:34:31,667 --> 00:34:33,918 o que n�o estava na sua �ndole. 350 00:34:33,999 --> 00:34:38,584 Al�m disso, estreava-se no meio art�stico romano, que seguramente n�o o apreciava. 351 00:34:51,375 --> 00:34:53,584 Em "Voca��o de S�o Mateus", 352 00:34:53,667 --> 00:34:56,167 a cena est� imersa numa soturna penumbra. 353 00:34:57,999 --> 00:35:00,999 A luz n�o prov�m da enorme janela, 354 00:35:01,042 --> 00:35:05,501 mas parece entrar no quadro, como se fosse projectada pelo bra�o de Cristo, 355 00:35:06,459 --> 00:35:09,542 cujo gesto tanto lembra o de Deus Pai, 356 00:35:09,626 --> 00:35:13,959 pintado pelo outro grande Michelangelo no tecto da Capela Sistina. 357 00:35:16,375 --> 00:35:19,334 Cristo indica Mateus, um cobrador de impostos, 358 00:35:19,417 --> 00:35:24,626 enquanto alguns dos presentes nem notam a sua entrada com S�o Pedro. 359 00:35:34,459 --> 00:35:38,834 Um dos homens sentado � mesa olha para Cristo 360 00:35:38,918 --> 00:35:41,709 e parece apontar para si mesmo, como que dizendo: 361 00:35:41,999 --> 00:35:43,834 "Sou eu o eleito?" 362 00:35:46,125 --> 00:35:48,834 Mas esta interpreta��o n�o � un�nime: 363 00:35:48,918 --> 00:35:54,292 h� quem argumente que Mateus � o jovem que conta avidamente o dinheiro. 364 00:35:59,876 --> 00:36:02,792 A "Voca��o" desperta calorosas discuss�es, 365 00:36:02,876 --> 00:36:05,292 divididas entre a admira��o e a inveja, 366 00:36:05,375 --> 00:36:09,417 tornando-se provavelmente a obra mais famosa de Caravaggio. 367 00:36:13,083 --> 00:36:17,959 Na Capela Contarelli, Caravaggio desenvolve uma nova t�cnica executiva. 368 00:36:17,999 --> 00:36:20,876 A base, usualmente clara, torna-se escura. 369 00:36:20,959 --> 00:36:22,751 Nesta base escura, 370 00:36:22,834 --> 00:36:26,125 o desenho tradicional por si usado at� �quela altura, 371 00:36:26,209 --> 00:36:27,584 deixa de ser vis�vel. 372 00:36:27,667 --> 00:36:29,083 Da� que nessa altura, 373 00:36:29,167 --> 00:36:35,584 ele tenha encontrado outra forma de marcar a composi��o na tela escura. 374 00:36:37,209 --> 00:36:40,375 Em vez de desenhar, recorre � grava��o, 375 00:36:40,459 --> 00:36:44,042 grava��o que ele realizava com um instrumento agu�ado, 376 00:36:44,125 --> 00:36:47,751 h� quem pense que ele usaria a ponta afiada do pincel, 377 00:36:47,834 --> 00:36:51,042 para marcar as linhas no preparo de base ainda fresco. 378 00:36:53,834 --> 00:37:01,042 Essa prepara��o escura tamb�m � usada para fazer o fundo escuro dos seus quadros, 379 00:37:01,125 --> 00:37:03,375 e para todas as partes da sombra. 380 00:37:03,459 --> 00:37:05,959 Com efeito, a partir da Capela Contarelli, 381 00:37:05,999 --> 00:37:10,375 Caravaggio s� pintou figuras � luz ou � meia-luz. 382 00:37:10,459 --> 00:37:15,459 Tudo o que n�o est� na luz ou na penumbra, pura e simplesmente n�o existe. 383 00:37:25,501 --> 00:37:29,209 A tela do "Mart�rio" cont�m um pormenor fascinante: 384 00:37:30,083 --> 00:37:34,459 no fundo � esquerda, vislumbra-se um personagem que se afasta, 385 00:37:34,709 --> 00:37:39,209 horrorizado com a terr�vel de explos�o de viol�ncia a que acaba de assistir. 386 00:37:44,918 --> 00:37:47,125 � um auto-retrato de Caravaggio, 387 00:37:47,209 --> 00:37:51,125 que mostra a sua verdadeira reac��o assustada e quase repugnada 388 00:37:51,209 --> 00:37:53,876 relativamente � obra que ele mesmo produziu. 389 00:37:54,667 --> 00:37:58,999 Um caso absolutamente �nico em toda a hist�ria da pintura ocidental. 390 00:38:06,459 --> 00:38:10,999 Bellori conta que Caravaggio pintou "O Mart�rio" duas vezes. 391 00:38:11,042 --> 00:38:15,209 Esta afirma��o s� foi confirmada no s�culo XX, pelos investigadores, 392 00:38:15,292 --> 00:38:17,042 que, atrav�s de radiografias, 393 00:38:17,125 --> 00:38:20,375 comprovaram a permanente mudan�a de ideias do artista 394 00:38:20,459 --> 00:38:22,417 na composi��o da cena. 395 00:38:40,959 --> 00:38:45,459 Os dois quadros de Contarelli s�o aut�nticos combates figurativos, 396 00:38:45,959 --> 00:38:50,584 um espelho do esp�rito de Caravaggio, num estado de permanente agita��o. 397 00:38:57,876 --> 00:39:00,792 Caravaggio tamb�m pintou a pe�a de altar da Capela. 398 00:39:01,501 --> 00:39:04,584 Esta representa S�o Mateus a escrever o Evangelho 399 00:39:04,667 --> 00:39:07,209 guiado por um anjo que desce do C�u. 400 00:39:07,292 --> 00:39:10,459 Mas atr�s desta tela h� um mist�rio por resolver. 401 00:39:19,542 --> 00:39:24,083 � Baglione quem nos recorda que o Marqu�s Vincenzo Giustiniani comprou uma tela 402 00:39:24,167 --> 00:39:28,792 de "um certo S�o Mateus que Caravaggio tivera feito para o altar de San Luigi," 403 00:39:28,876 --> 00:39:30,626 e que n�o agradara a ningu�m". 404 00:39:31,209 --> 00:39:34,417 Trata-se da primeira vers�o de "S�o Mateus e o Anjo", 405 00:39:34,501 --> 00:39:38,250 que, ap�s v�rias vicissitudes, acabou no Museu de Estado de Berlim, 406 00:39:38,501 --> 00:39:42,083 vindo a ser destru�do num bombardeamento na II Guerra Mundial. 407 00:39:43,417 --> 00:39:48,667 H� uma foto da obra perdida que mostra o ap�stolo curiosamente caracterizado 408 00:39:48,751 --> 00:39:52,250 como um fil�sofo da Antiguidade ou como um judeu erudito, 409 00:39:52,334 --> 00:39:55,542 enquanto que o anjo � andr�geno e muito sensual. 410 00:39:58,042 --> 00:40:01,626 N�o se sabe porque � que esta primeira vers�o foi recusada, 411 00:40:01,709 --> 00:40:05,083 eventualmente poder� ter sido por falta de "decoro". 412 00:40:08,751 --> 00:40:11,667 O santo pareceria um analfabeto, 413 00:40:11,751 --> 00:40:14,709 apenas capaz de escrever o que lhe ditassem, 414 00:40:14,792 --> 00:40:16,834 guiado pela m�o ang�lica. 415 00:40:26,709 --> 00:40:32,626 A Capela torna-se para Caravaggio um prestigioso cart�o-de-visita. 416 00:40:58,959 --> 00:41:00,334 Sou um homem de valor. 