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- Art Subs -
13 anos fazendo Arte para voc�!

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Revis�o
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O FILME A SEGUIR CONT�M
UM OBITU�RIO

UM BREVE GUIA DE VIAGENS
E TR�S REPORTAGENS,

TODAS DA CR�NICA FRANCESA

(UMA REVISTA AMERICANA
PUBLICADA EM ENNUI, FRAN�A).

A CR�NICA FRANCESA

EDITOR-CHEFE MORRE AOS 75 ANOS
FILHO DO FUNDADOR DESTA REVISTA

ENNUI SUR-BLAS�, FRAN�A

Tudo come�ou
como um feriado.

Arthur Howitzer Junior,
calouro na faculdade,

louco para fugir de um futuro
brilhante nas Grandes Plan�cies,

convenceu seu pai,
dono do Liberty Kansas Evening Sun,

a pagar sua viagem transatl�ntica
como uma oportunidade educacional

para aprender
o of�cio da fam�lia

por meio da produ��o
de um di�rio de viagens

a ser publicado para os leitores
da revista dominical Picnic.

Nos dez anos seguintes,
ele montou uma equipe

com os melhores
jornalistas expatriados da �poca

e transformou a Picnic
na Cr�nica Francesa.

Um relat�rio factual e semanal
sobre os temas de pol�tica mundial,

as artes, nobres ou n�o, moda,
culin�ria chique, bebidas finas

e hist�rias de interesses humanos
em quartiers distantes.

Ele trouxe o mundo
para o Kansas.

Seus escritores s�o achados
em toda boa biblioteca americana.

Berensen,

Sazerac,

Krementz,

Roebuck Wright.

Um rep�rter famoso por ser
o melhor escritor

em qualidade de frases
por minuto.

Outro que nunca terminou
um artigo sequer,

mas frequentou os corredores
alegremente por tr�s d�cadas.

Um escritor confidencialmente cego
que escreveu pelos olhos de outros.

A incontest�vel especialista
em gram�tica.

Ilustra��es de capa:
Herm�s Jones.

Notoriamente am�vel
com seus escritores,

Arthur Junior era menos cort�s
com o resto da equipe da revista.

O que � isso?
Preciso de um peru!

Recheado e assado em uma mesa
com guarni��es e peregrinos!

Seu sistema de gest�o fiscal
era complicado, mas funcional.

D� a ela 150 francos por semana
por 15 anos

com 5 centavos americanos
por palavra, deduzindo despesas.

Seu conselho liter�rio mais famoso,
talvez ap�crifo, era simplesmente:

fa�a parecer que voc� escreveu
dessa forma de prop�sito.

Seu retorno � Liberty
ocorre 50 anos ap�s sua partida,

devido ao seu funeral,

no momento em que a circula��o
da revista ultrapassa

meio milh�o de assinantes
em 50 pa�ses.

Um cesto com alfinetes, placas
e cita��es oficiais

da mais alta ordem
est� enterrado ao seu lado,

junto a uma
m�quina de escrever Andretti

e uma resma de papel
de algod�o eg�pcio de 3 camadas.

Ele teve o enterro
de um editor.

Em seu testamento,
ele estipulou

que imediatamente ap�s sua morte,
abre aspas:

"As prensas ser�o desmontadas
e derretidas.

A reda��o ser� desocupada
e vendida.

A equipe receber� amplo b�nus
e ser� liberada de seus contratos

e a publica��o da revista
cessar� definitivamente."

Por conta disso...

o obitu�rio do editor ser� tamb�m
o obitu�rio da revista.

Os assinantes ser�o
reembolsados proporcionalmente

pela por��o n�o cumprida
de suas assinaturas.

Seu epit�fio ser� retirado
literalmente da placa estampada

e fixada sobre a porta
de seu escrit�rio.

"Primor de Concreto", de Berensen:
3 erros de concord�ncia,

2 de reg�ncia e 9 de grafia
s� na primeira frase.

Alguns deles
s�o intencionais.

A reportagem de Krementz,
"Revis�es de um Manifesto".

Pedimos 2.500 palavras,
ela nos deu 14.000

al�m de notas de rodap�,
gloss�rio e ep�logos.

� uma das melhores dela.

- Sazerac?
- Imposs�vel checar os fatos.

Ele muda nomes e s� fala
de vagabundos, cafet�es e drogados.

S�o o povo dele.

Que tal Roebuck Wright?

Sua porta est� fechada,
mas o ouvi teclando.

N�o o apresse.

A quest�o �: quem morre?

Sobra um artigo,
mesmo se for uma edi��o dupla,

o que n�o podemos pagar
de jeito nenhum.

Mensagem do capataz:
"uma hora para a impress�o".

Voc� est� demitido.

S�rio?

N�o chore no meu escrit�rio.

PROIBIDO CHORAR

Reduza o cabe�alho, corte an�ncios,
mande o capataz comprar mais papel.

N�o vou matar ningu�m.

Bons escritores.
Ele os mimava,

os persuadia,
os protegia ferozmente.

- O que acha?
- Eu?

Eu come�aria
com o sr. Sazerac.

Estes eram o seu povo.

CADERNO "COR LOCAL"
(P�GINAS 3-4)

CURTINHA

"O REP�RTER CICLISTA",
DE HERBSAINT SAZERAC

Ennui desperta repentinamente
em uma segunda-feira.

Atrav�s da m�quina do tempo
da licen�a po�tica,

vamos fazer
um passeio tur�stico.

Um dia em Ennui,
ao longo de 250 anos.

A grande cidade era um aglomerado
de aldeias de comerciantes.

Somente os nomes
permanecem inalterados.

O Distrito Botapreta.

PASSADO - FUTURO

O Bairro dos Pedreiros.

A Galeria do A�ougueiro.

Cul-de-Sac dos Gatunos.

Neste local,
um mercado fabuloso

vendia todo tipo
de alimentos e comest�veis

sob um vasto dossel de vidro
e ferro fundido,

mais tarde demolido,
como se pode ver,

em favor de um shopping
e um estacionamento.

Como ocorre com toda cidade,

Ennui mant�m um zool�gico
de vermes e necr�fagos.

Os ratos, que colonizaram
suas ferrovias subterr�nea.

Os gatos, que colonizaram
seus telhados inclinados.

As anguillettes, que colonizaram
seus canais de drenagem rasos.

Depois de receber a comunh�o,
coroinhas ladr�es

b�bados do Sangue de Cristo,
perseguiam aposentados incautos

e buscam o caos.

No quarteir�o Flop, alunos...

Famintos, inquietos,
imprudentes.

No distrito Hovel...
pessoas velhas.

Pessoas velhas que falharam.

O autom�vel.

�s vezes, uma b�n��o. Por um lado,
buzinas, derrapadas, corridas,

barulhos e escapamentos.

A emiss�o de fuma�a t�xica
e de polui��o nojenta.

Os acidentes perigosos,
o tr�nsito constante, a alta...

Porra!

Departamento
de Estat�sticas Locais.

Precipita��o m�dia,
750 mil�metros.

Queda de neve m�dia,
190.000 flocos.

A cada semana, 8,25 corpos
s�o retirados do rio Blas�.

Um n�mero que persiste
apesar do crescimento populacional

e avan�os em sa�de e higiene.

Quando o sol se p�e, uma mistura
de prostitutas clandestinas

e gigol�s substituem
os entregadores e lojistas

e um ar de calma prom�scua
impregna o momento.

Que sons v�o pontuar a noite?

E que mist�rios
eles v�o prever?

Talvez a velha e question�vel
m�xima seja verdade.

"Todas as grandes belezas...

ocultam seus segredos
mais profundos."

"Ratos, vermes,
gigol�s, prostitutas."

N�o acha quase decadente demais
desta vez?

- N�o acho.
- Para pessoas decentes.

Era para ser charmoso.

"Batedores de carteira,
corpos, pris�es, mict�rios..."

N�o quer acrescentar
uma floricultura

- ou um museu?
- N�o.

- Algum lugar bonito?
- Eu odeio flores.

Dava para cortar a segunda metade
do segundo par�grafo.

Voc� a repetiu
mais � frente.

Certo.

CADERNO "ARTES E ARTISTAS"
(P�GINAS 5-34)

PRIMEIRA REPORTAGEM

"A OBRA-PRIMA DE CONCRETO",
DE J. K. L. BERENSEN

Tomamos como tema
da palestra desta noite

o grande pintor da vanguarda
da Escola Francesa Derramamento,

sr. Moses Rosenthaler.

Muito famoso,
como se sabe,

pelo estilo dram�tico ousado
e escala colossal

de seu per�odo de transi��o,
sobretudo as pinturas pol�pticas

conhecidos como:

"Dez Murais de Suporte
de Cimento Refor�ado Agregados."

Ele ainda �, em minha opini�o,
a mais eloquente

e certamente a mais alta
voz art�stica da sua gera��o.

Como esta pe�a crucial
encontrou seu caminho

at� se tornar instala��o permanente
aqui na cole��o Clampette?

A hist�ria come�a
em um refeit�rio.

