All language subtitles for 2002 - A Selva

Cadê seus homens, São Juca?

Onde é que eles estão quando é preciso
nos defender?

Tá falando de quê, cabra?

Tô falando do Feliciano.

Que os índios mataram ele.

O desgraçado está morto, seu Juca.

É isso que nós recebe de volta?

Miséria e morte, seu Juca.

Cuidado, término.

Homem nenhum fala comigo desse jeito.

Feliciano morreu.

Que descanse em paz.

Mas outros virão para o lugar dele.

A regra aqui é essa e é assim que nós
temos que viver.

Isso aqui é a Amazônia, cara.

Isso aqui é a selva.

Pela parte que me toca, Espera algum dia
merecer o seu perdão.

Trago novos contratados para os
seringais do coronel. Estou atrasado.

A gente paga a passagem, dá de comer,
tira da ruína e depois eles fogem

as dívidas.

O melhor seria dar -lhes dois tiros e
adeus.

Eu vou dizer ao rapaz que vai buscar as
malas.

Bem, bom visto.

Sabe, Sr. Velasco, também precisava
pedir -lhe um pequeno favor.

Tenho um sobrinho que veio fugir de
Portugal.

Exilado. Exilado?

Ele veio fugir dos republicanos. É
monárquico.

E veio para o Brasil viver como um rei à
conta do tio.

Não vejo em que possa ajudar.

Num seringal há sempre um armazém ou um
escritório.

Não creio que no caso do Juca Tristão
seja diferente.

O rapaz é inteligente.

Estudava direito.

E ambicioso.

Muito ambicioso.

A selva é para homens fortes, amigo
Macedo.

Não para almofadinhas de sangue azul.

Quem sabe não podemos diminuir um pouco
o prejuízo que teve com a fuga dos seus

homens.

Não posso garantir que ele trabalhe no
armazém.

Basta -me a sua intenção.

O que é que há de certo no mundo?

A morte e os impostos.

Tem alguém em você que me agrada,
português.

Quem soltou o cavalo? O que se passa
aqui, Flávio?

O próximo que tentar escapar, juro por
Deus que eu mato.

Ao fugir de Lisboa depois da revolta
falhada de Monsanto, não podia imaginar

iria encontrar -me ali, no meio daqueles
pobres diabos, apenas alguns meses

depois.

Sr. Velasco.

O imediato não me deixou subir à
primeira classe para o almoço.

Pois fez muito bem. Não, seu Glasgow,
não foi isso que ficou combinado.

O meu tio Macedo disse... Seu tio Macedo
ficou em Belém do Pará.

Se a situação não lhe agrada, pode
voltar.

Não há tanto.

Do contrário, pode comer com os outros.

O que o seu tio pagou não dá para mudar
isso.

Quanto é que o meu tio pagou?

O suficiente para você não morrer.

Se você voltar a tocar num cavalo meu,
lhe corto o saco.

Nesse momento, lembrei -me de alguns dos
meus companheiros monárquicos.

Imaginei -os almoçando no Rite, em
Paris, conversando pela noite fora, com

bom conhaque numa mão e um xarope na
outra.

Pela primeira vez, senti -me
verdadeiramente só no mundo.

Saindo de Manaus, deixava para trás os
últimos vestígios da civilização e

penetrava num mundo diferente de tudo o
que tinha conhecido até aí.

Acabou a festa.

Devia tirá -los piranhas, Corbuto.

E com você, eu falo depois.

Seja bem -vindo ao Seringal Paraíso, que
para você vai ser um

inferno.

Então, coronel. Ei, seu cabra safado.
Está vivo?

Viu só que pinta tem o tipo?

Firmino, vai aí o seu homem.

Leve ele para todos os santos e ensina o
serviço para ele.

E, Firmino, eu vou estar de olho.

Se incomodar de novo, eu acabo com você.

Ó, seu amor, cuidado, viu? Nossa, tu
podia ter dormido.

Essa aí é a mulher do seu guerreiro.

Mal entrei naquele labirinto da
floresta, fui possuído pelo medo de

Enterrado para sempre.

Sem ninguém para dar notícias minhas a
Lisboa.

Seu lugar agora é aqui, senhor.