417 00:41:00,417 --> 00:41:05,167 S� reconhe�o os bons pintores, admiro-os e aprecio a sua arte. 418 00:41:06,292 --> 00:41:10,626 Mas tamb�m sei distinguir aqueles que se gabam inutilmente de o ser. 419 00:41:10,792 --> 00:41:14,167 Considero-os ignorantes. 420 00:41:15,209 --> 00:41:19,125 Os homens de valor s�o aqueles que entendem profundamente de pintura, 421 00:41:19,209 --> 00:41:24,083 e s�o capazes de reproduzir a realidade, de forma natural, como eu fa�o. 422 00:41:24,626 --> 00:41:26,918 As palavras dos outros, leva-as o vento. 423 00:41:27,584 --> 00:41:29,834 Eu deixo que sejam as obras a falar de mim. 424 00:41:46,999 --> 00:41:50,250 N�o s�o apenas as obras que falam de Caravaggio, 425 00:41:51,584 --> 00:41:53,167 mas tamb�m os documentos. 426 00:41:55,125 --> 00:41:57,209 Muitas vezes, processos judiciais. 427 00:41:59,459 --> 00:42:03,125 O Arquivo de Roma conserva testemunhos muito preciosos. 428 00:42:04,042 --> 00:42:07,999 Capazes de se projectar na vida e nos problemas de Caravaggio. 429 00:42:12,083 --> 00:42:16,042 As actas do Processo Baglione, que decorreu em 1603, 430 00:42:16,459 --> 00:42:19,417 narra as alian�as e as invejas entre os artistas, 431 00:42:19,501 --> 00:42:23,459 mas sobretudo revelam a teoria de Caravaggio sobre a pintura. 432 00:42:25,792 --> 00:42:31,209 "Um pintor que se preze � aquele que sabe pintar bem e reproduzir as coisas naturais". 433 00:42:32,626 --> 00:42:36,501 E nesse aspecto, ele era o melhor de todos. 434 00:42:39,999 --> 00:42:42,999 Caravaggio foi chamado a depor no Processo Baglione, 435 00:42:43,042 --> 00:42:47,501 porque ele e os amigos Onorio Longhi e Orazio Gentileschi 436 00:42:47,584 --> 00:42:50,459 tinham espalhado pela cidade uma s�rie de versos ofensivos 437 00:42:50,542 --> 00:42:53,626 contra o seu futuro bi�grafo, que tamb�m era pintor. 438 00:43:03,375 --> 00:43:06,792 Contudo, a par de mais um encontro com a justi�a, 439 00:43:07,501 --> 00:43:09,999 surge-lhe uma grande oportunidade: 440 00:43:10,459 --> 00:43:12,959 trabalhar na Bas�lica de Santa Maria del Popolo. 441 00:43:26,999 --> 00:43:30,250 Aqui, muito provavelmente, mal chegou a Roma, 442 00:43:30,334 --> 00:43:33,626 Caravaggio tinha admirado os frescos de Pinturicchio 443 00:43:37,250 --> 00:43:40,167 e a capela projectada por Raffaello. 444 00:43:47,918 --> 00:43:50,918 Encomendam-lhe dois quadros pintados em madeira, 445 00:43:50,999 --> 00:43:54,751 destinados a ladear o altar da Capela Cerasi. 446 00:44:03,250 --> 00:44:08,042 Caravaggio assinou o contrato enquanto trabalhava na Capela Contarelli, 447 00:44:08,125 --> 00:44:12,709 o que indica o imediato sucesso obtido com as suas primeiras obras p�blicas. 448 00:44:14,375 --> 00:44:18,083 No entanto, o epis�dio dos quadros Cerasi foi muito atribulado. 449 00:44:18,751 --> 00:44:24,417 Segundo Baglione, "os quadros foram trabalhados primeiro por ele de outra maneira", 450 00:44:24,501 --> 00:44:28,501 mas como o mecenas n�o gostou deles, foram adquiridos pelo Cardeal Sannesio. 451 00:44:29,417 --> 00:44:32,167 Os dois quadros foram assim recusados por Cerasi. 452 00:44:32,792 --> 00:44:35,918 Caravaggio n�o teve outro rem�dio sen�o recome�ar, 453 00:44:35,999 --> 00:44:39,125 desta vez com a sua t�cnica preferida: �leo sobre tela. 454 00:44:39,959 --> 00:44:41,918 E o resultado foi surpreendente. 455 00:44:48,792 --> 00:44:50,542 Na Crucifica��o de S�o Pedro, 456 00:44:50,626 --> 00:44:55,542 os executores que puxam a Cruz s�o representados im�veis, 457 00:44:55,626 --> 00:44:56,999 como que petrificados. 458 00:45:05,584 --> 00:45:09,375 Mas a obra-prima da Capela � "A Convers�o de S�o Paulo". 459 00:45:10,375 --> 00:45:12,667 Trata-se de uma obra sem fundo, 460 00:45:13,250 --> 00:45:17,209 na qual Caravaggio concentra todo o sentido na narrativa pict�rica 461 00:45:17,292 --> 00:45:19,584 na descri��o da singular figura, 462 00:45:20,834 --> 00:45:22,918 eliminando tudo o que � sup�rfluo. 463 00:45:22,999 --> 00:45:25,584 E reduzindo a tela ao que � essencial. 464 00:45:31,584 --> 00:45:33,542 O soldado ca�do do cavalo 465 00:45:33,626 --> 00:45:38,083 abre os bra�os como se acolhesse a luz que chove do c�u. 466 00:45:44,792 --> 00:45:49,667 A hist�ria, a narra��o contida na obra, � carente de ac��o. 467 00:45:49,751 --> 00:45:53,709 Porque o quadro imobiliza o personagem no momento do gesto definitivo, 468 00:45:54,125 --> 00:45:57,459 um gesto que transmite uma sensa��o de absoluta imobilidade, 469 00:45:57,999 --> 00:46:02,167 do qual emerge um profund�ssimo contraste entre as profundas trevas, 470 00:46:02,250 --> 00:46:03,999 e a luz ofuscante. 471 00:46:27,209 --> 00:46:32,209 Mais uma obra de exibi��o p�blica e uma absoluta obra-prima, 472 00:46:32,459 --> 00:46:36,334 � a "Deposi��o de Cristo", hoje nos Museus Vaticanos. 473 00:46:42,292 --> 00:46:45,709 Caravaggio imortaliza o momento que precede o sepultamento, 474 00:46:46,167 --> 00:46:47,959 a descida ao sepulcro. 475 00:46:49,501 --> 00:46:52,876 A morte de Cristo � representada com implac�vel realismo. 476 00:46:53,918 --> 00:46:58,375 O corpo est� l�vido, e o bra�o parece pender inerte. 477 00:47:02,334 --> 00:47:06,125 Neste momento, Cristo � uma pe�a descartada da hist�ria. 478 00:47:06,209 --> 00:47:09,083 Est� morto, derrotado, perdido. 479 00:47:12,542 --> 00:47:15,501 Os disc�pulos abandonaram-no e renegaram-no. 480 00:47:17,501 --> 00:47:21,375 A sua maravilhosa utopia parece ter terminado na Cruz 481 00:47:22,334 --> 00:47:25,626 e agora dissolver-se-� para sempre no Sepulcro. 