A exposi��o
"Cinzeiros, Panelas e Macram�",

uma mostra coletiva de artesanato
por artistas amadores

presos na se��o de loucos
do asilo de Ennui,

pode ter sido omitida
dos anais da hist�ria da arte

se n�o fosse pela inclus�o
em seu n�mero de um pequeno quadro

pelo sr. Rosenthaler,
que cumpria naquela �poca

pena de 50 anos
por um duplo homic�dio

e pela observa��o desse trabalho
por um colega de cela,

o negociante de arte levantino,
sr. Julian Cadazio,

que, por coincid�ncia fat�dica,
estava preso no anexo adjacente

acusado de evas�o fiscal
de segundo grau.

Guarda.

Quem pintou este quadro?

Cidad�o 7524.

Acredito que seja
uma unidade de seguran�a m�xima

para dementes e loucos.

Poderia prover um acompanhante
e Selo de Visita Amig�vel

para uso imediato?

"Simone Nua", bloco J,
Sala de Recrea��o.

Eu quero compr�-la.

- Por qu�?
- Porque eu gostei.

N�o est� � venda.

Est�, sim.

- N�o est�.
- Est�.

- N�o est�.
- Est�.

- N�o est�.
- Est�, sim.

Um artista vende
todos os trabalhos.

� o que o torna um artista.
A venda.

Se n�o quer vender,
n�o pinte.

A pergunta �:
qual o seu pre�o?

50 cigarros.
Na verdade, 75.

Por que fica olhando
para aquela guarda?

Ela � a Simone.

N�o quero comprar
esta obra not�vel por 50 cigarros.

- 75.
- Ou 75 dessa moeda de pris�o.

Vou pagar 250.000 francos
� moda francesa legal.

Temos um acordo?

Posso apenas oferecer
um dep�sito de...

83 centimes, uma castanha
e quatro cigarros.

Tudo o que tenho
neste momento.

Se aceitar meu vale-assinatura,
garanto que um cheque para o resto

ser� enviado em 90 dias.

Em que banco tem conta?

Deixa pra l�.

Como aprendeu a fazer isso?

Pintar esse estilo.

Quem voc� assassinou,
e qu�o louco voc� realmente �?

Preciso do seu hist�rico b�sico
para escrever um livro sobre voc�.

Isso o torna mais importante.

Quem � voc�...

Moses Rosenthaler?

De origem rica, filho
de um fazendeiro mexicano e judeu,

Miguel Sebastian Maria
Mois�s de Rosenthaler,

estudou na �cole des Antiquit�s
mediante despesas significativas.

Mas,
ao fim de sua juventude,

abriu m�o dos luxos
da sua confort�vel posi��o

e os substituiu por...

Mis�ria.

MIS�RIA

Fome.

FOME

Solid�o.

SOLID�O

Perigo f�sico.

PERIGO F�SICO

Doen�as mentais.

DOEN�AS MENTAIS

E, naturalmente...

viol�ncia criminosa.

Ele n�o encostou em um pincel
durante a primeira d�cada

de sua longa
senten�a de pris�o.

ENXAGUANTE BUCAL

11� ANO, DIA 1

Permiss�o para participar
das atividades, guarda.

- Voc� tem uma ficha?
- Isto?

Um momento, por favor.
Um novo condenado chegou hoje.

Recluso 7524,
dirija-se � classe.

- Como assim?
- Se apresente ao grupo.

- N�o quero fazer isso.
- � obrigat�rio.

- J� me conhecem.
- N�o se trata disso.

- Nem preparei um discurso.
- Diga algo.

Bem, eu estou aqui
h� 3.647 dias e noites.

S� faltam mais 14.603.

Bebo 8 litros de enxaguante bucal
por semana.

Nesse ritmo...

Acho que me envenenarei
at� a morte

antes de conseguir
ver o mundo novamente,

o que me faz sentir...

muito triste.

Tenho que mudar meus planos.

Tenho que ir
em uma nova dire��o.

Qualquer coisa que eu puder fazer
para me manter ocupado,

eu farei.

Sen�o...

Acho que talvez
eu me suicide.

E foi por isso que me inscrevi
em cer�mica e cestaria.

Meu nome � Mois�s.

Sente-se.

Qual � o seu nome, guarda?

Simone.

H� mulheres que se sentem atra�das
por homens encarcerados.

� uma patologia reconhecida.

Algo sobre
a pris�o de terceiros

aumenta a experi�ncia
de sua pr�pria liberdade.

Garanto a voc�s, � er�tico.

Olhem para ela,
por falar nisso.

Nascida quase como
uma escrava,

16 irm�os e irm�s.

Analfabeta at� os 20 anos.

Agora, uma mulher
com uma not�vel propriedade.

Esplendorosa.

Deus do C�u.
Slide errado. Essa sou eu.

Simone, � claro,

recusou todas as s�plicas
de casamento de Rosenthaler,

que, segundo nos dizem,
eram frequentes

e maravilhosamente
entusiasmadas.

Quero dizer
da forma mais simples poss�vel.

Para tentar transform�-los
em palavras.

Os sentimentos em meu cora��o.

- Eu n�o te amo.
- Eu te amo.

- O qu�?
- Eu n�o te amo.

- J�?
- J�, o qu�?

Como voc� j� sabe disso?

Como pode ter certeza?
T�o r�pido.

Tenho certeza.

Isso me machuca.

A crueldade.
O sangue-frio.

Voc� disse o que queria dizer.
Eu tentei impedi-lo. � isso.

Eu disse parte
do que queria dizer.

Eu estava na metade.
Tem mais.

N�o.

- N�o, o qu�? Voc�...
- N�o.

- Quer casar comigo?
- N�o.

Devo lev�-lo de volta � cela
na camisa de for�a e prend�-lo?

Vou precisar
de suprimentos de arte.

Telas, molduras,
pinc�is, terebentina.

O que voc� quer pintar?

O futuro.

Que � voc�.

Amplamente n�o considerado
um profundo conhecedor,

Julian Cadazio, no entanto,
tinha uma grande vis�o,

e ele nos fez uma boa a��o,

quando no momento
em que foi libertado da pris�o...

GALERIA

Chega de flores e fruteiras.

Adeus �s praias
e paisagens marinhas.

Esque�am armaduras, tapetes
e tape�arias.

Eu encontrei algo novo.

Arte Moderna?

Arte Moderna. Nossa especialidade,
a partir de agora.

- N�o entendi.
- Claro que n�o.

- Sou muito velho?
- Claro.

- Por que isso � bom?
- N�o � bom. Achou errado.

- Isso n�o � resposta.
- Exatamente.

- Est�o vendo a garota?
- N�o.

Acreditem em mim,
ela est� a�.

Para saber se um artista moderno
sabe mesmo o que faz,

fa�a-o pintar um cavalo, uma flor
ou um navio de guerra afundando,

ou algo que deve mesmo se parecer
com o que realmente deve ser.

Ele � capaz? Vejam isso.

Desenhado em 45s, na minha cara,
com um palito de f�sforo queimado.

Um pardal perfeito.
Excelente.

- Posso ficar com ele?
- N�o seja idiota. Claro que n�o.

A quest�o � que ele poderia
pint�-lo lindamente se quisesse,

mas ele acha
que isto � melhor.

E acho que concordo com ele.

"Simone, Nua,
Bloco J, Sala de Lazer"

talvez seja uma obra-prima
que vale uma significativa,

at� exorbitante,
quantia de dinheiro.

Mas ainda n�o.

O desejo deve ser criado.

At� quando ele ficar� preso?

UMA SEMANA DEPOIS

UMA NOVA PETI��O � ENTREGUE
� JUNTA ESPECIAL DE CONDICIONAL

EM NOME DO RECLUSO 7524

RELATIVA AOS CRIMES DE ASSALTO,
AGRESS�O E ESQUARTEJAMENTO.

Sr. Rosenthaler...

por que dever�amos
coloc�-lo de volta as ruas?

Porque foi um acidente,
Merit�ssimo.

Eu n�o pretendia
matar ningu�m.

Voc� decapitou dois bartenders
com uma serra de carne.

O primeiro bartender
foi um acidente.

O segundo
foi em leg�tima defesa.

Bem, seja como for,

que demonstra��o de remorso genu�no
ou, pelo menos,

arrependimento pode dar
por decapit�-los?

Eles mereciam.

- O que disse?
- Com licen�a.

H� uma parte deste rito
onde pergunta

se algu�m tem algo a dizer
antes que seja tarde demais?

Como em um casamento.

- N�o.
- Serei breve.

Todos sabemos
que este homem � um assassino.

Totalmente culpado de homic�dio,
n�o h� d�vidas. Isso � fato.

Mas tamb�m � um raro sujeito
que surge uma vez em cada gera��o,

que voc� ouve falar, mas nunca teve
a chance de descobrir por si mesmo.

Um g�nio da arte.

Deve haver um duplo padr�o
para uma situa��o dessa.

Ali�s, sup�e-se que ele
� psic�tico. Isso n�o � culpa dele.

Respeitosamente, proponho...

que talvez pud�ssemos pensar
em outra forma de puni-lo?

O direito de Rosenthaler
de peti��o de condicional

foi permanentemente revogado
durante toda a sua pena.