É luxo, mas dá.

Nem

mesmo

o facto de não estar sozinho diminuiu a
minha solidão.

Bom dia.

Bom dia.

Isso aí é Procópio, ó.

Nós que inventamos o nome dele, que é
mudo que nem uma pedra e ninguém sabe de

onde é.

Ele ali é Agostinho, carente que nem eu.

Vem cá, cabra safado, filho de uma
rapariga. Vem aqui.

Vem conhecer tal beca e vem aprender a
cortar seringa com nós.

Essa aqui é a arte, seu moço.

Moço, presta atenção que eu não vou
ficar repetindo, não.

Quando a árvore é virgem nova assim,
ó... Tira o machadinho que é pra dar o

primeiro trabalho.

Quando não é, você usa a faca. Olha.

Agora com as mãos firmes.

O osso vai ferindo de pouquinho.

Com pouca força, que é pra achar o pulmo
da linha, tá vendo?

Aí vai cortando a árvore sempre nessa
mesma posição, no tamanho de mais ou

um palmo. Tá prestando atenção?

Hein?

Ah, então é isso. O senhor faz primeiro
o V.

Depois a cada dia vai fazendo a mesma
linha. A mesma linha.

Até chegar com as tigelinhas assim.
Agora tem que tomar cuidado que é para

cair, senão o leite escorre e perde.

Olha lá o moço.

Olha as

mãos,

filho.

Foi aqui que os índios atacaram o meu
compadre Feliciano.

Os índios atacam os trinqueiros?

Eu não mudei, vou no barraco e vou lhe
mostrar as flechas que nós tivemos do

corretor do corpo de Feliciano. O homem
aqui tem que andar com o olho na frente

e o olho atrás.

Os índios colocaram tudo aqui em volta.

Forçou o coitado de passar aqui na
trilha e começaram a chover.

De certo não deu tempo para o Feliciano
pegar no gatilho, né?

Depois cortaram a cabeça dele.

Levaram a cabeça dele, que é para a mãe
despertar um pedaço de pau, que ele

desperta assim, entendeu? Que é para
dançar em volta. Se não tiver a cabeça

homem, pega uma cabeça de criança, de
cachorro, gato,

que é para alimentar os espíritos dele,
entendeu?

É carta, é?

É.

Pra quem?

Pra minha mãe.

É saudade, é?

Muitas.

Seu Alberto tem mulher, noiva, assim, de
junto.

Desculpa perguntar.

Quando eu saí de Portugal tinha.

Sabes uma coisa, Firmino?

Eu não vou ficar aqui para sempre.

Quero rigor.

Nada de contemplação com os mais novos.

Estou aqui para perder dinheiro com
vagabundo.

Fique tranquilo, coronel. Mais alguma
coisa? Não.

Podem ir.

Cheguinha.

Bom dia, Lourenço.

Bom dia, seu Velasco.

Olha o que eu te trouxe, Mariana.

De Belém do Pará.

Agradeço, seu Velasco, Mariana.

Obrigada, Sr. Velasco. É lindo.

Não, tu é que é bonita.

Vá mostrar o presente para sua mãe.

Ela está

se transformando em uma bonita mulher.

Aquele Agostinho lá de Todos os Santos.

Parece um cachorro, Lucia.

Qualquer hora dessa, seu Velasco, eu não
sei não, viu?

Então, o português já aprendeu a
sangrar? Já sim, senhor. Rapaz, é bom de

visto.

Mas por senhor não vá lá. Por senhor
mesmo.

Venha com seus próprios olhos.

E tu achavas que ele não ia conseguir?

Cada vez que começava a sentir -me
integrado naquele novo mundo, alguma

estranha acontecia para me recordar que
o meu lugar não era ali.

Não gostei nada do que vi, mofadinha.

E então?

Não lhe ensinaram a sangrar as árvores?

Isso é o que acontece por trazer pra cá
gente de sua classe.

E tu?

Como deixou destruírem as seringueiras?

Não posso explicar, Sr. Velasco. Não tem
nada que explicar!

Estou a tentar.

O que eu vi não tem desculpa.

Os portugueses não valem uma merda.

São uns sem vergonha que se acham muito
valentes.

