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�ndia
Guia de Sobreviv�ncia do Viajante

Aqui, a Avenida Marine!

Ela liga Malabar Hill a Colaba.
� imensa.

Do outro lado, a Ilha da Elefanta,
e suas grutas,

um barco a cada meia hora.

Sa�da do Monumento Hist�rico...

Por que o senhor pegou a Avenida Marine?

Eu lhe disse, hotel Khajurao,
rua Sukdaji... � do lado oposto!

Esse bairro � muito pobre.

Na 1� vez, os turistas se hospedam
nestes hot�is ruins.

Eu o estou levando para um lugar
mais indicado para um cavallheiro.

Ver�.

Pare, eu quero descer!

� proibido parar aqui!

Pare imediatamente!

Moto-t�xi, senhor?

Conhece a Rua Suklaji?

No quarteir�o das putas?
� muito perigoso l�.

Muitas garotas!

Quanto custa para chegar l�?

Entre, entre, sem problema.

Boa tarde!
Eu me chamo Rossignol,

telefonei do aeroporto
para fazer uma reserva.

Assine aqui, por favor.

Com ou sem janela?
Pode ver o pre�o na tabela.

Bem, com janela.

Por aqui.

Sim? Quer mais alguma coisa?

Voc�s oferecem jantar?

N�o, n�o temos.

Mas h� um restaurante,
bem ao lado.

Eu queria jantar.

Jantar?

Frango "Massala", carneiro,
c�rebro, rim: acabou tudo.

O que h� para comer?

Nada, � muito tarde, senhor.
Somente combo de legumes.

Est� bem.

As garotas ficam no 1� andar,
pode subir.

Vimlar Sar, voc� a conhece?

Eu quero uma mo�a
chamada Vimla Sar.

Vimla Sar n�o trabalha mais comigo.
Ela foi embora.

E para onde ela foi?

N�o sei.

Mas temos garotas mais
bonitas do que ela.

Encontre-a para mim.
Estarei em meu quarto.

Minha embaixada sabe que
estou neste hotel!

Ol�, senhor. Eu sou Vimla Sar.

Entre.

Que tal uma bebida? Est�o no arm�rio.
30 r�pias por garrafa.

Eu sou amigo de Xavier.

Como ele acabou aqui? O que ele
fazia neste lugar? Onde ele est� agora?

Quando soube que eu havia
lhe escrito,

ele ficou muito bravo.
Furioso.

Por que voc� me escreveu?

Encontrei seu endere�o na agenda
dele. Voc�s s�o amigos, n�o s�o?

Por que ele ficou bravo?

Antes de me deixar,

ele se tornou muito desagrad�vel.

Ele estava doente.

Ele foi ao hospital.

Ele vivia de qu�?
Fazia o qu�?

Neg�cios, eu acho.
N�o me dizia coisa alguma.

Ele n�o era mais gentil.

Que tipo de neg�cio?

N�o sei,
ele n�o me dizia coisa alguma.

�s vezes,
ele ficava sem conversar,

por dias e mais dias.

E depois, de repente,

ficava louco,
muito bravo.

Quando ele chegou a Bombaim?

Ano passado.

Vinha de Goa.

Ele negociava com eles.

E depois, ele ficou doente,
a mon��o.

Eles? Quem?

Gente de Goa,
eu n�o sei quem.

Ele estava doente.

Quem era essa gente de Goa? Tente se
lembrar. Um nome, ao menos.

Gente de Goa.
N�o sei.

As pessoas de l�.

Ele estava doente.

�s vezes,

ficava indiferente a tudo.

Mesmo a mim.

Tudo que lhe interessava
eram as cartas de Madras.

Mas no dia seguinte, ficava
de mau-humor novamente.

Quais cartas?

As cartas de Madras.

Mas, quem lhe escrevia de Madras?

N�o sei, uma sociedade,
n�o me lembro mais.

Mas ele nunca me mostrou
as cartas.

Ele as respondia?

Sim, respondia.

Acredito que sim.

Passava horas escrevendo.

Escrevia durante dias inteiros.

Por favor, fa�a um esfor�o.
Qual o nome daquela sociedade?

N�o sei.

Era uma esp�cie de educacional,
sociedade acad�mica, eu acho.

N�o me lembro mais.

Era um homem bom,

de boa vontade,
com um bom cora��o.

Mas sua natureza tinha
um destino triste.

Diga-me,

diga-me, Vimla,

como era entre voc�s dois?

Era bom.

Est�vamos bem.

Havia dias muito felizes.

Passe�vamos todos os dias,
sem destino,

pelas ruas de Bombaim.
Por toda a cidade.

�amos �s celebra��es de Ganesh
e Divali,

�amos para a Ilha da Elefanta,

ele sempre queria rever

o grande Shiva
de tr�s faces,

depois, � tarde,

deit�vamos na grama,
nos jardins,

ou sob a areia,
na praia de Chowpatty,

especialmente durante as primeiras
chuvas da mon��o.

Era como se

ele aprendesse a rir.

Ele amava rir.

Amava o mar de Oman,

os ocasos, os monges,

as rezas, as cerim�nias.

N�s dois...

era uma hist�ria de amor,

um verdadeiro amor.

Ele havia escrito muito,
muito,

mas, quando foi um dia,
ele queimou tudo.

Isso aconteceu aqui,
neste hotel.

Pegou uma bacia de cobre
e queimou tudo l� dentro.

Por qu�?

Estava doente.

Sua natureza...
tinha um destino triste.

Antes de partir,

n�o conseguia dormir,
nada mesmo.

"Sociedade Teos�fica", sim!