Sem mais perguntas.

No entanto, Cadazio e seus tios
foram un�nimes na decis�o

de promover o artista
como seus agentes exclusivos

em todo o mundo livre.

CADAZIO
TIOS E SOBRINHO GALERIA

Simone viajou
por toda a parte.

O Sal�o de Ennui.

A Exposi��o Real.

O Pavilh�o Internacional
na Feira Estadual

de Liberty, Kansas, que foi quase
reduzido a cinzas.

Em suma,
o quadro foi uma sensa��o.

Mesmo o trabalho anterior
quase esquecido do artista,

inspirou fortes vendas
no mercado secund�rio.

Enquanto isso, Rosenthaler seguiu
trabalhando em confinamento.

Surpreendentemente, o artista
preferia as mat�rias-primas

vindas exclusivamente de dentro
da pr�pria pris�o-hosp�cio.

Ovos em p�.

Sangue de pombo.

Graxa de manilha.

Carv�o, corti�a e esterco.

Fogo, � claro.

Sabonete de copa
amarelo-claro.

E creme de milho fresco
como aglutinante.

Simone gostava
de ficar im�vel.

De fato, ela possu�a
uma destreza ol�mpica

para manter posi��es extremamente
desafiadoras por longos per�odos.

Demonstrava pouca vulnerabilidade
�s condi��es clim�ticas extremas.

Mesmo ap�s formas
mais adversas de exposi��o,

sua pele permanecia intacta,
impec�vel, sem peles de galinha.

Outro segredinho.

Ela realmente gostava
do cheiro de terebintina,

e nos anos seguintes
come�ou a us�-lo

em sua higiene pessoal.

Ela era mais
do que uma musa.

Puxe a alavanca.

Puxe a alavanca,
sua boqueteira.

O que h� com voc�?
Volte ao trabalho.

N�o posso.

N�o vou. � muito dif�cil.

� uma tortura.

Sou literalmente
um artista torturado.

Coitadinho.

Saia.

� isso que voc� quer?

Eu cresci em uma fazenda.

N�o escrev�amos poesia.
Nem faz�amos m�sicas.

N�o esculp�amos est�tuas,
nem pint�vamos quadros.

Aprendi o m�todo de artes pl�sticas
dos livros desta pris�o,

e ensinei o m�todo
voluntariamente.

N�o sei o que voc� sabe.
Apenas sei o que voc� �.

Posso ver que est� sofrendo.
Eu sei que � dif�cil.

Pode at� piorar,

mas ent�o ir� melhorar.

Voc� entender� o seu problema.

Qual � o seu problema?

N�o sei o que pintar.

Voc� descobrir� o que pintar,
ir� acreditar em si mesmo,

e ir� � luta.

E ent�o...

na primavera,

ou talvez no ver�o,

ou possivelmente no outono,

ou, no mais tardar,
no inverno,

sua nova obra
estar� finalizada.

� exatamente isso
que acontecer�.

A menos que prefira
que eu execute-o agora?

O Grupo de A��o
da Escola Francesa Derramamento,

um bando din�mico,
talentoso, vigoroso,

desleixado, alco�latra, violento
de selvagens criativos.

Eles inspiraram

e, muitas vezes, atacaram
uns aos outros pessoalmente

por mais de duas d�cadas.

Tomarei minha bebida agora.

Lembrem-se,
naquela �poca, como sabem,

era muito mais
socialmente aceit�vel

para um pintor ou escultor

bater num colega com uma cadeira
ou mesmo com um tijolo,

ou andar por a�
com um olho roxo

ou um dente quebrado
e por a� vai.

Na verdade, estou me antecipando,
mas na minha pr�pria experi�ncia,

Rosenthaler podia ser
imprevisivelmente impulsivo.

Me refiro ao arm�rio de tintas
abaixo do est�dio dele,

no Boulevard des Plombiers,
em uma ocasi�o

ele me agarrou, me colocou l�
e de forma inadequada,

meio que tentou me comer
contra a parede

no canto do arm�rio de tintas.

Ele estava louco.
Oficialmente diagnosticado.

Os Cadazios, � claro,
representavam todos eles.

TR�S ANOS DEPOIS

J� se passaram tr�s anos.

Fizemos de voc�
o pintor vivo mais famoso

com base em um insignificante
quadro superestimado.

Voc� � um curso de escola de arte.
Um registro na enciclop�dia.

At� seus disc�pulos ganharam
e gastaram fortunas,

mas voc� se recusa a nos mostrar
um esbo�o ou um ensaio

de uma �nica obra nova
durante todo esse longo per�odo.

Quanto mais devemos esperar?

N�o responda,
pois n�o perguntamos.

J� imprimimos os convites.
N�s vamos entrar.

Todos n�s.
Colecionadores. Cr�ticos.

Seus imitadores horr�veis
que representamos,

que te bajulam, contrabandeiam

e talvez sejam
at� melhores que voc�.

Os subornos por si s�
ser�o ultrajantes,

os guardas podem confirmar.
Mas n�s os pagaremos.

Ent�o, termine,
seja l� o que for.

A apresenta��o
� em duas semanas.

Ela acha que est� pronto,
ali�s.

Est� pronto.

Poderia me dar mais um ano.

Meu empregador,
naquele momento,

recebeu uma intima��o intrigante
por telegrama de alta prioridade.

Me refiro, � claro,
a Upshur "Maw" Clampette.

Astuta colecionadora
de antiguidades.

Muito ligada � vanguarda.

A cole��o dela, mesmo na inf�ncia,
era conhecida e importante,

bem como era sua resid�ncia,

primeiro posto americano
de Ingo Steen,

informalmente conhecido
como a "Casa Cal�o de Porta".

Era meu dever, e posso dizer,
meu privil�gio

catalogar, arquivar
e aconselhar,

embora ela fizesse
o que bem entendia,

e foda-se o que diziam.

Assim, come�amos a longa jornada
de Liberty at� Ennui.

Minha cara sra. Clampette,
Maw, se me permite,

por favor, junte-se a n�s
para a inaugura��o do novo trabalho

do sr. Moses Rosenthaler,

que eu mesmo ainda n�o tive
permiss�o para ver.

Para facilitar a exibi��o
em tempo h�bil,

pode ser que precisemos adentrar
clandestinamente no local

onde o artista
reside atualmente.

Por favor, confie em minha equipe
para organizar os detalhes

e os preparativos
de sua visita.

Aten��o, n�o traga f�sforos,
isqueiros, nem objetos cortantes.

Aguardamos sua confirma��o
com alegre expectativa.

Atenciosamente,
Tios Cadazio e Galeria Sobrinho.

O cambur�o nos pegou
logo ap�s

a �ltima leva
de prostitutas e farristas

ser entregue
na cela dos b�bados �s 3h.

CONTADOR DE PROPINA

PRIS�O-HOSP�CIO

Moses, voc� est� aqui?

Quer se apresentar?

Ou talvez dar boas-vindas
aos nossos maravilhosos convidados,

j� que alguns vieram de longe
para ver seu trabalho, espero?

Ou, alternativamente,
n�o sei.

Ol�?

Sil�ncio, por favor!

Sil�ncio, por favor!

Consegui.
Que bom! Isso � hist�rico.

Abra o champanhe!
Eu que consegui.

M�sica!

Por que est�
numa cadeira de rodas?

Devia dan�ar sobre as mesas!
� um triunfo!

Ele perfurou a perna
com uma esp�tula,

mas por sorte o enfermeiro
conseguiu remendar a art�ria.

Voc� gostou?

Se eu gostei?

Sim.

Eles desenharam sua meretriz.

Olhe a Maw,
ela est� hipnotizada.

Este aqui � um afresco,
n�o �?

Exato. Ele � um mestre
da Renascen�a da mais alta ordem.

Ele explora a mesma linha
que Piperno Pierluigi

quando ilustrou O Cristo Perante
o Altar Celestial de Deus em 1565.

Maw, ningu�m tem vis�o
para coisas que ningu�m nunca viu

como Maw Clampette
de Liberty, Kansas.

Dev�amos ter vergonha
de estar em sua presen�a.

Por que diabos
ela disse afresco?

Est�o pintados nas paredes?

Essa n�o.
Que foi que ele fez?

Seu idiota.
Est� vendo isso? Veja s�!

- Acho absolutamente maravilhoso.
- � crucial!

Deve ser um marco
na evolu��o da pictografia humana.

Arranhado e engessado em um gin�sio
de concreto armado refor�ado.

Ele pintou at� os radiadores!

Talvez um dos restauradores
na Fondazione dell'Arte Classico

possa descobrir uma forma
de tirar os quadros.

Estamos numa pris�o de seguran�a
m�xima. Propriedade federal.

S� o pesadelo burocr�tico
exigiria anos de negocia��o

com um grupo de advogados
caros, arrogantes e detest�veis.

Eu nem sei como os arrancaria.
� um afresco.

� um afresco!

E da�?

Consegue sequer imaginar
a tonelada de dinheiro

que meus tios e eu gastamos
para chegar a este ponto sem volta?

Olhe para eles!

Voc� nos arruinou!
N�o significa nada para voc�?