482 00:47:49,042 --> 00:47:50,999 Pelas mulheres que conheci, 483 00:48:01,999 --> 00:48:03,918 por aquelas que tive ao meu lado, 484 00:48:14,876 --> 00:48:16,792 por aquelas que me escaparam, 485 00:48:20,250 --> 00:48:21,876 por aquelas que amei, 486 00:48:25,667 --> 00:48:27,125 por aquelas que me odiaram, 487 00:48:30,125 --> 00:48:31,999 por aquelas que usei, 488 00:48:33,459 --> 00:48:35,042 por aquelas que pintei, 489 00:48:41,125 --> 00:48:43,459 por aquelas que ainda n�o conhe�o, 490 00:48:47,209 --> 00:48:49,042 por aquelas que ainda vir�o. 491 00:48:57,375 --> 00:48:59,999 Por todas elas... eu vivo. 492 00:49:18,999 --> 00:49:23,459 Um pano de amarelo intenso cai sobre as pernas de Madalena Penitente. 493 00:49:24,792 --> 00:49:29,709 Um len�o delicado, tamb�m amarelo, cobre os ombros da Madona de Loreto. 494 00:49:34,167 --> 00:49:35,999 N�o � uma coincid�ncia. 495 00:49:36,751 --> 00:49:39,999 O amarelo era a cor que as prostitutas eram obrigadas a usar 496 00:49:40,042 --> 00:49:42,125 para serem reconhec�veis. 497 00:49:43,709 --> 00:49:47,125 E as modelos de Caravaggio eram muitas vezes prostitutas. 498 00:49:54,375 --> 00:49:59,417 As duas mais ass�duas eram Anna Bianchini e Fillide Melandroni, 499 00:49:59,751 --> 00:50:04,834 cujas fei��es poderiam distinguir-se em "Marta e Maria Madalena". 500 00:50:07,417 --> 00:50:11,584 Caravaggio queria sublinhar a diferen�a entre as duas figuras, 501 00:50:11,667 --> 00:50:14,834 o seu estatuto social, melhor dizendo. 502 00:50:17,667 --> 00:50:20,584 Veja-se a simplicidade da mulher da esquerda, 503 00:50:20,959 --> 00:50:24,209 por oposi��o ao luxo, ao vestido delicad�ssimo 504 00:50:24,292 --> 00:50:28,083 e � manga elaborad�ssima da figura central. 505 00:50:33,250 --> 00:50:36,167 O quadro � a "Convers�o de Maria Madalena", 506 00:50:36,250 --> 00:50:39,459 que se prepara para abandonar mentalmente 507 00:50:39,542 --> 00:50:44,999 a sua vida pecaminosa, de luxo e de prazeres, 508 00:50:45,083 --> 00:50:49,667 e ouve o que lhe diz a mulher que est� a seu lado, 509 00:50:49,751 --> 00:50:55,999 cuja posi��o da m�o nos leva a perceber que lhe faz um discurso para a persuadir, 510 00:50:56,083 --> 00:51:00,999 confrontando a jovem assim moderna e refinada. 511 00:51:03,999 --> 00:51:08,501 Anna Bianchini poder� ter emprestado o seu rosto tamb�m a "Madalena Penitente". 512 00:51:10,334 --> 00:51:12,709 Caravaggio deve ter achado oportuno, 513 00:51:12,792 --> 00:51:16,876 usar uma verdadeira pecadora para representar uma santa convertida, 514 00:51:16,959 --> 00:51:20,334 um modo laico e simples de interpretar o tema religioso. 515 00:51:21,709 --> 00:51:24,125 Mas revelou-se uma jogada arriscada, 516 00:51:24,542 --> 00:51:26,459 a primeira de uma longa s�rie. 517 00:51:32,584 --> 00:51:36,667 Fillide foi a escolhida para servir de modelo para "Judite e Holofernes" 518 00:51:37,250 --> 00:51:41,709 uma obra de viol�ncia desconcertante, hoje em exibi��o no Pal�cio Barberini. 519 00:51:43,542 --> 00:51:48,834 O tema b�blico � uma par�bola da virtude submissa que triunfa sobre a for�a tir�nica. 520 00:51:52,792 --> 00:51:55,876 A hero�na judia seduz o cruel general ass�rio, 521 00:51:56,542 --> 00:51:59,250 que depois mata, com a espada. 522 00:52:07,999 --> 00:52:10,959 Holofernes, jazendo nu sobre os len��is, 523 00:52:10,999 --> 00:52:12,918 cometeu um terr�vel erro. 524 00:52:14,334 --> 00:52:16,876 Judite agarra-o brutalmente pelos cabelos, 525 00:52:16,959 --> 00:52:20,584 esticando a carne para que a l�mina corte mais facilmente. 526 00:52:22,083 --> 00:52:25,751 Ela, ferozmente concentrada, de sobrolho franzido, 527 00:52:26,501 --> 00:52:30,542 enquanto ele, acordado apenas para se aperceber que � o seu fim, 528 00:52:30,626 --> 00:52:33,209 lan�a um �ltimo grito atroz. 529 00:53:07,959 --> 00:53:11,584 E talvez outra prostituta, Maddalena Antognetti, 530 00:53:11,667 --> 00:53:15,375 descrita em muitas cr�nicas como "Lena, a mulher de Michelangelo", 531 00:53:15,459 --> 00:53:18,292 seja a modelo utilizada para a "Madona de Loreto", 532 00:53:18,709 --> 00:53:23,125 destinada � Capela Cavalletti na Bas�lica de Sant'Agostino, 533 00:53:23,209 --> 00:53:26,834 onde as pr�prias prostitutas costumavam vir rezar. 534 00:53:28,459 --> 00:53:30,584 A obra causa um verdadeiro esc�ndalo. 535 00:53:31,459 --> 00:53:35,584 Destinava-se a ser exibida publicamente e, como tal, exigia o maior decoro. 536 00:53:37,959 --> 00:53:42,209 Nunca se tinham visto em quadros peregrinos t�o sujos e miser�veis. 537 00:53:44,751 --> 00:53:48,959 Caravaggio concentra a sua aten��o numa humanidade miser�vel: 538 00:53:50,125 --> 00:53:55,375 � nos �ltimos, nos deserdados, que encontra a condi��o mais digna de ser representada. 539 00:53:56,250 --> 00:53:57,834 Porque � a mais real. 540 00:54:17,918 --> 00:54:21,042 "Farei reinar a inimizade entre ti e a mulher," 541 00:54:21,125 --> 00:54:23,125 "entre a tua descend�ncia e a dela." 542 00:54:23,209 --> 00:54:27,459 "Esta esmagar-te-� a cabe�a e tu tentar�s mord�-la no calcanhar". 543 00:54:30,167 --> 00:54:34,876 Foi esta passagem do "G�nesis" que inspirou a "Madonna dei Palafrenieri", 544 00:54:35,125 --> 00:54:38,626 um quadro com quase tr�s metros de altura por duas de largura, 545 00:54:38,709 --> 00:54:42,334 encomendada pela Irmandade Palafrenieri di Sant'Anna 546 00:54:42,417 --> 00:54:45,709 e destinada a um altar da Bas�lica de S�o Pedro. 547 00:54:49,334 --> 00:54:53,125 A Virgem, em cujo rosto se v�em os tra�os de Lena, 548 00:54:53,209 --> 00:54:57,876 a Crian�a e Santa Ana est�o empenhados numa luta contra a maldade pura. 549 00:54:59,167 --> 00:55:04,167 A Madona e o Menino Jesus espezinham juntos a cabe�a de uma serpente. 550 00:55:04,834 --> 00:55:07,584 A nefasta criatura contorce-se em agonia, 551 00:55:07,667 --> 00:55:11,584 enquanto Santa Ana fixa a cena, em solene contempla��o. 552 00:55:12,792 --> 00:55:15,417 O fasc�nio da Virgem parece evidente, 553 00:55:15,959 --> 00:55:18,417 sobretudo se comparado com a Santa, 554 00:55:18,667 --> 00:55:22,125 que � representada como uma mulher velha e fr�gil. 555 00:55:26,459 --> 00:55:29,999 Caravaggio entrega a obra a 8 de Abril de 1606, 556 00:55:30,417 --> 00:55:32,751 dando ao C�nego da Irmandade, 557 00:55:32,834 --> 00:55:36,501 a �nica declara��o existente, escrita pelo seu punho, 558 00:55:36,792 --> 00:55:41,834 na qual se afirma "contente e satisfeito" com a obra realizada. 