Eu me lembro,
a Sociedade Teos�fica.

� isso mesmo,
era o nome que vinha como remetente.

Muitas pessoas se perdem na �ndia.
O pa�s foi feito para isso.

Voc� conhece seu sobrenome?
Poderia ser �til.

Sim, seu sobrenome era Janata Pinto.

Xavier Janata Pinto.
Estranho!

Parece meio indiano,
meio portugu�s.

Ele tinha uma distante origem indiana.

Creio que seus ancestrais eram de Goa.
Pelo menos, era o que dizia.

Poder�amos verificar nos arquivos
do hospital? Dar uma olhada nas fichas?

Os arquivos? N�o se esque�a de
que est� em Bombaim.

S� neste hospital, mais de 1.8 milh�es
de doentes, no ano passado.

Ent�o, por favor, esque�a o ocidente.

Veja bem!

Faz s�culos que o p�ndulo
est� parado!

De qualquer sorte, � meia-noite.

Sim... sim, eu sei.
Eu o espero desde as 20h00.

Disseram-me que voc� � o �nico
que poderia me ajudar.

Parece que voc� tem uma
mem�ria prodigiosa.

N�o � uma grande vantagem,
num lugar como este.

Doutor, � a primeira vez que
venho � �ndia,

desculpe-me minha falta de jeito.

Quando esse cavalheiro foi
hospitalizado?

Durante a mon��o, eu creio.

A mon��o!

� o pior momento.

Sim, sim, eu posso imaginar.

N�o, n�o pode.

Simplesmente n�o pode.

Tem a foto dele?

N�o, mas

Tem minha altura, magro, cabelos lisos,

mais ou menos de minha idade e

tem o ar triste quando sorri,
como o senhor, doutor.

A descri��o n�o � de grande utilidade.
De qualquer modo,

eu n�o me lembro de nenhum
Xavier Janata Pinto.

Pelo menos, n�o no momento.

Arquivos, registros, pastas,

nomes,

nomes,

nada mais do que nomes.

Como voc� sabe que ele veio ao
hospital. Voc� em certeza?

Disseram-me, num hotel do
quarteir�o das garotas.

Ano passado, ele viveu l�.

Voc� est� neste hotel tamb�m?

Sim, mas eu nunca fico mais do que
uma noite no mesmo hotel.

Por qu�?

Gosto de mudar todos os dias.
Esta pequena valise

� tudo que tenho.

Amanh�, vou para um
hotel bem confort�vel,

talvez um bem luxuoso.
Por uma noite, posso me permitir.

Homens,

homens,

homens,

Tantos homens!

De qualquer jeito, � in�til.
Seu amigo n�o est� aqui.

Preciso ir para minha ronda.

Pode me acompanhar, se quiser.
Pode ver por si mesmo.

Se ele ainda estiver aqui,
� a �nica maneira de encontr�-lo.

Qual a profiss�o do sr. Janata Pinto?

Escrevia hist�rias.

Que tipo de hist�rias?

� dif�cil de explicar.

Digamos que elas faziam parte
de coisas

que n�o funcionavam da
maneira que se esperava, erros.

Numa hist�ria, h� um homem que passa
toda a vida sonhando com uma viagem.

Um dia, finalmente tem a oportunidade
de fazer aquela viagem.

E, naquele dia, ele percebe
que n�o quer mais partir.

E ainda assim, ele parte...
quero dizer, seu amigo.

Sim, � claro. Mas,

talvez tenha errado. Realmente,
acho que n�o pode escrever mais.

Acho que este n�o vai ser um
espet�culo muito agrad�vel para voc�.

Mas, quem poder� saber?
D� uma boa olhada. Quem sabe?

N�o percamos mais tempo,

h�, pelo menos, 10 como
este para visitar.

Que calor sufocante!

� assim que a �ndia � feita.

Quer descansar um pouco?

N�o, obrigado, est� tudo bem.

Estudou Medicina aqui, em Bombaim?

N�o, em Londres. E me especializei
em Zurique.

Uma especialidade absurda!

Sou cardiologista.

Sabe, na �ndia,

poucas pessoas t�m
problemas card�acos.

N�o � como na sua terra, onde
tanta gente morre de infarte.

Aqui, morre-se de tudo,
salvo cora��o.

Mas foi mais forte do que eu,
eu era fascinado pelo cora��o,

o pequeno m�sculo,
que faz e desfaz a vida.

Assim, como se fosse nada.

Al�m do mais,

eu sou ateu.

Pode imaginar?

Ateu, indiano e cardiologista!

Vamos continuar por ali.

Reagrupamos os incur�veis,

os casos terminais.

Alguns est�o l�
h� muito tempo.

H� pouca chance de seu
amigo se encontrar ali.

Talvez fosse melhor se
voc� esquecesse isso.

Sim, creio que tem raz�o.

Eu me chamo Ganesh.

V� aquela porta?

D� diretamente para a rua.

At� logo.

Se eu encontrar seu amigo,
quer alguma mensagem para ele?

N�o, por favor,
n�o lhe diga nada.

Com licen�a.

Est� desocupado?

Aonde vai?

Ao hotel Taj Mahal.

Ao Taj Mahal. Est� bem!
Suba.

Algum problema, senhor?

N�o, n�o, est� tudo bem.

Bom dia, senhor, um bom dia!

Hoje o dia est� lindo, senhor!

Cara Isabelle, estou na �ndia,
procurando por Xavier.

Para minha grande surpresa,
as lembran�as emergem,

os dias passados, as paisagens,
rostos, vidas, todos os ver�es

e subitamente, eu tenho necessidade
de contar tudo, TUDO.