Achei que tinha gostado.

Eu achei horr�vel!

Saia dessa cadeira de rodas!

Vou lhe arrega�ar todinho
nesta sala de lazer!

N�o rosne para mim,
seu assassino condenado.

Seu homicida, suicida,
psicopata, b�bado sem talento!

PSICOPATA CONDENADO

Por que n�o me contou,
guarda?

Porque voc� o teria impedido.

Temos que aceitar.

A vontade dele de falhar
� mais poderosa

que nossos mais fortes desejos
de ajud�-lo a ter sucesso.

Desisto. Ele nos venceu.

- Ele nos venceu.
- Triste, mas � isso.

Enfim, pelo menos,
ele finalizou esta porcaria.

Talvez seja a contempla��o mais
interessante da vis�o perif�rica

que eu j� vi.

Muito bem, Moses.

Muito bem, Moses.

H� uma grandeza nisso.

Se engessou o suficiente,
pode ser que dure.

N�s viremos v�-lo
novamente um dia.

Se Deus quiser.

Voc� ainda estar� aqui,
� claro.

� tudo Simone.

Naquele momento,

ambos estavam cientes da inten��o
de Simone de deixar seu cargo

na Pris�o-Hosp�cio Ennui
no dia seguinte

dotada dos fundos fornecidos
pelos Cadazios

como compensa��o por seu trabalho
como modelo e musa de Rosenthaler.

Ela se reencontrou
com a crian�a distante

a quem ela deu � luz
na juventude,

e nunca mais
viveram separados.

Ela e Rosenthaler mantiveram
a comunica��o por carta

pelo resto da vida do artista.

A sra. Clampette gostaria
de reservar a obra.

- O afresco?
- Sim, por favor.

Se ela decidir comprar mesmo,

essa quantia ser� aceit�vel
para voc� e seus tios?

Pode fazer um dep�sito?

Maw? Um adiantamento
do valor total?

Diga a estes franceses mesquinhos
que n�o fa�o promessas.

Dez murais de suporte de carga
de concreto armado refor�ado

permaneceram reservados
em nome de Upshur Clampette,

pelos 20 anos seguintes.

Os prisioneiros
querem suborno tamb�m.

Que prisioneiros?

Todos. H� um motim do lado de fora
da sala de lazer.

Este sujeito diz represent�-los.

N�o subornamos estupradores
e trombadinhas. � anti�tico.

E eu n�o trouxe outros 6 milh�es
de francos em notas pequenas.

Como sa�ram?

- O que fazemos?
- Tranque a porta.

Como consequ�ncia,
72 prisioneiros,

e seis membros
da escola francesa Derramamento

acabaram mortos
ou fatalmente feridos.

Moses Rosenthaler,
por atos de extrema coragem

que salvaram a vida
de nove guardas,

22 visitantes ilustres,

e os Ministros da Cultura
e Urbanidade,

ganhou sua liberdade condicional
pelo resto da vida.

E foi condecorado
pela Ordem do Le�o Enjaulado.

Vinte anos depois,

seguindo as instru��es detalhadas
de Maw Clampette,

Cadazio
e seus pr�prios sobrinhos

cuidaram para que a sala de lazer
fosse realocada a bordo

de um transporte a�reo
de artilharia Golias de 12 motores,

diretamente de Ennui
para Liberty.

Desta forma,
a vanguarda assumiu seu lugar

nas plan�cies
do Kansas Central.

A COLE��O CLAMPETTE
ANEXO B

"L�pis, canetas,
borrachas, tachinhas

alfinetes,
reparador de m�quinas de escrever."

Por que pagarei
por um quarto de hotel

num clube de praia
na costa do Atl�ntico Norte?

Porque tive que ir l�
para escrever.

"Caf� da manh�, almo�o, janta,
lavanderia, saideira, petiscos."

O que h� de errado com a mesa
bem aqui no seu escrit�rio?

Cortesia desta revista.

N�o me pe�a indiscri��o sobre
o que rolou entre mim e Moses

numa pousada � beira-mar
h� 20 anos. �ramos amantes.

Eu voltei para recordar.

- Por minha conta.
- Sim, por favor.

Acrescente.

CADERNO POL�TICA/POESIA
(P�GINAS 35-54)

SEGUNDA REPORTAGEM

REVIS�ES DE UM MANIFESTO
POR LUCINDA KREMENTZ

JORNAL DE UM MOVIMENTO JUVENIL

1� de mar�o.

Negocia��es entre graduandos
e a administra��o universit�ria

falham abruptamente
no in�cio da manh�

ap�s debate clamoroso,
xingamentos raivosos,

e, finalmente,
apostas abertas sobre...

o direito de livre acesso
ao dormit�rio feminino

para todos os alunos.

O protesto
que terminou em um impasse

- Zeffirelli quer o bispo do prof.
- Deveria revidar com as torres.

parecia
um exerc�cio de vaidade

L�DER ESTUDANTIL ZEFFIRELLI B.
- para o contingente de espinhas

e sonhos er�ticos.

Mas, na verdade, os sexos
foram igualmente representados.

Mocinha...

os sapatos!

E todos os participantes

enfatizaram a origem
de sua frustra��o:

um desejo, mais ainda,
uma necessidade biol�gica,

pela liberdade.
Ponto final.

Virou um simbolismo
e todos comentavam sobre.

5 de mar�o.

Jantar tarde da noite
na casa dos B's.

Filho mais velho, 19,
n�o aparece em casa desde ontem.

Meninas, desliguem o r�dio.

O pai o encontrou por acaso,
marchando ao lado dos camaradas.

O slogan deles...

"As crian�as
est�o mal-humoradas."

Obrigada.

Um outro convidado,
at� agora, n�o apareceu.

Por isso, sou grata.

Nem sabia
que ele havia sido convidado.

N�o quer�amos ofend�-la.
Nos perdoe.

Achamos que poderia recusar
o convite se a avis�ssemos.

Tem raz�o.

A imprensa local relata o uso
de m�todos agressivos

para controlar a multid�o
na rua. Abre aspas...

Apenas d� uma chance a ele.
Ele � muito inteligente.

- Quanto tempo desde aquele cara?
- Sei que t�m boas inten��es.

"Come�a com um formigamento
em agulhadas na pele exposta."

Eu n�o sou uma solteirona.

- N�o pensamos assim.
- Claro que n�o.

"Ent�o, uma vermelhid�o
e incha�o dos m�sculos orbitais."

Acreditem no que digo.
Eu vivo sozinha porque quero.

Prefiro relacionamentos
que t�m fim.

Decidi deliberadamente
n�o ter marido nem filhos.

Os maiores impedimentos

para qualquer mulher que queira
viver de e para escrever.

- Por que estamos chorando?
- Porque � triste.

- N�o queremos v�-la sozinha.
- Solid�o � igual a pobreza.

N�o estou triste. Meus olhos doem.
H� algo errado neste apartamento.

"Finalmente, uma dor lancinante
enquanto catarro escorre do nariz,

e a garganta sofre espasmos
e contra��es."

Estou pelado, sra. Krementz.

Percebi.

- Por que est� chorando?
- G�s lacrimog�neo.

Al�m disso...

Acho que estou triste.

Por favor, vire-se. Tenho
vergonha dos meus novos m�sculos.

Diga a seus pais que est�
em casa. Est�o preocupados.

Me esperam de volta
nas barricadas.

Eu n�o vi nenhuma barricada.

Bem,
ainda as estamos construindo.

- O que est� escrevendo?
- Um manifesto.

E eu os avisei
para n�o convidarem o Paul.

Talvez voc� esteja triste,
mas n�o parece solit�ria.

Exatamente!

Eu te vi no protesto
fazendo anota��es.

Far� uma reportagem sobre n�s?
Para o povo do Kansas?

- Talvez.
- Devia estudar nossas resolu��es.

Voc� vai revis�-lo?

Meus pais te acham
uma boa escritora.

Passe para c�.

Est� um pouco �mido.

Fisicamente
ou metaforicamente?

Ambos. Com base na capa
e nas primeiras quatro frases.

N�o critique meu manifesto.

- Voc� n�o quer coment�rios?
- Eu n�o preciso, n�o?

Pedi que revisasse pois achei que
se impressionaria em como j� � bom.

Vamos come�ar
com os erros de digita��o.

O corpo docente pode ter sucesso
se os alunos forem reprovados?

Veremos como fica.

- Paul Duval. Como vai?
- Lucinda Krementz.

Sua barba est� me arranhando.

O convidado inesperado
finalmente chega. Parece derrotado.

Descreve uma odisseia
pela cidade.

Os trens parados,
os �nibus parados,

janelas quebradas, peda�os
da cal�ada voando por todo lado.

Enfim, c� estamos.

A famosa Lucinda. Ol�.

Eu n�o sabia que voc� vinha.
Ningu�m me falou.

Isto n�o � um encontro oficial.

Boa noite.

Comecem sem mim.

10 de mar�o. A cidade toda parada
faz uma semana e contando.

O transporte p�blico, suspenso.

Pilhas de lixo n�o recolhidas.
As escolas em greve.

Sem correio, sem leite.