Calma -se, Velasco.

Calma, eu vou ensinar ele melhor.

Procópio! Minha égua!

Por muito que quiser, por muito que
tentar, não me senti igual àqueles

ruros que o Tino tinha feito meus
companheiros.

E então?

Algum problema lá?

Olha, o merda do Agostinho continua
atrás da filha do Lourenço. Filho do

O português estragou as seringueiras.

Eu já sabia.

Ô, Chica, vem cá.

Me lembra disso, do próximo acerto do
Cortes que tivemos com ele.

Você está bonita que só uma princesa,
Mariana.

Seu pai está bom?

Manda cumprimentos, seu Juca.

Vai levar o quê?

Três litros de cachaça e cinco quilos de
farinha.

Só porque é para o seu pai.

Vai com Deus, menina.

Você não acha que eu vou deixar você
acabar com todas as minhas árvores, não?

Para isso você não precisava vir lá de
Portugal.

Eu estou a aprender, seu Juca.

Pode ficar descansado que eu vou tentar
não estragar mais nenhuma das suas

seringueiras. Enquanto você está a
aprender, eu é que fico no prejuízo.

Oh, Firmino.

Eu vou lhe dar uma semana para você
ensinar esse brabo atrevido.

Se ele não aprender nesse tempo, você já
sabe.

Vai levar o quê?

Eu vou querer levar três quilos de
farinha, um garrafão de querosene, um

de pirar o cu e um rifle.

Rifle?

Essa é boa.

Você é cara dura mesmo, hein? Ou então
está querendo gozar com a minha cara?

Sabe quanto custa um rifle?

Sr. Juca, como é que eu me defendo dos
índios?

Não tem índio nem meios índios.

Trabalhe. Primeiro, trabalhe.

Depois conversamos.

Agora pode ir.

Tu é a moça mais bonita que eu conheci.

Mandei buscar uma boneca de pão lá no
Manaus pra te dar no teu aniversário.

Pelas que me deu esse colar.

Larga a menina, cabra.

Mariana, vem cá.

Vai procurar tua mãe, depois a gente
conversa.

Agora nós dois, cabra. Eu quero me casar
com a sua filha, senhor.

Não me conoco, homem.

Mas não conto eu que não lhe meto uma
bala agora mesmo.

Mas eu prometo que vou cuidar bem dela,
senhor. Cuidar com o quê?

O teu salário de ser jingueiro?

Minha filha merece coisa melhor.

Seu Velasco está de olho na minha
menina.

Eu vou cuidar dela para ele.

Purinha como todo homem gosta, viu,
cara?

Faça o que?

Vai fazer o que, cara?

Faça!

O cabra, onde está?

Eu não sei do que o senhor está falando,
não.

Não se faça de bobo.

Esconder um criminoso também é um crime.

Tampouco eu sacasse o rifle.

Então, meu argentino, por lá.

Alexandrino, por aqui. Comigo.

Obrigado.

E aí

Ô, bicho difícil de pegar bala, esse.

Está o índio.

Larga o índio.

Onde é que está o índio?

Índio, seu Roberto.

O índio aqui só aparece para cortar os
pescoços.

Há quanto tempo é que eu estou assim,
Firmino?

Mais para mais de uma semana.

Só bebendo água.

O inverno estava apenas a começar, mas
parecia já ter tomado conta de tudo.

Da selva, dos nossos espíritos, da vida.

Um inverno longo, feito de chuvas fortes
e incêndios, que nos impediam de

trabalhar, não foi ninguém.

Poxa. Eu sou feliz de ter trabalhado pra
conseguir essa espinhada.

Foi pra mais de quatro anos.

É uma boa arma.

E eu escondi ela.

É pros homens de Juca Tristão não
pegarem ela.

Meu amigo.

Agora sim.

Na selva os dias passam, mas é como se
fossem sempre dois únicos dias.

Um dia de sol, rápidos e sorentos, e um
dia de longa chuva.

Aqueles meses de dilúvio levaram um
pouco que ainda restava da minha vida

anterior. Quando o inverno se foi, senti
-me partido à selva que me cercava.

Nada tinha mudado e, no entanto, tudo
estava diferente.