Querida Magda,

R�pido, senhor!
O �ltimo barco!

A Ilha da Elefanta, suas grutas, seus
templos, o Shiva de tr�s cabe�as...

Senhor, o sol est� quente,
devo fechar a janela?

Sim, por favor.

Terminou? Posso recolher?

Aqui, senhor!

Desculpe-me pela invas�o,
enganei-me de compartimento

e minha reserva indica este
assento, em frente ao seu.

Podemos dividir este compartimento?

Claro, por favor.

Muito obrigado.

Vai para Madras?

Sim.

Voc� ver�, este trem sempre
chega na hora.

Chegaremos amanh� pela manh�,
�s 07h00. Precisamente.

Madras,

a capital da arte dravidiana na �ndia.

Se nunca foi l�, vai ver
coisas extraordin�rias.

Obrigado por ter sugerido o
tender. Foi uma experi�ncia e tanto.

O carneiro � um alimento nobre
e sacrificial.

Os indianos tem um sentimento
profundo quanto a rituais aliment�cios.

Se visitar todos os templos dravidianos
ao redor de Madras,

saiba que eles foram constru�dos
seguindo regras muito espec�ficas.

Os quarteir�es, divididos em

64 ou 81 quadrados,
como um tabuleiro de xadrez.

Cada um desses quadrados,
corresponde a um deus particular.

No hindu�smo, deus h� milhares
de apar�ncias, milh�es!

E em cada uma dessas apar�ncias,
h�, elas mesmas, numerosas, �s vezes

contradit�rias identidades.

Shiva, por exemplo,
� o criador,

mas tamb�m o deus da destrui��o.
Ou pode ser um outro deus:

Kala, Pashupati, Baihrava.

Veja bem,

estamos longe do conceito europeu, de
individualidades claramente definidas.

Os templos de Madras...
eles nos falam.

Escute-os.

Bem, o senhor � um experto.

Deve ser bem famoso.

N�o, n�o passo de um amador.
O destino deu-me esta paix�o.

Vai sempre a Madras por trem?
Por que nunca de avi�o?

Eu nunca fui a Madras.

N�o � preciso ir a um lugar para
saber tudo sobre ele.

Boa noite.

Passaporte, por favor.

Desculpem-nos, senhores,
uma quest�o de formalidade.

Controle de rotina.

� de Israel.

Como pode ver, sou.

Sr.... Schi... mail?

Schlemihl. Peter Schlemihl.

Obrigado.

Esse n�o pode ser seu nome verdadeiro,

s� h� um Peter Schlemihl.

"o eterno azarado".

Ele � a inven��o de um escritor...

Adalbert von Chamisso,
no come�o do s�culo XIX.

Est�

na "A Maravilhosa Aventura
de Peter Schelemihl."

Voc� leu este livro?

Sim.

Peter Schlemihl perdeu sua sombra,

e no final

ele a reencontra.

Sabe o que Chamisso
escreveu sobre si mesmo?

N�o, � o �nico livro dele
que conhe�o.

"Eu sou um franc�s na Alemanha
e um alem�o na Fran�a,

um cat�lico entre os protestantes
e protestante entre os cat�licos,

eu sou um estrangeiro,
onde quer que eu v�.

Eu queria abra�ar tudo,

mas tudo me escapa."

O que vai fazer em Madras?

E voc�? Voc� tampouco
� um turista.

Eu procuro algu�m.

Quase como eu.

Vou ver uma est�tua.

Bem, � um longo caminho
para ver uma est�tua.

H� muito tempo,

na Alemanha,

eu encontrei um m�dico.

Ele fazia experi�ncias cir�rgicas
para a ci�ncia alem�.

Tinha dois guardas armados
a seu lado.

Est�vamos todos nus,

todos em fila, esperando.

Antes da opera��o, o m�dico nos
fazia perguntas sobre nossa virilidade,

nossa sexualidade.

Quando chegou minha vez,

meu olhar foi atra�do por uma pequena
est�tua, sobre sua escrivaninha,

uma divindade oriental,

dan�ando, com seus bra�os
e pernas num c�rculo.

O m�dico me pegou olhando para ela,

e me explicou, sorrindo,

Compreende alem�o?

Sim.

Bem, estas foram exatamente
suas palavras:

"Esta est�tua,

representa o c�rculo vital,

pelo qual todas as esc�rias,

todos os dejetos,

todos os subprodutos da humanidade
devem passar,

para chegar a uma forma
de vida superior,

para atender � Beleza.

Espero que, em uma nova vida,
voc� possa renascer assim,

na ra�a dos senhores."

Continue, por favor, continue.

N�o h� muito mais o que falar.

Era a est�tua de Shiva dan�ando,

chamada Nataraja.

Aquela que est� em Madras.

Claro que eu n�o sabia disso,
naquela �poca.

H� uma foto em seu guia,
no cap�tulo sobre Madras.

Como voc� pode ver, eu ainda n�o fui
"reciclado biologicamente."

E minha interpreta��o da est�tua
� bem diferente da do m�dico.

Penso nisso todos os dias,
durante todos os anos.

45 anos!

Eu n�o penso em outra coisa
h� 45 anos.

� poss�vel pensar em apenas uma
coisa, durante 45 anos?

Sim.

Se voc� encara
a face do horror.

E estou bem certo agora,

que aquela est�tua n�o representa
o c�rculo vital,

pelo qual devemos passar
para renascer,

mas,

a dan�a da vida,

nada mais do que isto.

Mas, qual a diferen�a?

H� uma grande diferen�a.