- Sou eu de novo.
- Qual ser� a realidade cotidiana?

Na pr�xima semana ou m�s,

quando e se tivermos a chance
de viv�-la novamente.

Ningu�m sabe.

- Que parte � essa?
- Eu adicionei um ap�ndice.

- Est� brincando.
- N�o.

Voc� terminou o meu manifesto
sem mim.

Mas fiz soar como voc�, creio eu.
S� um pouco mais claro, conciso

e menos po�tico.

Entenda uma coisa: esse n�o �
o primeiro manifesto que reviso.

� imposs�vel imaginar
esses estudantes euf�ricos,

ing�nuos,
corajosos ao extremo...

retornando obedientes
para suas salas de aula.

Quem era?

- Sua m�e.
- Minha m�e.

Minha m�e?
O que ela queria?

- Disse que eu estava aqui?
- Sim.

- Por qu�?
- Ela perguntou, e eu n�o minto.

- Ela estava chateada?
- Acho que n�o.

- O que ela disse?
- Ela acenou com a cabe�a.

- O que voc� disse?
- Que eu estava trabalhando

numa mat�ria
sobre voc� e seus amigos.

Ent�o, � verdade.

J� escrevi mil palavras.

Eu pedi para entrevist�-la.

- Ela concordou?
- Sim, � claro.

Bem, eu estou chateado!

N�o sei como me sentir.

Estou encrencado?
Por que ela ficaria t�o calma?

Isso � apropriado?

Tudo isso � extraoficial.
Tudo. Minha vida inteira.

O que devo fazer agora?

Eu tenho que manter
neutralidade jornal�stica.

Gosto de como voc�
� impiedosa.

Faz parte da sua beleza,
acho.

Ent�o voc� j� tem mil palavras?

A molecada fez isso.

Aniquilaram mil anos
de autoridade republicana

em menos de quinze dias.

Como e por qu�?

Antes de come�ar,
onde come�ou?

Era outra �poca.
Era outra Ennui.

CAF� SANS BLAGUE

Deve ter sido seis meses atr�s.
Minhas irm�s ainda tinham 12 anos.

Voc� dan�ava ao som de Craze
e Le Lait Chaud.

Voc� usava seu cabelo nos estilos
Pompidou, Crouton e Fruits de Mer.

Suas conversas misturavam latim

com jarg�es filos�ficos
e sinais com as m�os.

Os advogados do Diabo
debatiam sem parar, ad nauseam

argumentando
s� por argumentar.

Eu discordo completamente
com tudo que voc� disse.

Cada grupo tinha seu rival.

Os Porcas tinham os Parafusos,
os Gravetos tinham os Pedras,

os Atletas tinham a gente,
os Intelectuais,

at� que o Mitch-Mitch
reprovou no vestibular

e teve que cumprir
Servi�o Militar Obrigat�rio.

Tr�s meses
na Regi�o da Mostarda.

APRESENTE-SE
PARA OBRIGA��ES MILITARES

UM M�S DEPOIS

Os princ�pios dele o permitiram
lutar com imperialistas

em uma guerra injusta
e autorit�ria?

Ele foi enviado
� Regi�o da Mostarda

- para Servi�o Militar Obrigat�rio.
- � mandat�rio.

N�o importa.

- Perd�o?
- N�o importa!

Como se atreve?

Quem a autorizou a difamar
nosso amigo?

Ele deve estar marchando
em algum lugar no meio da noite,

carregando 20kg de p�lvora
e um saco de batata estragada,

enquanto cava uma latrina
na chuva com uma x�cara.

- Ele n�o quer servir ao ex�rcito.
- � mandat�rio.

Ele deveria queimar a ins�gnia
e abandonar o posto.

Castigo m�nimo de 6 meses
e uma marca permanente no corpo.

� f�cil para voc� dizer,
do conforto do Sans Blague.

N�o importa.

Pela primeira vez,
ela est� certa.

Mitch-Mitch, o que faz aqui?

Deveria estar na Regi�o
da Mostarda por mais 2 meses.

Cinco anos depois,
eu mesma traduzi

a interpreta��o po�tica
que Mitch-Mitch fez

de seu
Servi�o Militar Obrigat�rio.

"ADEUS, ZEFFIRELLI",
DE MITCH-MITCH SIMCA

A cena do flashback
no Ato 2 de "Adeus, Zeffirelli":

No norte da �frica,
eu levei um tiro no rabo.

Na Am�rica do Sul,
tomei estilha�os de explosivo

no bra�o esquerdo.

No Leste Asi�tico, contrai
uma doen�a infecciosa rara,

fiquei com um parasita alojado
no est�mago.

E tenho todos aqui comigo agora.
Ainda no meu corpo.

Mas n�o me arrependo da escolha
de usar este uniforme.

E em 16 anos,
eu terei minha pens�o.

Essa foi a hist�ria de ninar,
mocinhas. Apagar luzes!

R�pido! Apaguem luzes!
Debaixo das cobertas!

- Fa�am suas preces.
- Senhor!

- Am�m. Am�m.
- Am�m.

Ei, Mitch-Mitch.

Mitch-Mitch,
o que voc� quer ser?

- Qu�?
- O que voc� quer ser, Mitch-Mitch?

Com as minhas notas,
quero ser assistente farmac�utico.

Isso o deixar� satisfeito?

N�o vai me deprimir.
Eu deveria ter estudado mais.

E voc�, Robouchon?

N�o tenho escolha. Vou trabalhar
na f�brica de vidro do meu pai.

- Algu�m ter� que assumir.
- � normal.

Vaugirard, qual � seu plano?

Devo continuar sendo
um vagabundo atraente

como meus primos
nos dois lados da fam�lia.

- S�o os melhores.
- Amo seus primos.

- �.
- E voc�, Morisot?

Morisot, o que voc� quer ser?

Um manifestante.

- O que ele disse?
- Ele disse: um manifestante.

- O que isso quer dizer?
- N�o sei.

Achei que o Morisot ia ser
professor de qu�mica geol�gica.

O Morisot est� chorando.

Quem pediu sil�ncio?

N�o vou fazer.

Faltam s� 8 semanas, Morisot,
at� completarmos o programa.

N�o falo do programa.

Falo de quando eu voltar para casa,
at� me aposentar.

Esse per�odo de 48 anos
da minha vida.

N�o vou fazer isso.

N�o consigo me imaginar um adulto,
no mundo de nossos pais.

Morisot! Ele pulou da janela!

- Ele morreu?
- N�o sei.

- De que altura ele caiu?
- Cinco andares de teto alto.

Choveu ontem � noite.
Talvez a lama ainda esteja macia.

Ele n�o est� se mexendo.

Ele ainda n�o est� se mexendo.

Ele ainda n�o est� se mexendo.

Ele ainda n�o est� se mexendo.

Ele ainda n�o est� se mexendo.

Ele ainda n�o est� se mexendo.

Ele ainda n�o est� se mexendo.

N�o posso mais saudar
essa ins�gnia.

Na manh� seguinte, Mitch-Mitch
foi preso por deser��o e profana��o

e o Sans Blague virou QG

do Movimento de Jovens Idealistas
para a Derrota Revolucion�ria

da Sociedade Reacion�ria
Neoliberal.

O que est� fazendo?

Trocando Tip Top
pelo Fran�ois-Marie Charvet.

Eles podem ficar juntos.

Tip Top e Charvet.

Tip Top � produto
de uma gravadora

e pertence a um conglomerado
controlado por um banco,

financiado pela burocracia
que sustenta a domina��o

e a farsa do nosso governo
de fantoches.

A cada nota que ele canta,

um campon�s morre
na �frica Ocidental.

Seguiu-se ent�o um r�pido,
imprevis�vel olho por olho

entre os mais velhos
e os mais jovens de Ennui.

Agosto.

A Campanha da Comunidade Sussurro
denuncia o movimento estudantil.

Setembro.

A licen�a do caf� Sans Blague
� revogada por decreto oficial.

Outubro.

O Comit� de Propaganda
constr�i torre de r�dio pirata

no terra�o
do Departamento de F�sica.

Novembro.

Boicote �s refei��es
na cafeteria da gradua��o.

Dezembro.

Protesto de retirada
na Biblioteca Principal.

Todos os livros
foram retirados legalmente

at� cinco minutos antes
de uma avalanche de multas

por livros n�o devolvidos.

Janeiro.

Mitch-Mitch � liberado
para cust�dia parental.

Fevereiro.

A revolta do dormit�rio feminino.

DORMIT�RIO FEMININO

No final, tudo culminou em...

Mar�o.

A revolu��o do xadrez.

Roque menor, brancas.

CAVALO PARA C6.

Cavalo para C6.

Entendido.

Sr. Prefeito? Ele fez uma jogada.

Cavalo toma cavalo.

Voc� est� em que p�gina?

- Cap�tulo final.
- �ltimo par�grafo.

Voc� chama isto de manifesto?

- Claro. Voc� n�o?
- � um manifesto por defini��o.

P�gina 2, artigo 7.

Apesar da pureza da causa deles

de criar uma civiliza��o ut�pica,
livre, sem fronteiras,

os estudantes, no entanto,

se dividiram em fac��es
antes mesmo de se unirem.