559 00:55:44,250 --> 00:55:48,042 O quadro "Madonna dei Palafrenieri" � exibida apenas por uns dias 560 00:55:48,125 --> 00:55:51,792 no altar da Capela de S�o Miguel, o Arcanjo, na Bas�lica de S�o Pedro. 561 00:55:51,876 --> 00:55:54,918 O inapel�vel veredicto d�-o como "Recusado". 562 00:55:55,959 --> 00:55:58,501 E � rapidamente removido. 563 00:56:00,459 --> 00:56:05,626 Resta-nos imaginar o enorme impacto cenogr�fico que a tela ter� provocado, 564 00:56:05,709 --> 00:56:08,999 se tivesse permanecido no seu lugar original. 565 00:56:19,083 --> 00:56:22,501 Rapidamente se espalhou o boato de que fora Scipione Borghese, 566 00:56:22,584 --> 00:56:24,042 o sobrinho do Papa Paulo V, 567 00:56:24,125 --> 00:56:27,083 a determinar a recusa de "Madonna dei Palafrenieri" 568 00:56:27,167 --> 00:56:29,375 para a poder comprar a bom pre�o. 569 00:56:29,834 --> 00:56:30,876 Obcecado por arte, 570 00:56:30,959 --> 00:56:34,959 o Cardeal procurava apoderar-se das melhores obras, sem olhar a meios, 571 00:56:35,501 --> 00:56:38,999 constituindo aquela que se tornar� a colec��o da Galeria Borghese, 572 00:56:39,334 --> 00:56:41,584 onde a tela ainda hoje se pode ver. 573 00:56:55,876 --> 00:57:00,999 A vida do artista, paralelamente � dolorosa rejei��o, volta a complicar-se 574 00:57:01,751 --> 00:57:04,667 e o tribunal � chamado a resolver mais uma questi�ncula. 575 00:57:05,918 --> 00:57:09,751 Prudenzia Bruni, a propriet�ria da casa situada em Vicolo del Divino Amore, 576 00:57:10,167 --> 00:57:13,375 queixa-se de que o pintor n�o tem pago a renda. 577 00:57:14,501 --> 00:57:19,209 Presente a tribunal, � declarada a confisca��o de todos os seus bens, 578 00:57:19,999 --> 00:57:22,959 S�o os objectos que podemos ver nos seus quadros, 579 00:57:23,751 --> 00:57:28,250 os seus "objectos de cena", que s�o enumerados numa esp�cie de invent�rio. 580 00:57:31,626 --> 00:57:36,584 Nesse per�odo, Caravaggio trabalhava numa das suas obras mais controversas, 581 00:57:36,999 --> 00:57:38,626 "A Morte da Virgem". 582 00:57:44,375 --> 00:57:47,667 Talvez Caravaggio tenha esperado demais de si mesmo. 583 00:57:47,918 --> 00:57:51,125 Isso acontece quando se tem muito sucesso. 584 00:57:51,209 --> 00:57:53,375 Deve ter pensado a dada altura, 585 00:57:53,459 --> 00:57:57,125 que estava em posi��o de poder permitir-se fazer coisas 586 00:57:57,209 --> 00:57:59,918 que nenhum outro artista ousara fazer at� a�. 587 00:57:59,999 --> 00:58:04,542 Ou seja: ir contra as instru��es do cliente. 588 00:58:05,209 --> 00:58:08,626 Sobretudo em "A Morte da Virgem", faz uma coisa terr�vel: 589 00:58:08,709 --> 00:58:12,167 omitiu um pormenor que � fundamental para a Igreja. 590 00:58:12,250 --> 00:58:14,626 Quando a Virgem morre, ascende ao C�u, 591 00:58:14,709 --> 00:58:17,626 e em todas as representa��es da morte da Virgem, 592 00:58:17,709 --> 00:58:19,626 feitas em s�culos anteriores, 593 00:58:19,709 --> 00:58:20,709 o que se v� � o seguinte; 594 00:58:20,792 --> 00:58:24,292 a Virgem morta, os ap�stolos que a choram, 595 00:58:24,375 --> 00:58:26,709 e, l� no alto, no reino dos C�us, 596 00:58:26,792 --> 00:58:29,751 v�-se a Virgem que entrou no Reino, 597 00:58:29,834 --> 00:58:33,501 onde � acolhida por Cristo e nomeada "Regina Caelorum". 598 00:58:34,542 --> 00:58:37,501 Mas a "Regina Caelorum" n�o figura neste quadro. 599 00:58:37,584 --> 00:58:41,417 E para fazer de modelo � Virgem, diz-se e � verdade, 600 00:58:41,501 --> 00:58:46,459 que Caravaggio usou uma mulher morta, provavelmente uma prostituta, 601 00:58:46,542 --> 00:58:50,999 que se afogara no Tibre, e na verdade ela est� algo inchada, como que cheia de �gua. 602 00:58:51,250 --> 00:58:55,042 Ele colocou-a naquela laje terr�vel, caracter�stica das morgues, 603 00:58:55,501 --> 00:58:59,459 assim mesmo, sem qualquer caracteriza��o sacra. 604 00:59:02,125 --> 00:59:05,584 Isto cria de imediato um verdadeiro esc�ndalo. 605 00:59:21,959 --> 00:59:23,626 Tenho de parar. 606 00:59:23,709 --> 00:59:25,292 P�ra, m�o. 607 00:59:25,459 --> 00:59:26,792 Extingue-te, raiva. 608 00:59:29,501 --> 00:59:33,709 N�o sei controlar a for�a irreprim�vel que sinto, cada vez mais impetuosa. 609 00:59:34,083 --> 00:59:36,751 Como ondas que engrossam um mar tempestuoso, 610 00:59:36,834 --> 00:59:40,167 assim a raiva cresce dentro de mim e das minhas entranhas chega � espada, 611 00:59:40,250 --> 00:59:42,626 onde infelizmente n�o se det�m. 612 00:59:57,250 --> 00:59:59,542 Teria bastado um cent�metro mais ao lado, 613 00:59:59,876 --> 01:00:02,042 um golpe menos incisivo, 614 01:00:02,375 --> 01:00:03,975 e a minha vida teria seguido outro curso. 615 01:00:12,999 --> 01:00:14,834 Eu mesmo me condenei... 616 01:00:15,125 --> 01:00:16,250 ao ex�lio eterno. 617 01:00:36,292 --> 01:00:40,501 A rejei��o da "Madona dei Palafrenieri" e de "A Morte da Virgem", 618 01:00:40,584 --> 01:00:43,667 foram duros golpes para a mente j� atormentada de Caravaggio. 619 01:00:44,999 --> 01:00:47,459 A escurid�o apropriava-se cada vez mais da sua vida. 620 01:00:51,167 --> 01:00:53,709 N�o � dif�cil imaginar a sua melancolia pela manh�, 621 01:00:53,792 --> 01:00:56,417 ao treinar o seu c�o negro, Cornacchia, 622 01:00:56,626 --> 01:00:59,209 ou ao pintar freneticamente no quarto sombrio, 623 01:00:59,709 --> 01:01:02,250 ou quando deambulava pelos campos de t�nis. 624 01:01:04,167 --> 01:01:07,042 � durante uma partida que acontece o irrepar�vel. 625 01:01:08,584 --> 01:01:10,209 O dia mais terr�vel. 626 01:01:10,501 --> 01:01:12,709 O dia 29 de Maio de 1606. 