Quero enviar esta carta para o pessoal.

Senhor Guerreiro, uma carta do
português.

Guerreiro, me diga uma coisa.

Se eu lhe roubar o argentino lá do
balcão, vai lhe fazer muita falta?

Mas o argentino, por quê?

Ele vem falar comigo, quer ser capataz
como o Caetano e o Velasco para fazer

trabalho de homem.

Tem ofensa, hein?

Como o inverno acabou, eu vou mesmo
precisar de mais fiscais para pôr aquele

bando de sapatos para trabalhar de novo.

O João pode substituí -lo.

O João, mas ele nem sabe ler direito.

Eu preciso muito dele.

Cozinha bem demais.

Nós vamos perder um excelente cozinheiro
para ganhar um péssimo empregado.

Mas quem mais?

Nós fomos a Manaus procurar alguém.

Tem aquele português de todos os santos.
O que esteve doente.

Deve ser inscrito.

Me parece uma boa ideia.

Não sei quem me disse, ele é advogado,
está a estudar direito, e além do mais é

português, deve saber fazer contas. Por
mim pode ser.

Quem não vai gostar nada é o Velasco,
com certeza, nem um pouco.

Mas é uma boa ideia.

Os índios de novo, seu Juca.

Quando foi isso?

Quando?

Eu lhe pergunto. Até quando, seu Juca?

Hein?

Josué, Feliciano, o Agostinho, agora
Procópio.

Quantos mais, seu Juca?

E o próximo vai ser eu? O seu Alberto?

Ele me devia muito dinheiro.

Mas eu não falei disso.

Falei!

Mas é só isso que me interessa.

Ele está morto. Todos nós perdemos.

Guerreiro, dê a notícia a ele.

Qual notícia?

Uma notícia muito boa para todos nós.

Queremos que você venha trabalhar
conosco aqui em Paraíso.

Você vai substituir o argentino lá no
armazém.

Em Portugal eu pensava que bebia café,
até provar o teu.

Agora vai sobrar café e estrada sem ser
ingressada.

Seu Juca fez bem, isso aqui não é lugar
para você.

Venga, vámonos, Sr. Roberto.

Óio,

eu sei que é para o seu bem, mas para o
meu não é não.

Senti sua falta.

Eu também vou sentir a tua falta em mim.

O que achou da vida em todos os santos,
Alberto?

Monótona.

E muito difícil.

Monótona?

Ataque de índios?

Febres tropicais?

Crimes passionais?

Queria mais?

Não.

Eu tive o suficiente.

Também tive saudades de um bom livro.

Uma boa música.

Até de um piano.

O senhor toca piano?

A minha mãe obrigou -me a aprender.

Está aí uma coisa que eu gostaria de
voltar a ouvir nesta casa.

Desde que minha mulher se mudou, este
piano ficou mudo.

Se o senhor Alberto nos fizesse a
gentileza, adoraríamos ouvi -lo.

Mas agora, eu não sou grande pianista.

Por favor, senhor Alberto.

Não seja modesto.

Com a sua permissão, eu tenho coisas
mais importantes para fazer do que

música.

Com licença, Sr. Juca, mas eu também vou
indo.

Boa noite.

Bom, não custa nada tentar.

Com licença.

Essa onça maldita continua rondando por
aqui.

As surpresas do dia a dia eram muitas,
mas não eram suficientes para espantar a

solidão.

Voltei a sentir saudades de cada.

E aí E aí

E aí

É linda essa música, seu Alberto.

Obrigado.

Eu também gosto muito.

Gostava de aprender a tocar?

Eu?

Eu tentei aprender com a mulher do seu
Juca, mas ela não tinha muita paciência.

Ela nunca gostou muito desse lugar.

Agora vive na cidade.

Eu ficaria encantado em ensinar a tocar.

Dona Iéa.

Entendeu? Isto é chamado a escala.
Começa com o dó, que é esta tecla aqui,

pulgar. Está bem assim.

Chega no dedo do meio, no outro dó, com
a menina.

Quer sentar?

Isso.

E menina.

Agora para cá.

Eu não vou conseguir nunca. Isso é tão
complicado.

Não é complicado nem é.