P�gina 5, decreto 1b.

Uma coisa est� clara:
eles est�o respondendo os pais.

O que eles querem?
Defender suas ilus�es.

Uma abstra��o luminosa.

P�gina 11, ap�ndice III.

Acredito que eles sejam
melhores do que n�s fomos.

Quem aprovou a aloca��o
n�o autorizada de fundos

para impress�o em massa
desse documento obtuso,

amb�guo e inadequadamente po�tico?
Eu sou a tesoureira.

E quem precisa de um ap�ndice?

- � minha parte favorita.
- A melhor se��o do panfleto.

Foi sugest�o da sra. Krementz.
O ap�ndice.

A sra. Krementz que escreveu?

Refinou algumas passagens.

Por que ela participou?

Deveria manter
neutralidade jornal�stica.

- Nada a ver. Isso n�o existe.
- � um conceito desacreditado.

N�o nomeamos voc� ou ela
como porta-vozes.

Seu trabalho � jogar xadrez.

Tinha uma dedicat�ria
para voc�.

Vou guardar isso
como lembran�a,

mas discordo de tudo
que disse no manifesto.

Lembre-se: "Voc� � uma convidada
nesta manifesta��o.

N�o � minha luta. Fique fora disso,
Lucinda. Fique quieta."

Preciso dizer uma coisa.

Voc� � uma menina inteligente,
Juliette.

Se deixar de lado seu p� de arroz
por um minuto, perd�o,

e pensar por si mesma
por um minuto, perd�o,

voc� perceber�
que est�o todos juntos nessa.

At� a pol�cia de choque.

N�o sou crian�a, sra. Krementz.
Sempre penso por mim mesma.

Assim como todos n�s.

- N�o � bem assim.
- Alguns pensam, outros n�o.

Nossa vez.

Acha que estou mal-informada?
Ou n�o levo a s�rio o que importa?

Te garanto que n�o � o caso.

Foi indelicado da minha parte.

Eu retiro a observa��o.

Como desejar.

Pe�o perd�o.

Muito bem.

Desculpa.

- Anotado.
- Obrigada.

Tem certeza?

Claro.

- Certeza de qu�?
- De que n�o � uma crian�a?

Sim, bastante.

Ent�o aprenda a aceitar um pedido
de desculpa. � importante.

� guerra! A velha americana contra
a jovem revolucion�ria francesa.

Importante para quem?

Adultos.

� nossa vez.
O prefeito est� esperando.

Eu n�o me oponho a voc� dormir
com ele, sra. Krementz.

Todos temos essa liberdade.
� um direito humano fundamental.

O que me incomoda �:

acho que voc� est� apaixonada
pelo Zeffirelli!

Isso � errado!
Ou, no m�nimo, vulgar!

Voc� � uma velha solteirona!

Por favor,
n�o tire a minha dignidade.

Ela n�o � uma solteirona.
E n�o est� apaixonada por mim.

Ela � uma amiga.
E eu sou amigo dela.

Ela est� confusa.
Ela quer nos ajudar.

Ela est� com raiva.
Ela � �tima escritora.

� uma vida solit�ria, n�o �?

�s vezes.

� verdade. Devo manter
neutralidade jornal�stica.

Se � que ela existe.

Por favor, nos d� licen�a,
sra. Krementz.

Ainda sem resposta.

Balas de borracha
e g�s lacrimog�neo.

Entendido.

O tempo acabou!

Xeque-mate t�cnico.

S�o apenas fogos de artif�cio.

Ela � a melhor de todas.

Parem de brigar. V�o fazer amor.

Eu sou virgem.

Eu tamb�m. Com exce��o
da sra. Krementz.

Imaginei.

15 de mar�o.

Descubro na folha de rosto
do meu caderno de reda��o

um par�grafo apressado.

N�o sei quando
Zeffirelli escreveu.

Ontem � noite
enquanto eu dormia?

Po�tico, n�o necessariamente
de uma maneira ruim.

L�-se da seguinte forma:

P�s-escrito
de um ap�ndice rompido.

Um cometa invenc�vel acelera
em seu arco guiado

rumo aos extremos da gal�xia
no espa�o-tempo c�smico.

Qual era a nossa causa?

Recordo duas mem�rias.

Voc�. Cheiro de xampu
de farm�cia,

cinzas de cigarros demorados,
torrada queimada.

Ela. Perfurme de gasolina barata,

bafo de caf�, a��car demais,
pele de manteiga de cacau.

Onde ela passa os ver�es?

Dizem que s�o os cheiros
que voc� nunca esquece.

O c�rebro funciona assim.

Eu nunca li
os livros da minha m�e.

Me disseram que meu pai
foi not�vel na �ltima guerra.

Os melhores pais que conhe�o.

O dormit�rio feminino.

Primeira vez que entrei,
exceto para vandaliz�-lo

durante as manifesta��es.

Eu disse:
"N�o critique meu manifesto."

- Ela disse:
- "Tire a roupa."

Tenho vergonha
dos meus novos m�sculos.

Os grandes e est�pidos olhos dela
me viram mijar.

Mil beijos depois...

Ser� que ela vai lembrar
do gosto do meu instrumento

na ponta da l�ngua dela?

Perdoe-me, sra. Krementz.
Sei que repudia linguagem chula.

Uma frase adicional
no final da p�gina,

completamente indecifr�vel
devido � m� caligrafia.

"Revis�es de um Manifesto",
P�gina 4, asterisco 1.

"A promo��o de..."

ANTENA

J� volto.

Zeffirelli!

REL�MPAGO BRANCO

Ele n�o � um cometa invenc�vel
acelerando em seu arco guiado,

rumo aos extremos da gal�xia
no espa�o-tempo c�smico.

Na verdade, ele � um rapaz
que vai morrer jovem.

Ele vai se afogar neste planeta,

na corrente cont�nua desse rio
sujo, profundo e magn�fico,

que flui noite e dia pelas veias
e art�rias de sua antiga cidade.

Seus pais v�o receber
uma liga��o � meia-noite,

se vestir�o en�rgica
e mecanicamente,

e ficar�o de m�os dadas
no t�xi silencioso,

enquanto v�o identificar
o corpo frio de seu filho.

Sua imagem, produzida em massa
em pl�stico termorretr�til

ser� vendida como chiclete
aos inspirados pelo her�i,

que esperam ver
a si pr�prios assim.

O narcisismo comovente do jovem.

MORRE JOVEM ESTUDANTE ATIVISTA,
TALENTO DO XADREZ

FECHAMENTO DEFINITIVO

30 de mar�o.

Do outro lado da rua,
uma met�fora gritante.

Soa o alarme e os pupilos correm,
obedientes, para suas salas.

Um balan�o range enquanto oscila
no p�tio deserto da escola.

Entre!

CADERNO "SABORES E CHEIROS"
(P�GINAS 55-74)

TERCEIRA REPORTAGEM

"A SALA DE JANTAR PRIVADA
DO COMISS�RIO DE POL�CIA",

POR ROEBUCK WRIGHT

O PERFIL DE UM GRANDE CHEF

Algu�m me disse
que voc� tem mem�ria fotogr�fica.

- � verdade?
- � mentira.

Eu tenho mem�ria tipogr�fica.

Eu lembro de cada palavra escrita
com consider�vel acur�cia.

Em outras esferas,
meus poderes de reten��o

s�o nitidamente impressionistas.

Sou conhecido por meus amigos
como um homem bem esquecido.

Mas ainda assim voc� lembra
de cada palavra que escreveu.

Romances, artigos,
poemas, pe�as...

Declara��es n�o correspondidas...
Infelizmente, sim.

- Posso test�-lo?
- Se assim deseja.

Ou ent�o testamos a paci�ncia
dos seus telespectadores...

Ou dos estimados porta-vozes
do p� dental Gemini?

Meu artigo favorito
� aquele do cozinheiro,

em que os sequestradores
s�o envenenados.

"Os estudantes da mesa
sonham em sabores?"

Essa foi a primeira pergunta
que o jornalista da revista

havia cuidadosamente preparado
antes do encontro

com o tenente Nescaffier,

Chefe do Quartel-General Distrital,
na estreita pen�nsula do rio

conhecido como
Rognure d'Ongle.

"Todas as perguntas
permaneceram sem resposta

ao longo daquela noite agitada."

Devo continuar?

Por favor.

COMISSARIADO

QG DA POL�CIA DE ENNUI

"Eu chegara insuficientemente cedo.

Embora as salas no pen�ltimo
andar do grande edif�cio

estivessem em teoria indicadas
numa planta fornecida

no verso do menu de degusta��o...

CONVITE PARA CEIA COM O COMISS�RIO
CHEF: TENENTE NESCAFFIER

...foi quase imposs�vel
se localizar,

ao menos para este jornalista.

Uma fraqueza com cartografia.

A maldi��o do homossexual.

Monsieur Nescaffier
tinha um nome e reputa��o.

Ele � devotamente celebrado entre
cozinheiros, copeiros e capit�es,

sem mencionar informantes,
espi�es e dedos-duros,

como um grande exemplo
do estilo de culin�ria

conhecido
como Gastronomie Gendarmique."