627 01:01:15,417 --> 01:01:17,334 Em Campo Marzio, uma discuss�o, 628 01:01:17,417 --> 01:01:20,999 talvez acerca do pr�prio jogo, acaba em trag�dia. 629 01:01:22,999 --> 01:01:25,375 Caravaggio mata Ranuccio Tomassoni, 630 01:01:25,459 --> 01:01:28,250 com o qual no passado j� tivera fortes desaven�as. 631 01:01:29,375 --> 01:01:32,542 A consequ�ncia � dif�cil de pronunciar: 632 01:01:33,042 --> 01:01:34,542 ex�lio permanente, 633 01:01:35,584 --> 01:01:37,834 que podia comportar a condena��o � morte. 634 01:01:38,459 --> 01:01:40,083 Por decapita��o. 635 01:01:44,459 --> 01:01:46,751 Caravaggio v�-se obrigado a fugir. 636 01:01:47,167 --> 01:01:51,375 Costanza Sforza Colonna, a Marquesa de Caravaggio, vem em seu socorro. 637 01:01:51,918 --> 01:01:56,584 A Marquesa j� salvara o pintor em momentos mais conturbados da sua exist�ncia 638 01:01:56,959 --> 01:02:00,709 e que agora lhe facilita o ex�lio, nos seus feudos em Lazio. 639 01:02:02,459 --> 01:02:07,501 Nesse curto per�odo, o artista pinta a segunda vers�o de "Ceia em Ema�s", 640 01:02:07,834 --> 01:02:09,792 hoje na Pinacoteca de Brera. 641 01:02:11,417 --> 01:02:13,501 Uma cena sombria e simples, 642 01:02:13,584 --> 01:02:17,501 em que os poucos objectos sobre a mesa projectam longas sombras. 643 01:02:30,042 --> 01:02:32,999 Esperan�oso de obter a revoga��o do ex�lio permanente, 644 01:02:33,042 --> 01:02:34,834 Caravaggio dirige-se a N�poles. 645 01:02:36,501 --> 01:02:39,501 Est�-se no Outono daquele fat�dico e desastroso ano: 646 01:02:39,834 --> 01:02:41,501 o ano de 1606. 647 01:02:41,918 --> 01:02:43,334 Ele tem 35 anos. 648 01:02:48,209 --> 01:02:51,834 "Porque eu tinha fome, e tu deste-me de comer," 649 01:03:28,876 --> 01:03:32,167 "Eu tinha sede, e tu deste-me de beber," 650 01:03:38,626 --> 01:03:40,959 "Eu era um forasteiro, e tu acolheste-me." 651 01:03:43,751 --> 01:03:46,250 "Estava nu, e tu vestiste-me. 652 01:03:51,709 --> 01:03:54,292 "Estava doente, e tu visitaste-me. 653 01:04:00,334 --> 01:04:02,999 "Estava encarcerado, e tu foste procurar-me." 654 01:04:07,584 --> 01:04:11,876 "Um homem perdido precisa dum ref�gio, de conforto, de um abra�o..." 655 01:04:19,667 --> 01:04:22,542 "Fugi para encontrar uma nova casa." 656 01:04:26,959 --> 01:04:30,459 "N�o sou apenas um assassino, n�o sou um cretino," 657 01:04:30,584 --> 01:04:32,626 "n�o sou um homem violento." 658 01:04:38,042 --> 01:04:40,999 "Sou um homem que precisa de ajuda." 659 01:04:41,876 --> 01:04:46,042 "Um artista que procura miseric�rdia." 660 01:04:53,167 --> 01:04:55,999 Sa�do de Roma com fama de perigoso delinquente, 661 01:04:56,501 --> 01:05:00,375 em N�poles, Caravaggio descobre como a sua fama se estendeu 662 01:05:00,459 --> 01:05:02,209 para l� dos confins do Estado Pontif�cio. 663 01:05:02,584 --> 01:05:04,709 Aqui, tem fama de grande Mestre. 664 01:05:05,459 --> 01:05:07,167 A Pio Monte della Misericordia, 665 01:05:07,250 --> 01:05:11,250 a obra de caridade, que ainda hoje subsiste, 666 01:05:11,667 --> 01:05:15,876 encomenda-lhe um quadro emblem�tico da pr�pria companhia: 667 01:05:15,959 --> 01:05:17,459 "As Sete Obras de Miseric�rdia", 668 01:05:17,542 --> 01:05:20,751 que Caravaggio deve representar num s� quadro. 669 01:05:26,334 --> 01:05:31,834 Naquela altura, Caravaggio sentia profundamente o problema da miseric�rdia, 670 01:05:31,918 --> 01:05:35,250 pois ele pr�prio precisava de miseric�rdia. 671 01:05:38,083 --> 01:05:42,626 Ele estava certamente bem protegido em N�poles e ningu�m se atrevia a tocar-lhe, 672 01:05:42,751 --> 01:05:44,042 mas o quadro que ele executa 673 01:05:44,125 --> 01:05:48,584 � verdadeiramente como uma grandiosa elegia, um grandioso poema �pico, 674 01:05:48,667 --> 01:05:51,918 em que na representa��o das obras de miseric�rdia, 675 01:05:51,999 --> 01:05:55,542 Caravaggio representa na realidade aquela c�lera interior terr�vel 676 01:05:55,626 --> 01:05:58,584 que ele queria mostrar ao mundo, e, na verdade, consegue-o. 677 01:06:07,375 --> 01:06:12,250 Caravaggio recorre a um sistema representativo completamente novo. 678 01:06:12,334 --> 01:06:15,834 Em vez de contar os factos isoladamente, 679 01:06:15,918 --> 01:06:18,999 representa um grupo de gente de N�poles 680 01:06:19,042 --> 01:06:22,167 naquelas ruazinhas estreitas de N�poles, 681 01:06:22,250 --> 01:06:26,334 em que cada uma delas pretende significar uma das obras de miseric�rdia. 682 01:06:29,999 --> 01:06:32,083 "Dar de comer aos esfomeados," 683 01:06:34,042 --> 01:06:35,999 "dar de beber aos sequiosos," 684 01:06:37,501 --> 01:06:39,209 "vestir os nus" 685 01:06:40,375 --> 01:06:42,125 "alojar os peregrinos," 686 01:06:42,918 --> 01:06:44,709 "curar os enfermos," 687 01:06:44,876 --> 01:06:46,375 "visitar os encarcerados," 688 01:06:46,792 --> 01:06:48,209 "sepultar os mortos." 689 01:06:55,417 --> 01:06:58,250 A coisa talvez mais bela e mais comovente 690 01:06:58,334 --> 01:07:02,501 � a imagem de uma mulher que do alto dum edif�cio 691 01:07:02,584 --> 01:07:07,999 olha para baixo e v� a vida na cidade que se desenrola sob os seus olhos 692 01:07:08,083 --> 01:07:11,459 vida essa inspirada pela miseric�rdia. 693 01:07:13,751 --> 01:07:17,334 N�o � claro que seja a Virgem Maria e que a crian�a seja Jesus Cristo. 694 01:07:17,417 --> 01:07:20,167 Parecem na realidade uma m�e e um filho 695 01:07:20,250 --> 01:07:23,999 voltando ele mais uma vez � grande tem�tica da m�e e do filho, 696 01:07:24,042 --> 01:07:25,375 o amor materno. 697 01:07:26,459 --> 01:07:28,959 E diante dela, pendem dois anjos, 698 01:07:28,999 --> 01:07:32,999 duas figuras ang�licas de beleza impressionante. 699 01:07:33,042 --> 01:07:35,959 Mas sobretudo com um significado formid�vel. 700 01:07:41,751 --> 01:07:43,709 S�o o Bem e o Mal, 701 01:07:43,792 --> 01:07:48,250 segundo uma interpreta��o maravilhosa que emergiu neste nosso s�culo. 702 01:07:48,959 --> 01:07:51,334 S�o combatentes, 703 01:07:51,417 --> 01:07:55,083 dois anjos que lutam pela vida dos homens. 