É normal.

Tenha de praticar algum tempo até
desenfrujar os dedos.

No início pode até ser aborrecido.

Vamos sentar novamente?

Não, não, não.

Aquilo...

Talvez

seja melhor nós pararmos por hoje.

Talvez tenha razão.

Boa noite, Roberto.

Boa noite, Toninha.

Não quero.

Pega essa arma e vem comigo.

Mas o que se passa?

A onça atacou de novo lá na pocilga.

Mas desta vez a gente mata ela.

Pelo amor de Deus, a gente está com
pressa.

Esse animal não vai esperar o dia todo.

Vamos.

Sim, sim, sim.

A onça é um bicho traiçoeiro português.

Chega sem fazer barulho.

Sem que ninguém se dê conta.

Talvez fosse melhor eu me ver em
silêncio.

Ora, também se tornou um caçador
esperto. Muito bem.

Chega de mansinho.

E cedo ou tarde, ataca e caça as nossas

mulheres.

Eu não entendo o que quer dizer.

Não se faça de bobo, português. Eu já vi
tudo.

Sim? Vê suas olhadinhas para Dona Yaya.

Suas doces palavras.

Vê seus encontros furtivos.

Você é nojento.

Não, eu não minto.

Dona Yaya.

É como os ratos daquele conto do
flautista. Ela sempre segue a música até

para o precipício.

Mas eu não, eu não toco piano.

E a minha flauta parece não lhe agradar.
Mas será que você não respeita ninguém?

E você? A quem respeita você?

A guerreiro?

A mim?

Ah, o guerreiro é um cornudo feliz.

Ele não percebe, eu prefiro não
perceber. Mas eu não.

Eu percebo! Eu percebo!

Continuaremos falando.

Não pense que isso acabou.

Eu não posso ficar aqui esperando nem
lágrimas.

Eles vão caçar -te como um animal.

Lembras -te do que fizeram ao Agostinho?
Cortaram -lhe a merda dos tomates.

Eu vou precisar de sua ajuda.

O regresso de Juca Tristão, depois de
dois meses de viagem, trouxe consigo

muitas surpresas.

Esse momento marcou o fim da minha
aprendizagem como seringueiro e o início

minha aprendizagem como homem.

E aí, seu guerreiro, novidades?

A onça voltou a atacar na pocilga, mas
desta vez matamos a bicha.

O preço da borracha não para de cair.

A borracha é o passado, meu amigo.

E aí, Chica?

Como vai essa vida?

Beijo, senhor Juca.

Basta tão pouco pra alegrar essa gente.

É alegria com a volta do patrão.

Se ele soubesse que eu não ia voltar
mais, aí sim, eu ia fazer uma festança.

Ora, não seja injusto, seu Juca.

Paraíso não é o mesmo quando seu Juca
está forte.

Vamos todos para a varanda. Trouxe um
conhaque guerreiro para você. Nunca

nada igual.

Sete contos por água abaixo.

Eu aqui me sacrificando longe da minha
mulher, do meu filho, para ser roubado

por esses canaias. Eu mato esses cabras.

Com licença.

Guerreiro! Nós vendemos alguma lima nos
últimos tempos?

Acho que não.

Vendemos, Sr. Roberto?

Não.

Desde que eu aqui estou, ainda não
vendemos nenhuma lima.

Checa! Vem cá, Checa!

O Firmino não era seu amigo, Sr.
Alberto?

Era, não.

É.

E você não sabe como os fugitivos
conseguiram uma lima?

Talvez fosse algum deles.

Zazuca!

É de mim que o senhor desconfia.

O Stika não tem nada a ver com este
assunto.

Então por que é que você não substitui o
Stika?

Tome.

Segura. Seu Juca, por favor.

Você era capaz de mentir para mim?

Era. Mas hoje não é o caso.

Não se preocupe, Velasco.

Eu não vou errar de novo.

Eu posso ajudar em alguma coisa?

Não é preciso. O ferimento é leve. Vai
ficar bom logo.

Se o Sr. Alberto não se importa, eu
preferia fazer isso sozinha.

Eu preciso falar consigo.

Agora não.

Por favor.

Sr. Alberto.