A "Culin�ria Policial" come�ou
como um piquenique dos vigias,

mas evoluiu e se transformou
em algo mais refinado,

intensamente nutrititivo
e, se executado com perfei��o,

maravilhosamente saboroso.

Os fundamentos:

altamente port�til,
rico em prote�na,

comido apenas
com a m�o n�o dominante,

sendo a outra reservada
para armas de fogo e papelada.

A maioria dos pratos � servida
pr�-cortada. Nada crocante.

Comida silenciosa.

Os molhos s�o desidratados,
em p�, para evitar derramamento

e o risco de contaminar
uma cena do crime.

Espera-se que os comensais
tragam seus pr�prios talheres,

frequentemente insculpidos
com lemas misteriosos

e dizeres indecentes de seus
respectivos distritos.

JAULA N�1

Como voc� pretende me matar?

Acredito que este seja um caso
de identidade trocada.

Voc� est� nessa jaula
por muito tempo?

Com licen�a.

ROEBUCK WRIGHT ESTEVE AQUI

O Monsieur Nescaffier,
mesmo enquanto aprendiz

em um Corpo de Bombeiros
provincial,

aspirava a um posto elevado

e n�o podia haver mais alto posto
no seu ramo

do que Chef Cuisinier
da sala de jantar privada

do comiss�rio
da Pol�cia Municipal.

Perdoem meu atraso.

N�o, de modo algum.
De modo algum.

Sr. Wright, permita-me apresent�-lo
a minha m�e, Louise de la Villatte.

Pode cham�-la de "Maman".
Todos n�s chamamos.

Esse � meu amigo mais antigo,
Couve-flor.

Quando eu o conheci, ele era
um moleque afinado na escola,

com cachinhos
e todos os dentes da boca.

Agora,
ele parece um cad�ver.

No canto,
Patrulheiro Maupassant.

Ele nos servir� esta noite.

- Coquet�is.
- Sim, senhor.

E esse � meu filho, Gigi,
no jaleco do laborat�rio criminal.

O que voc� est� roubando
dos meus registros pessoais?

Casos n�o solucionados.

Bem, diga "oi" para o sr. Wright.

- Oi, sr. Wright.
- Oi, Gigi.

Nome todo:
Isadore Sharif de la Villate.

CASOS N�O SOLUCIONADOS

O comiss�rio e seu �nico filho,

um vi�vo e um �rf�o, deixaram
a col�nia quando o rapaz nasceu,

unidos pelo luto compartilhado.
Gigi tinha seis anos.

Suas salas de aulas eram
a delegacia e a viatura da pol�cia.

Ele foi educado
por tutores forenses

nas tradi��es
do cumprimento da lei.

Seus primeiros desenhos
foram retratos falados

baseados em depoimentos
de testemunhas oculares.

Suas primeiras palavras
foram em C�digo Morse.

PAPAI
Era, suponho, incrivelmente �bvio.

Ele foi criado para suceder
o pr�prio comiss�rio.

Sim,
eu li sobre voc� na revista.

Foi de seu agrado?

Claro, claro.
Boa escrita.

Acredito que voc� esteja
familiarizado com esse g�nio.

Ao menos, por sua reputa��o.

- Tenente Nescaffier.
- Certamente.

A bebida,
um leitoso aperitivo roxo,

fortemente perfumado,
explicitamente medicinal

quase anestesiante e resfriado
a uma viscosidade glacial,

em uma vers�o miniatura
de um frasco a v�cuo,

comumente associado a acampamentos
e salas de aula,

lan�ou um feiti�o,

que, durante o intervalo
subsequente de 60 segundos,

estava prestes a ser
mortalmente quebrado.

Em tr�s dram�ticas linhas do tempo
sobrepostas,

os seguintes eventos
se sucederam.

Um.

Monsieur Nescaffier come�ou
seu misterioso ritual.

N�o posso compreender nem descrever
o que ocorre em uma cozinha.

Sempre gostei de apreciar
o talento de um artista

sem desvendar os segredos do cinzel
ou da terebintina.

Dois.

O Patrulheiro Maupassant

respondendo
a um raro sinal luminoso,

entregou um telefone
a seu superior.

Diga.

Como j� deve saber,
sequestramos seu filho

e o levamos a um local seguro
que voc� nunca descobrir�.

Solte ou execute o Abacus,

e o pequeno retornar� em seguran�a
a sua cust�dia.

Voc� tem at� o sol nascer,

ou seu filho sofrer�
uma morte violenta.

Tr�s.

A claraboia
do ber��rio improvisado

que ocupa os aposentos do s�t�o
estava entreaberta.

CLOROF�RMIO - VENENO

A fuga e persegui��o motorizada
foi reproduzida vividamente

e, talvez, um pouco fantasiosa,
em um quadrinho

publicado na semana seguinte.

TR�S DIAS ANTES

Ainda que
a "Onda de Crimes Invernal",

uma guerra
entre gangues de Ennui,

tenha erradicado um n�mero razo�vel
de bandidos e criminosos,

tamb�m levara a vida
de uma grande propor��o

de cidad�os inocentes.

ARQUIVOS SECRETOS

Com a captura surpresa do contador
da m�fia, Albert, o Abacus,

em posse de uma maleta contendo
folhas de pagamento

para todos os tr�s
maiores sindicatos da cidade,

as esperan�as
da comunidade cumpridora da lei

por uma r�pida resolu��o
para a crise haviam sido renovadas.

No entanto, essa reviravolta
chamou a aten��o

dos habitantes
do submundo do crime.

A meu ver, eu falhei
em reconhecer o Abacus,

mas eu j� havia conhecido
uma jaula.

Isso n�o est� na mat�ria,
por sinal.

Se me refiro ao sr. Howitzer,
sabe de quem falo?

Claro, Arthur Howitzer Jr.,

fundador e editor
de A Cr�nica Francesa.

Era minha primeira semana
em Ennui, quando eu tive o azar

de ser preso em um bar
nos arredores do quarteir�o Flop,

junto com meus...
novos companheiros.

Qual foi a acusa��o?

Amor.

As pessoas podem ou n�o
se sentirem amea�adas

pela sua raiva, pelo seu �dio,
seu orgulho,

mas ame da maneira errada

e se meter�
em grandes problemas.

Nesse caso, a cela de uma pris�o
por seis dias seguidos.

Eu n�o tinha ningu�m
para me resgatar,

nem para me repreender.

E o �nico n�mero de telefone
na minha mem�ria tipogr�fica era...

Sede da Gr�fica, 9-2211.

Lamento n�o poder publicar

nenhum desses artigos espec�ficos,
mas ficaria satisfeito

em considerar futuras submiss�es.
Ou, se voc� estiver em Ennui...

Eu n�o o conhecia.

Eu sabia como contat�-lo
apenas porque eu queria um emprego.

CANDIDATURA � VAGA

Vamos ver...

Jornal da escola, clube de poesia,
sociedade de teatro.

Escreveu o hino da escola.
Letra e melodia.

Pesquisador j�nior,
"foca", editor-assistente.

Inc�ndios e assassinatos.
Foi assim que comecei.

Meu pai
era dono do jornal, claro.

Um pouco de esporte,
crimes e pol�tica.

Concorreu duas vezes
em "Melhores Ensaios".

Sul, Centro-Oeste, Costa Leste.

Um vasto pa�s.

Faz 20 anos que n�o vou l�.

Agora n�o.

Estou conduzindo
uma entrevista de emprego.

Suas amostras de texto s�o boas.
Eu reli no t�xi.

Voc� j� resenhou livros?

Nunca.

Ainda faltam algumas horas
at� te liberarem.

Leia isso. Entregue
uma resenha de 300 palavras.

Vou te pagar 500 francos
menos os 250 adiantados da fian�a,

que vou adiantar de novo
para seu custo de vida.

Entregue um rascunho
amanh� de manh�

e qualquer que seja a forma
de escrever, sr. Wright,

fa�a parecer
que foi intencionalmente.

Obrigado.

Sem choro.

Ficou conhecida
como "A Noite das Mil Balas".

Vou recitar novamente.

Como o comiss�rio
e sua equipe de especialistas

conseguiu localizar t�o rapidamente
o covil dos sequestradores?

Bem...

Eu n�o sei.

Ferramentas do of�cio,
suponho.

Vou repetir a pergunta.

Mas eles conseguiram.

Quem eram eles?

Mais tarde, foi revelado.

Bandidos e pistoleiros
contratados

pelos grandes malfeitores
de Ennui

e sua rede de intermedi�rios
do submundo.

Chofer Joe Lef�vre,

um instrumentista
que j� foi quase promissor.

Stetson, Spinster
e Hieronymus Von Altman,

mentores do crime
holandeses.

Marconi Brutelli,
o anarquista mediterr�neo.

Um par de brutamontes,
primos distantes.

Um trio de dan�arinas,
todas viciadas.

Mais um pequeno
e engenhoso prisioneiro

determinado a se libertar e reduzir
os custos do contribuinte.

Que barulho � esse?

Bolhas de ar no aquecedor.
� pressurizado.

Parece c�digo Morse.