704 01:07:55,167 --> 01:07:59,999 Um deles, o Anjo do Mal, quer descer sobre a realidade humana, 705 01:08:00,083 --> 01:08:03,250 e o Anjo do Bem quer lev�-lo para longe. 706 01:08:06,292 --> 01:08:11,167 Enquanto decorre no C�u este encontro metaf�sico verdadeiramente sublime, 707 01:08:11,250 --> 01:08:14,042 a vida pulsante do quotidiano continua na cidade. 708 01:08:21,667 --> 01:08:26,125 Caravaggio recebe pela obra 400 scudi, uma soma consider�vel. 709 01:08:26,501 --> 01:08:29,834 Em seis anos, o valor das suas obras p�blicas multiplicara-se 710 01:08:30,167 --> 01:08:33,042 um claro sinal da sua fama crescente. 711 01:08:34,083 --> 01:08:35,751 Mas h� mais. 712 01:08:36,334 --> 01:08:40,999 Nas actas da reuni�o da direc��o da Associa��o Pio Monte de 1613, 713 01:08:41,042 --> 01:08:44,999 fica estabelecido que o quadro n�o deve ser retirado por motivo algum 714 01:08:45,083 --> 01:08:47,167 nem vendido por nenhuma soma. 715 01:08:49,542 --> 01:08:51,709 Diante deste novo sucesso, 716 01:08:51,792 --> 01:08:56,334 seria de esperar que o �nimo irrequieto de Caravaggio pudesse finalmente encontrar paz. 717 01:08:59,751 --> 01:09:03,999 Umas semanas ap�s a instala��o de "As Sete Obras de Miseric�rdia", 718 01:09:04,042 --> 01:09:08,167 o artista est� talvez de novo a trabalhar na "Flagela��o de Cristo", 719 01:09:08,250 --> 01:09:10,667 hoje no Museu de Capodimonte. 720 01:09:15,375 --> 01:09:19,959 Uma composi��o em, que o artista se concentra na sinistra mec�nica do Mal, 721 01:09:20,292 --> 01:09:23,876 sublinhando ao m�ximo a crueldade e o sofrimento. 722 01:09:24,334 --> 01:09:27,751 E trazendo o observador muito pr�ximo ao mal�fico acto de tortura. 723 01:09:29,542 --> 01:09:31,999 Os verdugos que atacam Cristo 724 01:09:32,042 --> 01:09:35,918 est�o dispostos em c�rculo � sua volta, como que numa dan�a macabra, 725 01:09:35,999 --> 01:09:39,834 numa coreografia sugestiva e carregada de tens�o. 726 01:09:46,167 --> 01:09:48,125 Jesus est� imerso na luz, 727 01:09:48,209 --> 01:09:52,083 como que a representar a verdade que se contrap�e ao horror, 728 01:09:52,167 --> 01:09:55,584 sublinhado na penumbra que envolve os carrascos. 729 01:10:01,959 --> 01:10:06,751 "Esta obra exposta ao p�blico atrai a si todos os olhares de quem a observa." 730 01:10:07,167 --> 01:10:10,334 "A nova maneira daquele terr�vel estilo de ensombramento," 731 01:10:10,417 --> 01:10:13,834 "e o realismo daqueles nus deixa-nos em suspenso," 732 01:10:14,250 --> 01:10:17,876 escreveu o historiador napolitano, Bernardo de Dominici. 733 01:10:30,542 --> 01:10:33,542 A situa��o de calma aparente daquela estadia em N�poles, 734 01:10:33,626 --> 01:10:36,083 come�a por�m a preocupar Caravaggio, 735 01:10:36,292 --> 01:10:39,626 que receia que a sua ascens�o esteja a chegar ao fim. 736 01:10:40,209 --> 01:10:42,584 Ap�s apenas um ano da sua chegada a N�poles, 737 01:10:42,667 --> 01:10:45,209 apresenta-se uma outra grande ocasi�o, 738 01:10:45,292 --> 01:10:48,459 talvez ainda gra�as � intercess�o de Costanza Colonna: 739 01:10:48,959 --> 01:10:51,083 a possibilidade de ir a Malta, 740 01:10:51,375 --> 01:10:54,501 naquela altura um centro de intenso desenvolvimento art�stico e cultural. 741 01:10:55,042 --> 01:10:58,083 � recebido na ilha como "o novo Apeles". 742 01:10:59,042 --> 01:11:01,709 Mas tamb�m aqui, a quietude dura pouco. 743 01:11:11,542 --> 01:11:16,626 Depois de matar Ranuccio Tomassoni, n�o h� noite em que consiga dormir. 744 01:11:19,417 --> 01:11:20,542 Nem uma! 745 01:11:20,709 --> 01:11:24,250 A minha mente n�o sossega, mant�m-me acordado. 746 01:11:29,167 --> 01:11:31,542 Uma imagem paira diante dos meus olhos. 747 01:11:32,167 --> 01:11:35,334 � a da minha cabe�a, separada do corpo. 748 01:11:36,375 --> 01:11:38,999 Levada numa travessa, como um trof�u. 749 01:11:45,375 --> 01:11:47,751 Ser� uma vis�o do que poder� ser o meu futuro? 750 01:12:06,667 --> 01:12:08,709 O medo � pior do que a morte. 751 01:12:25,250 --> 01:12:29,333 A chegada a Malta de Caravaggio, a 12 de Julho de 1607, 752 01:12:29,334 --> 01:12:32,209 fora preparada pela Marquesa Costanza, 753 01:12:32,292 --> 01:12:34,792 que chegara a acordo com Alof de Wignacourt, 754 01:12:35,250 --> 01:12:37,999 Gr�o-Mestre da Ordem dos Cavaleiros de Malta. 755 01:12:38,751 --> 01:12:44,083 Este j� procurava h� tempos um artista que decorasse a catedral em constru��o, 756 01:12:44,167 --> 01:12:46,876 e Caravaggio parecia a pessoa ideal. 757 01:12:53,999 --> 01:12:56,667 Caravaggio � recebido com todas as honras. 758 01:12:56,751 --> 01:13:00,918 O Gr�o-Mestre da Ordem de Malta, Alof de Wignacourt, acolhe-o, 759 01:13:00,999 --> 01:13:03,334 como um homem de alt�ssimo m�rito, 760 01:13:03,417 --> 01:13:07,042 conforme se comprova pelo decreto de nomea��o. 761 01:13:07,125 --> 01:13:09,918 Caravaggio torna-se cavaleiro por m�rito pr�prio. 762 01:13:10,751 --> 01:13:12,542 N�o se tratava de uma recomenda��o, 763 01:13:12,626 --> 01:13:15,042 ele era um dos homens mais merecedores do seu tempo. 764 01:13:15,125 --> 01:13:17,417 Ele faz um retrato do Gr�o-Mestre, 765 01:13:18,417 --> 01:13:21,334 um retrato hoje conservado no Louvre, em Paris. 766 01:13:21,417 --> 01:13:25,083 Um retrato maravilhoso que muito agrada a Alof de Wignacourt. 767 01:13:25,999 --> 01:13:30,792 As fei��es do Gr�o-Mestre s�o reproduzidas por Caravaggio numa outra obra, 768 01:13:30,959 --> 01:13:32,709 "San Girolamo Scrivente", 769 01:13:33,042 --> 01:13:36,501 ainda hoje em exposi��o na Co-Catedral de S�o Jo�o. 770 01:13:37,125 --> 01:13:41,709 Mas h� uma outra obra que est� destinada a deixar eternamente o selo de Malta 771 01:13:41,792 --> 01:13:43,792 na hist�ria da arte... 772 01:13:46,209 --> 01:13:50,792 Caravaggio executa a obra-prima das obras-primas em Malta, 773 01:13:50,999 --> 01:13:52,709 "A Decapita��o de S�o Jo�o Baptista". 