A vida � um c�rculo,

mas de um modo diferente.

Um dia, o circlo se fecha,

mas n�o sabemos quando.

E agora, voc� vai ter que
me desculpar,

estou muito cansado.

Se voc� tiver tempo,

v� ver a est�tua,
no Museu de Madras.

Eu gostaria de saber
o que acha dela.

Voc� poderia me deixar uma mensagem
no American Express,

eu passarei para peg�-la,

talvez.

"O corpo humano �, talvez,
uma simples apar�ncia escondendo a

nossa realidade, condensando-se sobre
a nossa luz ou sobre a nossa sombra."

N�o � teosofia,

� Hugo. Seu Victor Hugo.

"Os Trabalhadores do Mar."

Eu vou jantar,
gostaria de juntar-se a mim?

A n�o ser que n�o esteja
com fome a esta hora.

Para falar a verdade,
estou faminto. Obrigado.

Eu tomei o caf� da manh� no trem,
e ao meio-dia, estava a sua procura.

Eu como s� uma vez por dia.

Pe�o que me desculpe
pela frugalidade,

mas � o �nico momento
em que poderemos conversar.

� um privil�gio para mim,
muito am�vel.

Eu nem esperava tanto.

� raro receber h�spedes
estrangeiros aqui, na sociedade,

mas, se eu entendi bem

n�o � simples curiosidade
que o traz aqui.

Sim, � verdade.

Procuro por uma pessoa.

Seu nome � Xavier Janata Pinto.

Ele desapareceu h� um ano,
mas tenho raz�es para acreditar

que ele manteve contato
com a Sociedade Teos�fica.

Seria indiscreto perguntar-lhe
o que o leva a crer nisso?

Desculpe-me, mas gostaria
de saber se Xavier Janata Pinto

era membro da
Sociedade Teos�fica.

N�o, n�o era.

Mas ele lhe escrevia.

Pode ser.

Neste caso, seria uma
correspond�ncia privada.

Temos arquivos aqui,

mas, infelizmente, eles s� est�o
� disposi��o de nossos membros.

De qualquer modo,
eles n�o cont�m refer�ncias

a nenhuma correspond�ncia privada.

Conhece a �ndia?

N�o, � a primeira vez que venho.

Eu ainda n�o tenho muita
certeza de onde estou.

N�o quis dizer geograficamente,
mas sim da cultura da �ndia.

Quais livros voc� leu, por exemplo.

Poucos. Agora estou lendo "Manual
de Sobreviv�ncia do Viajante na �ndia",

� muito �til.

Interessante. Nada mais?

Bem,

devo admitir que vim
sem prepara��o alguma,

lembro-me vagamente de
romances alem�es...

De fato, os alem�es manifestaram
grande interesse em nossa cultura,

e frequentemente formularam

julgamentos interessantes
sobre a �ndia.

Qual sua opini�o?

N�o estou � altura
de emitir uma opini�o.

Hesse, por exemplo, Herman Hesse.
O que acha dele?

Hesse?

Ele era su��o, n�o alem�o.

N�o, n�o. Era alem�o.

Ele s� se nacionalizou
su��o em 1921.

Talvez, mas quanto morreu,

era su��o, n�o alem�o.

N�o me respondeu
o que lhe perguntei.

Conhece "Rossoli"?

Acredito que n�o.
O que �?

Um licor italiano,
doce e xaroposo

uma bebida que se tomava
nos sal�es, no s�culo XIX.

Os livros de Hesse me
lembram o "rossoli".

Vou lhe mandar uma garrafa,
quando eu voltar. Ver�...

N�o acho que gostaria dele.
Eu n�o bebo.

Al�m do mais, detesto
tudo que � a�ucarado.

Agora, vamos tomar um ch�.

A��car?

N�o, obrigado. Eu tampouco
gosto de a��car.

Voc� � agn�stico?

N�o creio que seja.

N�o, n�o, s� sou curioso
por coisas como essas.

Quem despertou sua
curiosidade?

Os fil�sofos m�sticos alem�es,
entre outros

e tamb�m a presidenta irlandesa da
Sociedade Teos�fica, Annie Besant.

Eu mergulhei aqui e ali

e os descobri de uma
maneira indireta.

Por exemplo, Annie Besant
foi traduzida por Fernando Pessoa,

um grande poeta portugu�s,
que morreu desconhecido, em 1935

e que escreveu sob diferentes
identidades.

Pessoa... sim, Pessoa.

Conhece-o?

Um pouco. Como voc� aos outros.

Pessoa se dizia agn�stico.

Sabe quais foram suas
�ltimas palavras?

Receio que n�o.

"D�-me meus �culos."

Ele era muito m�ope e queria entrar
no outro mundo com seus �culos.

Um pouco antes de morrer,
em agonia,

escreveu algumas palavras em ingl�s,
dif�ceis de serem lidas, mas leg�veis:

"I know nothing what tomorrow will
bring." (N�o sei o que o amanh� trar�)

Que ingl�s estranho.

Tem raz�o,
que ingl�s estranho!

Mas escrito por um poeta...

Desculpe-me por um momento,
volto logo.

Esta � uma carta de seu amigo.

"Querido mestre e amigo,

as perip�cias de minha vida

n�o me permitem

voltar a passear com voc�,
ao longo dos rios de Adayar.

Eu me transformei no
p�ssaro que canta � noite.

sim, um p�ssaro da noite.

e eu prefiro acreditar que
este foi o meu destino.

Lembre-se de mim,
da maneira que eu era.

Seu, Xavier.
Calangute, Goa.

23 de setembro."