Vagamente, talvez.

Me chamo Gigi, a prop�sito.
Qual � seu nome?

N�o vou te dizer.
Isso � um crime.

Voc� n�o � criminosa.
� s� uma dan�arina confusa.

- R�.
- R� pra voc�.

Calado.

De que cor s�o seus olhos?
Azuis?

Ol�.

Ol�.

Cante uma can��o de ninar.
Estou com medo.

Voc� dormiu?

O comiss�rio adorava Gigi
com todo o seu volumoso cora��o.

Por�m, sua mente,
a excepcional m�quina de detec��o

e investiga��o
de atividades criminosas,

vinha zumbindo
desde a hora do jantar.

Mam�e, estou com fome.

Vamos jantar.

E ele estava numa condi��o
de extrema priva��o cal�rica.

Nescaffier,
de volta ao trabalho de campo

pela primeira vez em seis anos,
veio preparado para brilhar.

A mudan�a foi instant�nea.

Nescaffier.

Quando os mais leves ind�cios
de aromas da cozinha do grande chef

adentraram as narinas
do comiss�rio,

ele come�ou a formular
um complexo plano de batalha.

De entrada.

Ovos recheados
do can�rio da delegacia

servidos em conchas
de seu pr�prio merengue.

Uma equipe de vigia
nos acessos sul e oeste.

- Depois...
- Bloquear sa�das leste e norte.

Rins. Com calda de ameixas
do bosque do prefeito.

Abrir t�neis
entre os tr�s pr�dios adjacentes.

A seguir...

Carne de cordeiro mo�da
embalada como bombons.

- Ca�adores amadores nos telhados.
- Sopa de ostras do Blas�.

- Alpinistas amadores no po�o.
- Um belo picadinho de pombo.

- Por fim.
- Acorde o Jerobo�o.

Pudim de tabaco
aos quatro cremes.

Quero ele aquecido,
por precau��o.

Posso interromper
com uma pergunta?

Por favor, apenas me deixe
dobrar e marcar a p�gina.

- Mentalmente.
- Perd�o.

Voc� escreveu
sobre o negro americano,

o intelectual franc�s,
o rom�ntico sulista.

- E o antinegro.
- O antinegro.

Escrituras, mitologia, folclore,
crimes reais, crimes falsos,

hist�ria de fantasma, o picaresco,
o romance de forma��o.

E mais que tudo, ao longo dos anos,
voc� escreveu sobre comida.

Por qu�?

Quem? O qu�? Onde? Quando? Como?
Perguntas v�lidas,

mas eu aprendi
quando era um jovem rep�rter,

nunca,
em nenhuma circunst�ncia,

se estiver remotamente
ao seu alcance resistir ao impulso,

nunca pergunte a um homem
o porqu�.

Isso deixa o sujeito tenso.

- Desculpe, mas vou insistir.
- Tortura.

Se voc� concordar.

A autorreflex�o � uma fraqueza
para ser conduzida em particular.

Bem...

Vou responder a sua pergunta
por pura fadiga.

Mas realmente n�o sei
o que estou prestes a dizer.

H� uma beleza
particularmente triste...

bem conhecida
pelo estrangeiro solit�rio

que vaga, ao luar,
pelas ruas de sua cidade adotada.

No meu caso,
Ennui, Fran�a.

Tantas vezes...

Tantas vezes compartilhei
brilhantes descobertas com...

absolutamente ningu�m.

Mas sempre, em algum lugar
da avenida ou do boulevard,

havia uma mesa posta
para mim.

Um cozinheiro, um gar�om,
uma garrafa, um copo, uma lareira.

Eu escolhi essa vida.

� o banquete solit�rio que tem sido
muito parecido com um camarada,

meu grande conforto
e fortaleza.

Voc� se lembra
onde marcou a p�gina?

Claro, seu tolo.
"Enquanto isso."

"Enquanto isso,
do outro lado da rua..."

Informa��o: covil dos suspeitos
no �ltimo andar, no canto da pra�a.

Oficiais j� est�o em posi��o.

Parem de atirar!
Parem de atirar!

Durante uma pausa no conflito,
um velho porteiro,

veterano de duas guerras,
cruzou a rua mancando

para entregar
uma enigm�tica mensagem.

ENVIE O COZINHEIRO

UMA HORA DEPOIS

Falo com o l�der da gangue
de sequestradores no �ltimo andar.

Seu covil
possui uma cozinha?

Meu filho
precisa de um lanche.

Permita-nos enviar
o cozinheiro da delegacia

junto com alguns suprimentos
e provis�es.

Ele ir� preparar uma ceia
de propor��es suficientes

para alimentar voc�
e todos os seus c�mplices.

N�s j� jantamos.

� um subalterno...

ou o pr�prio Nescaffier?

Torta de melro-preto.

Obrigado, � claro,
a provar cada item,

o chef comeu
o veneno mortal.

Para o menino.

Parem.

Anote a receita.

AP�S O JANTAR

Socorro...

Mas Nescaffier sobreviveu

gra�as � sua extrema robustez,

sustentada e refor�ada,
ano ap�s ano,

pelos mais ricos e potentes pratos,
panelas e potes de molho

de seu est�mago
quase sobre-humano.

Ele bem sabia, � claro.

Gigi odiava e desprezava o rabanete
em todas as suas formas,

com uma paix�o profunda
e desenfreada,

e nunca havia tocado em um

ou mesmo falado a palavra,
durante toda a sua jovem vida.

Por�m, o problema...

� que o chofer
tamb�m odiava rabanetes.

Assuma o volante!

Talvez o mais comovente
e surpreendente fen�meno

testemunhado ao longo da trajet�ria
do prolongado jantar foi esse...

Uma deliciosa ironia.

O senhor Albert,
contador do submundo

e causa remota
dos espetaculares contratempos,

havia sido esquecido

engaiolado de quinta � noite
a segunda de manh�

e quase morreu de fome
na cela.

Apenas o convalescente
Senhor Nescaffier em pessoa

teve a presen�a de esp�rito
de fazer para ele

uma omelete � la policier
que foi entregue quente,

embrulhada
num mandado de busca recente.

O �baco comeu bem
naquela manh�.

Uma palavrinha
do p� dental Gemini.

Era para ser um artigo
sobre um grande chef.

E �, em parte.

- Para a se��o Sabores e Aromas.
- Eu sei.

A tarefa
era perfeitamente clara.

Talvez voc� n�o consiga
entender

que fui alvejado e bombardeado
contra a minha vontade.

S� queria ser alimentado,
e fui, maravilhosamente,

como descrevi em detalhes.

O Nescaffier s� tem
uma linha de di�logo.

Eu cortei algo que ele me disse.
Me deixou muito triste.

Posso encaixar de volta,
se quiser.

O que ele disse?

Martin.
Guillaume Martin.

Eles tinham um sabor.

Perd�o?

Os sais t�xicos
nos rabanetes...

tinham um sabor.

Totalmente desconhecido
para mim.

Era tipo uma terra amarga, mofada,
apimentada...

picante e oleosa.

Nunca senti esse gosto
em minha vida.

N�o totalmente agrad�vel,

extremamente venenoso, mas,
ainda assim, um sabor novo.

Isso � coisa rara
na minha idade.

Admiro sua coragem, tenente.

N�o sou corajoso.

Eu simplesmente n�o estava
com vontade de ser

uma decep��o para todos.

Eu sou estrangeiro, sabe?

Somos muitos nesta cidade,
n�o �?

Eu mesmo sou um.

Buscando algo que falta.

Sentindo falta de algo
deixado para tr�s.

Talvez com boa sorte

iremos descobrir
o que nos escapou

nos lugares
que antes cham�vamos de lar.

Essa � a melhor parte
do artigo.

� a raz�o pela qual
ele deve ser escrito.

Eu n�o poderia
concordar menos.

Bem, de qualquer forma,
n�o corte.

CADERNO "DECL�NIOS E MORTES"
(P�GINA 75)

NOTA FINAL

Est�o todos aqui?

Acho que voc�s sabem.
Foi um ataque card�aco.

Proibido chorar.

Algu�m vai vir retir�-lo?

O necrot�rio est� em greve.

- Quem estava com ele?
- Ele estava sozinho.

Lendo telegramas
de anivers�rio.

N�o acenda as velas.
Ele morreu.

Eu aceito uma fatia.

Eu tamb�m.

Precisamos escrever algo.
Quem quer?

- Temos um arquivo.
- Estou fazendo a arte.

� ele.

Vamos escrever juntos.

- Escrever o qu�?
- O obitu�rio.

Arthur Howitzer Jr.
Nasceu no norte do Kansas,

a 15 km do centro geogr�fico
dos Estados Unidos.

Tinha 5 anos
quando a m�e morreu.

Filho de editor de jornal,
fundador desta revista.

A Cr�nica Francesa,
antes chamada de Picnic.

Um suplemento dominical ignorado,
do Liberty, Kansas Evening Sun.

Tudo come�ou
como um feriado.

- Isso � verdade?
- Mais ou menos.

O que acontece depois?

DEDICADO A:

- Art Subs -
13 anos fazendo Arte para voc�!

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