774 01:14:03,918 --> 01:14:07,209 Caravaggio representa o momento mais terr�vel 775 01:14:07,292 --> 01:14:11,125 da trag�dia de S�o Jo�o Baptista, que acaba de ser decapitado, 776 01:14:11,209 --> 01:14:16,626 mas na imagina��o do artista, o golpe que o carrasco desfere para lhe cortar a cabe�a 777 01:14:16,709 --> 01:14:18,792 n�o consegue separ�-la do corpo. 778 01:14:18,876 --> 01:14:24,209 Ent�o o carrasco pega num punhal de l�mina curta, chamado "a miseric�rdia" 779 01:14:24,292 --> 01:14:28,167 porque permite ao condenado n�o sofrer 780 01:14:28,250 --> 01:14:31,417 para l� dos limites do que era permitido � malvadez humana. 781 01:14:31,501 --> 01:14:36,042 E assim, com aquela l�mina, inflige o golpe mortal final, 782 01:14:36,125 --> 01:14:39,918 libertando o condenado pelo menos do tormento da dor, 783 01:14:43,999 --> 01:14:48,292 "A Decapita��o de S�o Jo�o Baptista" obt�m um sucesso retumbante 784 01:14:48,375 --> 01:14:52,959 e � considerada uma das maiores obras de arte de sempre, e �-o efectivamente. 785 01:14:52,999 --> 01:14:54,626 Mas de repente, tudo muda. 786 01:14:56,292 --> 01:15:01,667 Fontes indicam que houve uma briga entre Caravaggio e outro cavaleiro, 787 01:15:01,751 --> 01:15:06,542 um Cavaleiro de Justi�a, hierarquicamente superior. 788 01:15:23,292 --> 01:15:26,375 Caravaggio � detido e enfiado numa "guva", 789 01:15:29,083 --> 01:15:33,125 uma das celas subterr�neas do inexpugn�vel Forte de S�o Angelo, 790 01:15:34,751 --> 01:15:37,292 um lugar claustrof�bico, escuro... 791 01:15:38,834 --> 01:15:40,417 assustador. 792 01:15:47,626 --> 01:15:51,292 E o mais terr�vel � que lhe retiram tudo. 793 01:15:51,792 --> 01:15:53,667 Deixa de ser Cavaleiro, 794 01:15:53,751 --> 01:15:57,334 � at� publicado um decreto que o descreve 795 01:15:57,417 --> 01:16:00,667 como "um homem p�trido e f�tido", literalmente. 796 01:16:00,959 --> 01:16:03,417 O insulto mais sanguinolento que se possa fazer, 797 01:16:03,501 --> 01:16:07,292 a quem at� a� vivia nos altares da gl�ria e da fama. 798 01:16:08,250 --> 01:16:11,918 Alof de Wignacourt apoia a retirada dos privil�gios: 799 01:16:12,792 --> 01:16:15,501 Caravaggio deixa de ser um Cavaleiro de Malta. 800 01:16:16,959 --> 01:16:18,792 Mas ele j� est� longe. 801 01:16:19,375 --> 01:16:22,999 Algu�m o ajudou a fugir para a Sic�lia. 802 01:16:32,542 --> 01:16:37,709 Um cronista da �poca regista alguns testemunhos 803 01:16:37,792 --> 01:16:39,751 da chegada de Caravaggio a Siracusa. 804 01:16:39,834 --> 01:16:43,626 �-lhe encomendada uma nova grande obra de arte 805 01:16:43,709 --> 01:16:48,334 ao n�vel daquela obra-prima que ele acabara de produzir em Malta. 806 01:16:48,876 --> 01:16:53,876 A encomenda visava celebrar a santa padroeira da cidade, 807 01:16:53,959 --> 01:16:57,417 a Santa L�cia, uma m�rtir dos primeiros s�culos da era de Cristo, 808 01:16:57,501 --> 01:17:00,375 que convertida ao Cristianismo, 809 01:17:00,459 --> 01:17:03,626 se recusa a entregar-se ao seu noivo. 810 01:17:03,999 --> 01:17:08,125 E ele, enervado, no m�nimo, perante tal situa��o, 811 01:17:08,209 --> 01:17:10,584 e querendo possu�-la, mas n�o podendo, 812 01:17:10,667 --> 01:17:12,083 mata-a ou manda mat�-la. 813 01:17:13,709 --> 01:17:17,375 A obra, mais uma vez, � um empreendimento tit�nico, 814 01:17:17,459 --> 01:17:19,918 a tela mede quatro metros de altura. 815 01:17:19,999 --> 01:17:22,209 Na realidade, a �ltima actividade de Caravaggio 816 01:17:22,292 --> 01:17:26,334 est� totalmente concentrada neste sonho, se podemos chamar-lhe assim, 817 01:17:26,417 --> 01:17:28,999 de se afastar das propor��es normais 818 01:17:29,083 --> 01:17:32,250 para executar obras imensas que d�em a quem as observa 819 01:17:32,334 --> 01:17:36,125 a sensa��o de um espa�o e de um tempo infinitos. 820 01:17:39,667 --> 01:17:45,501 A maior parte do quadro, o Sepultamento de Santa Lucia, est� praticamente vazio. 821 01:17:46,042 --> 01:17:47,083 N�o h� nada. 822 01:17:47,459 --> 01:17:49,626 O corpo jaz por terra, o bispo est� atr�s dela, 823 01:17:49,709 --> 01:17:52,334 que benze este momento crucial, 824 01:17:52,417 --> 01:17:54,999 e o povo que a circunda e a olha, 825 01:17:55,042 --> 01:17:58,918 com express�es entre o horrorizado e o desesperado. 826 01:17:58,999 --> 01:18:00,501 Mas o interessante, 827 01:18:00,584 --> 01:18:02,709 � que inspirando-se provavelmente 828 01:18:02,792 --> 01:18:06,501 em alguns monumentos que est�o ali, em Siracusa, 829 01:18:06,584 --> 01:18:10,999 monumentos arqueol�gicos que s�o como catacumbas, a que chamam "latomie"... 830 01:18:12,334 --> 01:18:15,792 Caravaggio parece ter representado um destes s�tios, 831 01:18:15,876 --> 01:18:18,751 porque sobre as cabe�as das personagens 832 01:18:18,834 --> 01:18:22,250 parece haver um muro alt�ssimo, escur�ssimo, 833 01:18:22,542 --> 01:18:24,751 absolutamente impenetr�vel ao olhar, 834 01:18:25,999 --> 01:18:28,167 como se Caravaggio tivesse de alguma forma 835 01:18:28,250 --> 01:18:31,999 tivesse j� compreendido que a pintura n�o � necessariamente 836 01:18:32,083 --> 01:18:35,459 uma arte que representa coisas que se v�em. 837 01:18:35,542 --> 01:18:38,792 Pode representar tamb�m aquilo que n�o se v�. 838 01:18:49,792 --> 01:18:52,918 A irrequietude e o desejo de liberdade s�o demasiado fortes. 839 01:18:54,042 --> 01:18:56,125 Era altura de abandonar a Sic�lia. 840 01:18:56,584 --> 01:18:59,167 A etapa seguinte � novamente N�poles. 841 01:19:09,292 --> 01:19:12,042 As feridas do corpo s�o f�ceis de suportar, 842 01:19:12,125 --> 01:19:14,417 a quem tem dentro de si feridas bem mais amargas. 843 01:19:24,918 --> 01:19:26,792 N�o h� l�gica na ira, 844 01:19:31,417 --> 01:19:33,918 e talvez nem haja l�gica na esperan�a. 845 01:19:34,999 --> 01:19:37,834 E no entanto, eu sinto a for�a de ambas em mim. 846 01:19:45,834 --> 01:19:47,542 � tempo de procurar paz. 847 01:19:48,250 --> 01:19:50,292 � tempo de recuperar a liberdade. 