Ent�o, n�o est� mais em Bombaim,
ele est� em Goa.

Estava l� no final de setembro.

Por que Goa?

Se o senhor sabe de algo,
diga-me.

Eu n�o estou a par da vida
material de seu amigo.

Sinto muito,
n�o posso ajud�-lo.

A coincid�ncia � que eu parto

para Goa esta noite.

N�o se deve querer saber muito
sobre a apar�ncia exterior dos outros.

N�o, mas � estranho, pois
Goa � o destino final

de minha viagem.

Irei consultar alguns arquivos em
portugu�s arcaico, junto aos jesu�tas.

Comprei minha passagem de �nibus
esta manh�,

assim que cheguei a Madras.

Penso que � bem tarde,

eu tenho muitas coisas
para escrever hoje.

Permita-me acompanh�-lo
de volta ao port�o.

Muito obrigado, professor.

"Temos todos duas vidas:

A verdadeira,
que � a que sonhamos na inf�ncia,

E que continuamos sonhando, adultos,
num substrato de n�voa;

A falsa, que � a que vivemos
em conviv�ncia com outros

Que � a pr�tica, a �til

A �til.

Aquela em que acabam
por nos meter num caix�o.

Temos todos duas vidas".

"Temos todos duas vidas"
Fernando Pessoa.

Boa comida?

Muito boa.

Bebida fresca?

N�o, obrigado.

Notici�rio das 19h?

O qu�?

Notici�rio das 19h?

O que est� fazendo?
N�o tenho necessidade de r�dio!

Desculpem-me.

Perd�o.

Em Madras, um argentino
foi encontrado assassinado,

em circunst�ncias misteriosas

Uma est�tua de Shiva Natajara

foi encontrada perto
de seu corpo.

A v�tima vivia em Madras
desde 1958.

Descrito como um septuagen�rio
reservado e discreto,

vivia sozinho.

Foi morto com uma
bala no cora��o.

A pol�cia disp�e de
poucos ind�cios

e a morte continua
inexplic�vel.

Todos os itens permaneceram
intoc�veis

e nada foi roubado.

A v�tima era um grande
especialista na arte dravidiana

e, no passado, prestou servi�os
ao museu de Madras.

A est�tua descoberta perto do corpo
parece ser a a prova crucial

deixada pelo assassino.

Depois de uma busca na casa,

a pol�cia descobriu que
a v�tima era

um velho m�dico alem�o.

H� um telefone por aqui?

Venha.

American Express, posso ajud�-lo?

Eu gostaria de deixar uma mensagem,
por favor.

Para quem?

Sr. Peter Schlemihl.

Poderia soletrar?

Schlemihl, bom, e o texto?

Desculpe-me, mudei de ideia.

Peter Schlemihl... � seu nome?

Desculpe-me...

o que aconteceu. Por que paramos?

N�o estamos em Goa?

N�o, s� uma parada para

passageiros vindos de
Mudabiri e Karkala.

Se eles podem esperar sem a gente,
por que deveremos esperar por eles?

N�o, n�o, n�o esperar.

Passageiros para n�s tamb�m
naquele �nibus.

�nibus chega, passageiros
sobem e vamos para Goa.

Quanto tempo de espera?

1h35m.

A sala de espera � l� fora.
Deixe-me dormir.

Boa noite, senhor.

Aonde vai?

A Goa.

E voc�?

Mudabiri.
Ao templo de Chandranath.

Voc� fala bem o ingl�s.
Onde aprendeu?

Na escola dos mission�rios.

Elas n�o falam ingl�s.

Minha m�e e minha irm�.
Ela tem 28 anos.

Ela conhece todas
as ora�oes de cor,

sabe dan�ar qualquer dan�a
para as deusas do encantamento.

O que vai fazer em Mudabiri?

H� uma festa,

muitos peregrinos.

Voc�s s�o peregrinos?

N�o, ela � Arhant!
Ela ganha muitas r�pias.

O que quer dizer,
Arhant?

Adivinha.
Ela diz o passado e o futuro.

Vamos a todos os templos.

Ah, ela � uma vidente.

Sim. Sinto que quer conhecer
seu destino. 5 r�pias.

Est� bem. Pergunte para sua irm�.

Ela pergunta se pode tocar sua cabe�a.

Claro, se � necess�rio.

Sinto muito, senhor,

ela diz que � imposs�vel.
O senhor � outra pessoa.

Outra pessoa?
� mesmo?

E quem sou eu?

N�o se preocupe,
� somente m�ya.

M�ya, o que quer dizer?

A apar�ncia vis�vel do Mundo.
Nada mais do que uma ilus�o.

O que conta � o atman.

E o que o atman?

A alma, a alma individual.

Se eu sou um outro,
onde est� meu atman?

� dif�cil dizer.

Pergunte-lhe se 10 r�pias
a ajudariam?

N�o � esta a quest�o.

Voc� n�o est� l�.
Ela n�o pode dizer onde est�.

Mas se voc� quiser nos dar
as 10 r�pias, aceitaremos.

Est� bem, eu os darei, prometo,

mas uma vez mais,

pergunte-lhe se ela pode tentar
adivinhar onde est� meu atman,

meu verdadeiro eu.

Se ela for uma boa arhant,
ela deve ser capaz de dizer.

Ent�o, por favor, pergunte-lhe
pela �ltima vez.

Ela vai tentar. Sem garantia.
D�-lhe sua m�o.

Quando � bastante dif�cil,
ela canta.

Vem vindo, vem vindo,

ela v� qualquer coisa.

Voc� est� em um navio,

sobre o mar,

ela v� as luzes,

os sons,

o barulho.