Sim? Para um branco, até que o senhor
não é tão mau assim.

Os homens não estão armados, não.

Esse aqui é estranho.

Não estou armado por quê.

Bom dia.

Onde é que vão assim tão cedo?

Estádio Seringal, que pague bem.

Ouviu?

Eu julgo que a Tristão não paga bem.

E quem é que foi que disse que nós veio
lá de Juca Tristão?

Vamos embora, maluca. Bora o quê, diabo?

Opa!

Ele não sabe.

Mas o Firmino, sim.

Vai ter mais fugas, filho da puta.

Responde ao Sr.

Velasco.

Responde ao Sr. Velasco.

Então, está começando a lembrar?

E quem foi a ideia da fuga, Firmino?

Foi tu?

Sim.

Foi tu? Sim.

Isso vai demorar.

Olha o Firmino.

Olha o Firmino.

Ele não pode falar agora, mas tu sim.

De onde tiraste a lima?

Foi o português que te deu, não foi?

Eu não sei.

Se eu soubesse, eu não dizia.

São muito valentes.

Até onde você pretende chegar?

Desembocha. Diga que foi o português e
acabou a festa. Foi o português, papai.

Não adianta.

Melhor matar.

Sr. Juca, eu acho que já é tempo de
parar com isto.

Parar com o quê, moço?

O pior?

Não brinque, Sr. Juca. Estou a falar de
coisas muito sérias.

Ah, coisas muito sérias.

Roubo. Isso é coisa muito séria.

É sobre isso que você veio falar comigo,
Sr. Alberto.

Não, Sr. Juca. Se eu tivesse que falar
de roubo, passava aqui a noite inteira.

Estou a falar do que se passa com o
Firmino e os outros.

O senhor sabe que elas estão a ser
espancadas.

Você viu alguma coisa que estão
maltratando os homens?

Não, eu não tomei conhecimento de nada.

Está belo, Sr. Alberto.

Não tem com o que se preocupar.

Tem só que esperar.

Senta aí e toca uma música para nós,
para a dona Yaya.

Não seja o que eu não vou tocar nada.

Com licença.

Eu não fico mais aqui.

Guerreiro, ponha uma trela na sua
mulher. Ela anda muito solta.

E quanto a você, moço, fique quieto.

Talvez o Velasco tenha se entusiasmado
um pouco.

Mas agora, vamos todos dormir.

Vá para o seu quarto e fique lá.

A casa tá queimando! Tá tudo pegando
fogo! Fogo! Fogo, acusam! Fogo!

Fogo!

Não se pode passar, está tudo queimando.

Termino.

Termino.

O que vai ser de nós?

Seu Guerreiro vai tomar conta de tudo.

Está falando de nós dois?

Eu também.

O coronel está debaixo das escombras.

Carbonizado.

Então?

Fui eu que botei fogo na casa.

Botei fogo.

Fechei as portas para o Sr. Juca não
sair.

Pode me mandar para a cadeia.

O Sr. Juca não podia fazer aquilo com
aqueles homens.

Ele não podia!

Escravo não existe mais.

Seu guerreiro.

Pode mandar me matar.

Eu não careço de viver mais.

Vou te dar esse gosto, seu negro.

Não faça isso.

Não se meta nisso.

Guerreiro! Você manda ou não manda nessa
mulher?

Quer que eu coloque uma laranja na
cabeça, seu Velasco?

Na cabeça?

Em que cabeça?

Agora chega, Velasco.

Calado, seu corno.

Que azul elástico!

Já tem novo capataz, seu guerreiro.

Firmino! Firmino!

A minha estadia prolongou -se por mais
algum tempo, até as autoridades

esclarecerem as mortes de Juca, Velasco
e Firmino no incêndio.

Recebi notícias de casa que tinha sido
amnistiado. Já podia regressar a

Portugal.

Firmino, Guerreiro, Tiago, até Dona
Yaya.

Juntaram -se pouco por pouco aos
fantasmas do passado.

A selva nunca mais saiu do meu coração.

Sobrepõe sempre no meu espírito uma
causa mais forte.

Uma razão maior.

A humanidade.

Esqueço -me de mim.

Mas não me esqueço da selva.