848 01:19:52,751 --> 01:19:54,751 Ou talvez seja tempo de morrer. 849 01:20:07,667 --> 01:20:12,417 Caravaggio regressa a N�poles. � como um ref�gio, um porto seguro. 850 01:20:13,459 --> 01:20:14,999 Tudo parece correr lindamente. 851 01:20:15,042 --> 01:20:18,834 Vai viver no Pal�cio em Chiaia, de Costanza Colonna. 852 01:20:19,209 --> 01:20:21,667 � tratado com honras, rever�ncia. 853 01:20:22,459 --> 01:20:23,959 � muit�ssimo bem tratado. 854 01:20:24,250 --> 01:20:26,751 � contactado por ilustres coleccionadores, 855 01:20:26,834 --> 01:20:30,334 e ele pr�prio parece viver um verdadeiro renascimento. 856 01:20:32,292 --> 01:20:34,334 E a vida decorre agradavelmente. 857 01:20:34,417 --> 01:20:38,584 Havia ali uma taberna muito frequentada pelos intelectuais da �poca, 858 01:20:39,083 --> 01:20:41,584 um local chamado Locanda del Cerriglio. 859 01:20:41,667 --> 01:20:44,417 E Caravaggio costumava ir �quele s�tio. 860 01:20:44,501 --> 01:20:48,375 Que era um - como dizer? - um local de moda, como se diria hoje. 861 01:20:48,792 --> 01:20:53,918 E ali volta a acontecer algo que n�o devia ter acontecido. 862 01:20:57,083 --> 01:20:58,125 Rebenta uma disputa. 863 01:21:00,667 --> 01:21:02,542 N�o se sabe porqu�, 864 01:21:02,626 --> 01:21:07,375 mas tem-se a certeza de que Caravaggio sai de uma verdadeira agress�o 865 01:21:07,999 --> 01:21:09,918 com a cara toda negra e inchada, 866 01:21:09,999 --> 01:21:13,709 a ponto de se espalhar pela cidade a not�cia de que morrera. 867 01:21:16,125 --> 01:21:17,999 Na verdade, n�o fora morto, 868 01:21:18,792 --> 01:21:23,667 mas a julgar pelo quadro "David Com a Cabe�a de Golias", 869 01:21:23,999 --> 01:21:26,250 pode ficar-se com uma ideia daquilo que aconteceu, 870 01:21:26,334 --> 01:21:30,876 porque Caravaggio neste quadro memor�vel, talvez a sua �ltima obra-prima... 871 01:21:31,709 --> 01:21:33,626 representa-se a si mesmo 872 01:21:33,709 --> 01:21:38,667 na cabe�a decapitada do gigante Golias, segundo a narrativa b�blica. 873 01:21:42,959 --> 01:21:48,042 O jovem David tem na m�o a cabe�a de Golias, decapitada. 874 01:21:48,876 --> 01:21:49,999 E mostra-a... 875 01:21:50,999 --> 01:21:52,959 ao p�blico, a n�s. 876 01:21:52,999 --> 01:21:55,292 Num gesto de vencedor. 877 01:21:58,584 --> 01:22:00,751 Mas olha para ela, 878 01:22:01,417 --> 01:22:08,375 com uma express�o que - atrevo-me a dizer - revela melancolia, compaix�o. 879 01:22:11,167 --> 01:22:14,167 No fundo, sobre a cabe�a de Caravaggio, 880 01:22:14,918 --> 01:22:17,417 pendia ainda o ex�lio definitivo, 881 01:22:17,709 --> 01:22:21,125 que podia levar � sua pr�pria decapita��o. 882 01:22:21,209 --> 01:22:24,999 E assim, ele, representando-se na cabe�a de Golias, 883 01:22:25,542 --> 01:22:28,959 representa-se como se a condena��o � morte tivesse sido executada, 884 01:22:28,999 --> 01:22:31,751 e ele tivesse sido decapitado. 885 01:22:35,959 --> 01:22:37,375 A pena de morte... 886 01:22:37,999 --> 01:22:39,501 � justo infligi-la? 887 01:22:39,584 --> 01:22:41,626 � digna do homem, do ser humano? 888 01:22:42,334 --> 01:22:46,751 � como se o quadro de Caravaggio fosse uma resposta a este eterno dilema. 889 01:22:47,501 --> 01:22:52,709 E a resposta � que a pena de morte n�o se pode infligir. 890 01:22:53,083 --> 01:22:55,459 Porque infligir a morte n�o � uma pena. 891 01:22:55,834 --> 01:22:57,501 A pena � viver. 892 01:23:16,876 --> 01:23:20,167 O artista desfigurado e parcialmente cedo pela agress�o 893 01:23:20,250 --> 01:23:22,042 sente-se sob ass�dio. 894 01:23:22,375 --> 01:23:24,751 Os pensamentos de morte acompanham-no sempre. 895 01:23:25,375 --> 01:23:26,792 N�o lhe d�o tr�gua. 896 01:23:30,501 --> 01:23:35,250 Na vida de Caravaggio acontece algo de importante, de bel�ssimo. 897 01:23:35,876 --> 01:23:37,999 Recebe uma comunica��o 898 01:23:38,042 --> 01:23:41,918 que parece sugerir que o ex�lio definitivo vai ser revogado. 899 01:23:43,250 --> 01:23:48,375 Finalmente, Caravaggio pode regressar aos dom�nios da Igreja. 900 01:23:50,250 --> 01:23:55,999 Embarca numa "felucca", um barquinho que o levar� a Roma, 901 01:23:56,083 --> 01:23:59,042 mas, na verdade, inicia-se ali a trag�dia. 902 01:24:02,209 --> 01:24:07,250 O Mestre carrega as suas obras, aquelas que fez recentemente, 903 01:24:09,959 --> 01:24:13,959 mas quando chega a Porto Ercole, � interpelado e detido. 904 01:24:14,542 --> 01:24:15,999 A "felucca" distancia-se. 905 01:24:19,250 --> 01:24:22,542 Reza a lenda que o Mestre, desesperado, na praia, 906 01:24:22,876 --> 01:24:27,209 tenta seguir a barca que j� partiu, que nunca mais alcan�ar�. 907 01:24:31,792 --> 01:24:36,167 Contam os historiadores que foi atacado por uma febre de mal�ria. 908 01:24:36,584 --> 01:24:39,709 O seu corpo desapareceu, n�o h� nenhum t�mulo. 909 01:24:40,209 --> 01:24:45,125 De repente, acaba tudo, a 18 de Julho de 1610. 910 01:25:21,959 --> 01:25:23,417 Vejo a luz. 911 01:25:41,042 --> 01:25:43,459 Sinto-me como se despertasse de um longo sono. 912 01:25:56,250 --> 01:25:57,626 Finalmente, percebi. 913 01:26:05,375 --> 01:26:06,751 Resistir. 914 01:26:08,083 --> 01:26:09,292 Arriscar. 915 01:26:10,501 --> 01:26:11,542 Viver. 916 01:26:11,959 --> 01:26:12,999 Morrer. 917 01:26:13,918 --> 01:26:14,959 Combater. 918 01:26:16,209 --> 01:26:17,584 Procurar a paz. 919 01:26:35,209 --> 01:26:38,459 Penso que n�o h� nada, nas trevas 920 01:26:38,959 --> 01:26:41,584 e tudo existe... na luz. 921 01:26:44,626 --> 01:26:45,792 Eu escolho a luz. 922 01:28:29,250 --> 01:28:32,125 Tradu��o SARA DAVID LOPES 923 01:28:32,167 --> 01:28:34,083 Legendagem IL SORPASSO 924 01:31:00,959 --> 01:31:02,876 FIM 83732

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