Uma esp�cie de batalha,

h� muito tempo.

Bastantes soldados chegando,

soldados estrangeiros,

mas � muito longe,
� muito longe,

t�o longe...

Ela n�o v� mais nada.

Acabou-se, n�o insista,
por favor.

� muito doloroso.

Obrigado.

Seja bem-vindo a Goa,
sr. Rouxinol.

O meu nome n�o � Rouxinol, como em
portugu�s, mas Rossignol, em franc�s.

Mais ou menos a mesma coisa.

Padre Pimentel est� rezando as v�speras.
Pede para o momento, para aguardar,

queira fazer o favor de me acompanhar.

Se quiser alguma coisa,
eu estou ao seu dispor,

O meu nome � Theot�nio.

Conhece Portugal?

Passei l� quase toda minha
adolesc�ncia.

Nesse tempo, os meus amigos costumavam
me chamar de Rouxinol. Tal como fez.

Tamb�m vivi muito tempo em Portugal.
Eu morava em Vila do Conde.

A minha fam�lia ainda est� l�.

Gosto muito de Portugal. Especialmente
os bolos. Conhece p�o-de-l�?

Ah, p�o-de-l�, basta falar nisso para
eu me lembrar de meus anos do liceu!

Aqui estamos. Esteja � vontade.

Padre Pimentel vai estar com
o senhor �s 18h30.

Obrigado.

Desculpe-me por ter demorado tanto.
Eu sou o padre Pimentel.

Ah, boa tarde, senhor padre.

Recebi sua carta da Fran�a

os nossos arquivos est�o � disposi��o.
Pode ficar o tempo que quiser.

Vou lhe mostrar o quarto
que mandei lhe arrumar.

Ah, n�o posso ficar.

Agrade�o a sua hospitalidade,
mas tenho que ir me embora.

Tenho que ir a Calangute.
Estarei de volta em alguns dias

para come�ar as minhas investiga��es.

Queira desculpar-me.

Como quiser.

Adeus, obrigado, at� breve.

Boa tarde.

Boa tarde. Como vai?

Muito bem. Obrigada.

Voc� veio da escola?

Sim, e vou para casa,
para fazer minhas tarefas de casa.

E o que voc� fez na escola hoje?

Planet�rio, estamos
estudando as estrelas.

Estrelas...

eu me lembro do nome delas, eu
aprendi de acordo com a luminosidade.

...Arcturus, Orion e Capella.

E quanto as estrelas vari�veis,
voc� as conhece tamb�m?

Sim, mas eu prefiro as
estrelas extintas,

que est�o t�o longe,
e ainda conseguimos ver seu brilho,

como se elas vivessem ainda.
E voc�? Quais prefere?

As estrelas neutrons, quando
elas est�o perto de morrer.

O que faz aqui, sozinho com sua valise?

Oh, procuro por algu�m.

Quem?

Algu�m que sumiu perto desta praia.

Ele quer que voc� procure por ele?

N�o sei.

Simples. N�o o procure.

Diga-me, como ele �?

Passo todos os dia por aqui,
depois da escola. J� vi

muitos estrangeiros por aqui.

Bem, temos mais ou menos
a mesma altura,

parece triste quando sorri,

seu cabelo � castanho escuro
e liso,

ele se chama Xavier,
� portugu�s e...

Portugu�s de Portugal?

Sim, por qu�?

Ele tamb�m conhece as estrelas?

Sim, acho que sim.

Ele aprendeu as mesmas coisas
que eu,

quero dizer, fomos � mesma escola.

D� uma olhada no hotel Mandovi, em
Panaji. Mas tenha cuidado.

Desculpe-me, tenho que ir.
Prazer em conhec�-lo.

Qual � seu nome?

Como? Rrou..si... niou?

N�o, Rossignol. "Nightingale",
se preferir. � como em ingl�s.

Adeus, sr. Nightingale.

"Querido mestre e amigo,

as perip�cias de minha vida n�o me
permitem voltar a

passear com voc�, ao longo dos
rios de Adayar.

Eu me transformei no
p�ssaro que canta � noite.

sim, um p�ssaro da noite."

Um p�ssaro da noite...
Rouxinol, Rossignol.

"e eu prefiro acreditar que
este foi o meu destino.

Lembre-se de mim,
da maneira que eu era.

Seu, Xavier.
Calangute, Goa.

23 de setembro.

-Boa noite, senhor.
-Boa noite, eu queria um quarto.

Com terra�o e vista
para o rio, por favor.

Certo, senhor.

O senhor � o gerente?

N�o senhor, ele n�o est�.

Mas em caso precise de alguma coisa,
pode me pedir.

Estou procurando pelo sr. Nightingale.

O sr. Nithingale n�o est� aqui,

ele partiu h� um bom tempo.

Sabe para onde ele foi?

Ele vai sempre a Bangcoc.

Ele viaja muito,

o sr. Nightingale � um
empres�rio muito importante.

Sim, eu sei. Eu sei, mas ele
poderia voltar.

N�o tenho mais informa��o, senhor.

Eu vim especialmente da Europa
para falar de neg�cios com ele,

e, voc� sabe, neg�cios s�o t�o caros

e ficarei muito contrariado de
ter vindo por nada.

O sr. Nightingale n�o vem mais aqui.

O senhor sabe,

nosso hotel � muito bom,

mas ele foi constru�do em 1950,
na �poca dos portugueses,

n�o pode competir com os luxuosos
hot�is, constru�dos recentemente.

Obrigado.

� uma escolha dif�cil.

Sirva-me o que bebia
o sr. Nightingale.

Ouvi dizer que o sr. Nightingale s� bebe
os de melhor qualidade. O que pensa?

Eu n�o saberia dizer,

pois depende do gosto de cada um.

Deseja um vinho mais caro?

Sim,

e mais "comunicativo"

algo melhor do que as palavras.

Este agradaria ao
sr. Nightingale?

Claro, senhor.

Mas, como eu poderia estar
verdadeiramente seguro?

Perguntando ao sr. Nightingale.

Evidentemente,

mas como eu faria isto?

Em seu lugar, eu iria a um bom hotel,
� beira-mar.

H� tantos deles...

Bem, um dos melhores �
o hotel Fort Aguada,

muito bem localizado,
bangal�s na praia,

� um antigo forte portugu�s.
Estou certo que o agradar�.

Obrigado.

E o jantar?

N�o tenho mais fome.
Mande o vinho para meu quarto.

"Sr. Nightingale,

eu me chamo Rossignol, a ave que
canta � noite, a ave da noite.

Rouxinol em portugu�s,
Ninghtingale em ingl�s.

Devo ir mais longe?
Parar?

Era um jogo, mas a melancolia
e a tristeza me invadiram..."

Desculpe pela observa��o banal,
mas parece que nos conhecemos.

Eu sinto a mesma coisa.

Voc� � incrivelmente parecido
com algu�m que conhe�o.

� mesmo?

Posso perguntar quem �?

Eu n�o sei.

N�o consigo me lembrar!

Talvez voc�, eu n�o sei.

Bem, voc� me desmascarou!
Sou eu realmente!

J� que nos conhecemos, posso passar a
noite em sua agrad�vel companhia.

Pare, pare. Uma tarde tropical,
palmeiras. N�o use para tirar vantagem.

Para come�ar, eu sou muito suscept�vel a
comprimentos, eu n�o resisto.

E ent�o, gosta disto? N�o seria muito
principesco para voc�, de modo algum.

Sa�de!

Pode reservar uma mesa de canto, no
terra�o, pouca luz, por favor?

-Claro, senhor.
-Muito obrigado.

N�o acha que est� avan�ando
depressa demais?

O que faz voc� pensar que eu vou
aceitar o seu convite para jantar?

N�o, n�o pretendi que fosse um convite.
Eu quase n�o tenho dinheiro sobrando.

Ultimamente, gastei muito.

N�o. Minha sugest�o foi que
divid�ssemos a conta.

Estamos s�s. � l�gico que continuemos
juntos. E como j� nos conhecemos...

Voc� tem uma maneira irresist�vel
de cortejar uma mulher.

N�o, n�o pretendo cortejar tampouco.
Asseguro-lhe. N�o mesmo. N�o mesmo.

Antes, eu estava pensando em

uma refei��o, uma conversa amig�vel,
de igual para igual.

N�o, por favor!

Corteje-me.

Diga-me coisas agrad�veis.

Diga-me sobre tudo que
seja bonito. Eu preciso disto.

O que est� acontecendo?

De onde voc� veio? Onde esteve
antes de vir para c�?

Calcut�. Estive trabalhando
1 m�s em Calcut�.

Que tipo de trabalho?

Tirava fotos de aberra��es.

Aberra��es, dores, pobreza,
sofrimento - chame como quiser.

Por que fazia isso?

Eu tiro fotos. � meu trabalho.
Sou paga para isto.

Voc� j� esteve em Calcut�?

N�o!

N�o v�.
Nunca cometa esse desatino.

N�o cr� que devamos experimentar a vida
ao extremo? Especialmente uma fot�grafa?

N�o. Dever�amos ver o m�nimo poss�vel.

A mesa est� pronta.
Por aqui, por favor.

Posso me sentar aqui? Gostaria de
ver as outra mesas. Posso?

Os pescadores de Calangute
trouxeram belas lagostas.

Lagosta - �tima ideia.
Maravilha.

Lagosta para dois.

Disse-lhe o que estava fazendo.
E voc�, o que voc� faz?

O que eu fa�o? Bem...

Bem?

Eu creio estar no processo de
escrever um roteiro para um filme.

Um filme?

Um roteiro. Uma hist�ria.

Voc� � um cineasta?

N�o, n�o, n�o! � s� algo experimental.
Uma coisa que queria tentar.

Tenho um emprego adicional.

Sou um ca�ador de rato morto.

Perd�o?

N�o se assuste. O que chamo de rato
morto s�o velhos arquivos e cr�nicas.

Procuro material dado como perdido.
� meu trabalho.

Tamb�m sou pago para fazer isto.

Bom apetite.

N�o, n�o. j� tive o suficiente.

Vamos l�, um pouco do �ltimo.

Primeiro, eu n�o disse que estava
escrevendo, eu disse "creio!

H� um pouco aqui, um pouco ali.
N�o � mesmo uma hist�ria real;

apenas fragmentos de uma hist�ria.

H� uns anos, eu publiquei
um livro de fotos.

Na 1� p�gina, h� um close de um jovem
negro, levantando os bra�os para o c�u.

Alegre, como se tivesse vencido
os 100m rasos.

E ent�o, na 2� p�gina, a mesma foto,
mas, desta vez, de corpo inteiro,

Na verdade, ele tinha acabado
de ser baleado pela pol�cia.

Um segundo ap�s o clique de minha
m�quina, o jovem estava morto.

Havia apenas uma legenda neste livro;
lia-se "Cuidado com pe�as selecionadas".

Ent�o, por favor,
nada de pe�as selecionadas.

Diga-me qual o tema de seu filme.

Est� bem, digamos que o tema seja
meu descaminho pela �ndia. � isto.

N�o, n�o � suficiente. Voc�
n�o me escapa s� com isso.

N�o pode ser tudo.

Sim, �. Sou algu�m que
se perdeu de si mesmo, na �ndia.

E a�, h� tamb�m algu�m mais.
Algu�m que procura por mim.

Mas eu n�o tenho a m�nima inten��o
de deixar-me ser encontrado.

Eu vi o outro cara chegando.
Eu o segui dia ap�s dia.

Sei tudo sobre ele.

Por outro lado, ele n�o sabe
quase nada a meu respeito.

Ele n�o tem sen�o algumas dicas,
sinais, pe�as.

E voc�? Quem � voc�?
No filme, quero dizer.

N�o � descoberto.

Como eu n�o quero ser encontrado, dizer
quem eu sou n�o faz parte do jogo.

Ele o conhece,
o cara quem procura por voc�?

Sim. Ele me conheceu no passado.

Acho que fomos grandes amigos.

Mas isto foi h� muito tempo,
est� fora do escopo da hist�ria.

E por que ele insiste tanto
nesta busca por voc�?

Quem sabe? Dif�cil dizer. Mesmo
como escritor da hist�ria, n�o sei.

Ele deve buscar pelo passado, por uma
resposta, algo que lhe escapou antes.

Na verdade, ele busca por ele mesmo,

o que ocorre frequentemente nos filmes.
Isto � cinema para voc�!

E, na verdade, tamb�m h� 2 mulheres.

At� que enfim!
Est� ficando interessante...

N�o, infelizmente n�o. Tampouco est�o
no escopo da hist�ria. N�o fazem parte.

Mas em seu filme tudo est�
fora do escopo da hist�ria!

Pode me dizer o que faz
parte de seu escopo?

Sim.

Um homem procura por outro.
Algu�m procura por mim.

Esta busca � tudo que h�.
Nada mais.

Seu roteiro: Paris, Bombaim, Madras.

Os encontros que fazem
parte de tais viagens.

E no final,
ele chega em Goa.

Ah, em Goa!

Fascinante! E ent�o?

Ent�o ele vaga um pouco mais,
aqui e ali,

e uma tarde,
ele compreende tudo.

Tudo?

Por que ele n�o pode
me encontrar.

E por que n�o?

Eu mudei meu nome.

E como ele o encontrou?

N�o sei. Talvez por acaso.

N�o foi t�o dif�cil como aparenta.
Eu peguei seu nome e o traduzi.

E qual era seu nome?

Um nome bonito. "Rossignol".
Bonito.

E ent�o?

Dali para frente, ficou
f�cil, para ele, encontrar-me.

Ele faz crer que ele est� comigo
e lhe dizem que eu estou na costa.

Em um lugar como este,
por exemplo.

Se voc� quiser, poderia at�
ser neste lugar mesmo.

Ent�o, de agora em diante,
somos parte da filmagem.

Voc� vai escrever muito,
muito bem.

O que est� fazendo?

Estou pedindo a conta.

Ah, mas voc� n�o pode
fazer isso!

Se quer conhecer o final,
preciso mostr�-la na vida real.

N�o posso apenas contar a hist�ria.
Precisamos sair daqui. Ent�o, pagaremos.

A conta.

Est� pago, senhor.

Como? Quem pagou?

Um cliente.
Ele n�o disse seu nome.

Voc� est� de concluio com o gar�om.

N�o, palavra que n�o sou eu.
Realmente.

N�o sou idiota, mas n�o importa.
Eu quero o final do filme.

Por aqui - vamos ao outro
lado da piscina.

Digamos que seja neste hotel,

uma tarde como esta tarde,
quente e fragrante.

Estaria jantando com uma linda mulher.
Algu�m como voc�, por exemplo.

Nesta mesa. Aqui.

E ent�o, em algum momento...

Em algum momento?

Eu o vi. Logo ali.

Na mesa em que est�vamos antes.

Ele tamb�m est� com uma mulher.

S� posso ver as costas dela. Ela me
lembra outra mulher. 2 mulheres iguais.

Ele olha para mim, sem se mexer.

Parece feliz!

Sorri-me.

Talvez ele pense que reconhece
a mulher que est� comigo.

Ele pensa nas duas mulheres.
Nas mesmas duas mulheres.

Ent�o voc�s, eventualmente,
se encontram?

N�o!

Na verdade, n�o.

Agora que ele me encontrou,
n�o quer mais me encontrar.

E eu tampouco quero que ele
me encontre.

Ent�o, n�s dois estamos pensando
exatamente a mesma coisa.

Olhamos um para o outro,
sem que ningu�m note.

Especialmente a mulher
que est� com ele.

Ou a mulher que est� comigo.

Assim como eu, anteriormente.

E ent�o?

Ent�o, ele se levanta e sai com a mulher.
� tudo.

� tudo?

Sim, � tudo. Este � o final.

O que mais poderia acontecer?

� o que realmente acontece?

Voc� tem certeza de que n�o
h� outro final?

N�o, n�o h�. Sinto muito.
N�o vejo outra solu��o.

Sim. Sim, eu me esqueci.

Foi ele quem pagou a conta, antes
de sair. Para n�s quatro.

At� quando voc� fica aqui?

-Eu parto amanh�.
-J�?

Sim, meus ratos mortos
esperam por mim.

E eu nunca fico mais de uma noite
no mesmo hotel.

Isto � um filme, ou acabou
de acontecer na vida real?

Boa noite!

Tradu��o da legenda para o portugu�s:
Lu Stoker - MKO